Intervenção de

Sector empresarial do Estado - Intervenção de Honório Novo na AR

Regime jurídico do sector empresarial do Estado

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

Começo por uma questão recorrente e, curiosamente, não é a primeira vez que o faço com a presença de V. Ex.ª nesta Casa a propósito de iniciativas legislativas do Governo.

No preâmbulo da proposta de lei (114/X) faz-se referência à audição prévia da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e dos órgãos das Regiões Autónomas, diz-se que o Governo os ouviu, mas não sabemos de nada. Não sabemos se essas instituições estiveram ou não de acordo, se fizeram ou não observações e, sobretudo, se essas observações foram ou não seguidas pelo Governo. Pode dar-se o caso de V. Ex.ª trazer consigo esses pareceres e essas observações e, se assim for, agradecíamos que nos transmitisse o teor dos pareceres destas instituições e entidades.

Uma segunda questão é referente às inovações legislativas introduzidas pelo Governo na proposta de lei.

Vou dar dois exemplos apenas, Sr. Secretário de Estado. O primeiro consiste numa dúvida: qual é o conceito, qual é a origem, a representação de capital que o Governo atribui ao estatuto dos administradores ditos independentes? No fundo, gostávamos de saber o que são, para o Governo, administradores independentes e como é que conceptualiza a nomeação deste tipo de administradores.

Segundo exemplo: o Governo impõe a obrigação de os administradores não executivos elaborarem relatórios sobre o desempenho dos administradores executivos. O que parece claro da lei é que os administradores não executivos assumam funções de auditoria e de avaliação, mas de auditoria e de avaliação da empresa - auditoria do funcionamento da empresa, avaliação do cumprimento das orientações e dos instrumentos de gestão. Quanto a isso não há dúvidas, mas emitir relatórios de avaliação de uma forma expressa sobre a actividade dos administradores executivos não parece, quanto a nós, passível nem de tradução ética, nem muito menos política, numa lei. Portanto, a questão é esta: será mesmo esta a vontade do Governo ou trata-se apenas de um mero lapso?

Terceira e última questão: habitualmente, sucede com muitos Deputados desta Casa um impasse sobre o qual, aproveitando a discussão desta proposta de lei, seria preciso ouvir de uma forma expressa o Governo.

Perante as iniciativas, de diversos tipos - perguntas, requerimentos, questões orais -, feitas por muitos Deputados directamente ao Governo e que têm que ver com empresas públicas mas, sobretudo, reconheçase, com empresas participadas pelo Estado, a maioria das vezes não há a obtenção de respostas. Argumento recorrente utilizado é o Governo dizer «trata-se de um sector empresarial, não podemos responder, não queremos imiscuir-nos na gestão interna destas entidades». As empresas públicas participadas, por sua vez, remetem-se a uma pura negação de resposta. E a questão é esta: como é que o Governo encara esta omissão grave às obrigações constitucionais que todos têm - o Governo e também, no nosso entendimento, as empresas públicas participadas - de prestar informação e elementos de acompanhamento a esta Casa, para que ela possa desempenhar cabalmente as suas funções constitucionais.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado:

O Governo apresentou a proposta de lei n.º 114/X, que visa solicitar autorização para introduzir alterações no regime jurídico do sector empresarial do Estado.

Segundo o Governo, as alterações propostas pretendem detalhar o articulado da legislação sobre o regime jurídico do sector empresarial do Estado face às debilidades encontradas durante o período de aplicação, harmonizando-o, portanto, com o novo estatuto do gestor público e com o novo Código das Sociedades Comerciais.

As alterações propostas visam, fundamentalmente, a definição de orientações de gestão, o aperfeiçoamento dos procedimentos e das obrigações de informação e a definição de novos modelos de organização empresarial.

Vou debruçar-me sobre três aspectos e fazer três observações.

Primeiro, quanto à definição das orientações de gestão - orientações estratégicas, gerais e específicas -, