Intervenção de

Serviço público de rádio e televisão - Intervenção de António Filipe na AR

Reestruturação da concessionária do serviço público de rádio e televisão

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Srs. Deputados:

O que está aqui fundamentalmente em discussão não é, sob o ponto de vista formal, a questão da consumação do processo de fusão empresarial da Radiodifusão Portuguesa na Radiotelevisão Portuguesa, porque esse é um modelo tão legítimo como o anterior.

Há funções comparadas diversas e, portanto, é de admitir até que esta solução, mantendo a autonomia de cada uma das empresas, de proceder à sua unificação possa ter ganhos, designadamente do ponto de vista económico-financeiro e de gestão, admitamo-lo, mas a questão não é essa, a questão para nós, neste debate, é, de facto, a de saber se estamos ou não, objectivamente, perante mais um passo na governamentalização dos serviços públicos de rádio e de televisão.

Aí parece-nos que esta proposta de lei representa, incontornavelmente, um passo negativo nesse sentido.

E coloca-se uma questão fundamental, que é a de sabermos qual é o estatuto do Conselho de Opinião. O Conselho de Opinião, como já foi dito neste debate, só se pronuncia sobre a nomeação dos provedores, que são órgãos independentes, mas com uma independência, digamos, relativamente sui generis, porque são órgãos que, tendo, obviamente, a independência que decorre da idoneidade das pessoas que possam ser escolhidas e também de algumas garantias de inamovibilidade, funcionam na órbita da própria empresa, remunerados pela própria empresa, com um programa que é emitido e editado por cada uma das duas empresas. O Conselho de Opinião só se pronuncia sobre esse órgão.

Quem se pronuncia sobre a nomeação dos directores é a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, entidade que, como é sabido, suscita as maiores e mais profundas reservas quanto à sua independência face ao poder político. Aliás, é conhecido o processo de constituição da Entidade Reguladora, em que o PS e o PSD acordaram a sua composição, tendo até acordado quem seria a personalidade que os escolhidos iriam cooptar.

Portanto, o primeiro acto de independência da Entidade Reguladora consistiu em acatar as ordens do PS e do PSD quanto ao elemento que deveriam escolher para seu presidente, e já meio Portugal sabia quem é que ia ser escolhido antes de o órgão ter sido sequer empossado.

Ora, importa lembrar que, em 1998, por lei do governo do Partido Socialista, uma lei aprovada no tempo em que o Partido Socialista estava no governo, competia ao Conselho de Opinião emitir parecer prévio vinculativo, no prazo máximo de 10 dias, sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária. Ou seja, o Conselho de Opinião pronunciava-se vinculativamente.

Como se sabe, o governo do PSD/CDS-PP não gostou desta disposição a partir do momento em que o Conselho de Opinião não deu parecer positivo à indigitação do Conselho de Administração escolhido pelo governo, daí que o Ministro Morais Sarmento tenha aqui trazido uma proposta de alteração da lei precisamente para eliminar esta possibilidade, isto é, para retirar ao Conselho de Opinião a possibilidade de se pronunciar, a título vinculativo, sobre a nomeação da administração da empresa.

E o que é que o Partido Socialista disse aqui nessa altura? O Partido Socialista, nessa altura, criticou contundentemente a proposta do governo PSD/CDS-PP.

Tenho, até, comigo as intervenções que os Deputados do Partido Socialista fizeram nessa altura sobre essa proposta. Dizia um Sr. Deputado do Partido Socialista o seguinte: «A apresentação pelo Governo da presente proposta de lei simboliza o regresso, e em força, do cavaquismo puro e duro, com todas as suas características, a mesma concepção de poder absoluto, a mesma teorização das forças de bloqueio, a mesma manipulação da lei, ao sabor das conveniências, e, claro, a mesma governamentalização da gestão e da direcção da RTP».

E continuava esse Sr. Deputado: «A presente proposta de lei reveste-se de dupla gravidade, pelo que dispõe e pela concepção de poder que a enferma. Com esta proposta de lei pretende-se o regresso a um modelo governamentalizado de gestão e direcção da RTP. É, assim, reposta a velha cadeia de comando de má memória: o ministro manda, a administração obedece e faz o director obedecer». E dizia mais: «Sejamos claros: a aprovação desta proposta de lei constitui a ‘carta de alforria' para o Governo recuperar a tutela da informação e da programação da RTP, que já não tem desde o tempo do Dr. Luís Marques Mendes».

E, por fim, concluía: «Também aqui o Governo se apresenta ao arrepio do modelo europeu de serviço público de televisão. Em todos os países europeus, de uma forma ou de outra, existem mecanismos que retiram aos governos o poder de livre nomeação dos órgãos de gestão ou de direcção das estações de televisão públicas».

Quem foi o Deputado do Partido Socialista que pronunciou estas palavras? Não sei se alguém quer adivinhar. Foi o então Deputado António Costa, hoje Ministro de Estado e da Administração Interna, que, aliás, até concluía o seguinte: «Este...» - que era o Governo do PSD/CDS-PP - «...é um Governo a quem sobra em autoritarismo o que lhe falta em autoridade». Autoridade que não tem quem, quando, na oposição, propôs que o Conselho da Opinião nomeasse a maioria da administração da RTP e que agora, no Governo, propõe que o Conselho de Opinião nem sequer aprecie os nomes propostos.

É caso para dizer que «pela boca morre o peixe».

Mas, neste debate, o Deputado António Costa não foi o único Deputado do Partido Socialista a intervir!

Ainda há mais!

Houve um outro Deputado do Partido Socialista que afirmou aqui o que vou citar: «Esta proposta de lei não honra nem dignifica a nossa democracia. Em todos os países com democracias avançadas e modernas o movimento que está em marcha é no sentido de criar órgãos independentes, reforçando, aliás, as suas competências, com o objectivo de garantir a isenção, a pluralidade e a imparcialidade dos serviços públicos de televisão. Esta proposta de lei vai exactamente em sentido contrário, vai num sentido completamente ao invés daquilo que são os novos ventos das democracias. Esta proposta de lei é, portanto, um retrocesso para a nossa democracia, é um passo atrás em todo o caminho de desgovernamentalização que a nossa democracia foi seguindo nos últimos anos. Tendo em conta a importância da televisão para a formação da opinião pública, tendo em conta a importância da televisão no funcionamento do sistema democrático, esta é uma lei que não honra a nossa democracia.».

Srs. Deputados, não sei se querem adivinhar quem pronunciou estas palavras...   

Foi o Deputado José Sócrates, actual Primeiro-Ministro!

Portanto, o Partido Socialista defende hoje exactamente o contrário daquilo que o Ministro António Costa e o Primeiro-Ministro José Sócrates então defendiam, o que, quanto a nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, qualifica exactamente o sentido desta proposta de lei.

(...)

Sr. Presidente,

Houve um facto que o Sr. Ministro, na sua acalorada intervenção, não foi capaz de desmentir. Em 1998, por uma lei aprovada ao tempo de um governo do Partido Socialista, o Conselho de Opinião emitia parecer vinculativo sobre a nomeação dos administradores do serviço público de televisão, da RTP. O PSD e o CDS-PP, quando estiveram no governo, impuseram, com a sua maioria, a alteração dessa disposição e o Conselho de Opinião perdeu esse poder.

Na ocasião, o PS foi contundentemente contra e usou a adjectivação «pesada» que acabei de referir.

A proposta de lei que aqui nos apresenta mantém integralmente essa disposição no que se refere à ausência de poderes do Conselho de Opinião. Portanto, o Partido Socialista mudou diametralmente de opinião.

O Sr. Ministro diz que nos refugiámos no passado. Então, são obrigados a registar que, para o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Ministro António Costa e o Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates fazem parte do passado...!! Quanto a isso, estamos conversados!

(...)

Sr. Presidente,

Comprometo-me a deixar 30 segundos para o Partido Socialista.

É só para, em sede de pedido de esclarecimento, apelar à memória do Sr. Deputado Arons de Carvalho.

Pergunto-lhe se se lembra, como eu próprio, de que a proposta de lei que aqui discutimos em 2002, e sobre a qual o Sr. Deputado disse que muita coisa estava em causa, tinha dois artigos: o primeiro alterava esta matéria, exclusivamente esta matéria, da competência do Conselho de Opinião para dar parecer sobre a nomeação de administradores; e o segundo dizia que «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação».

 

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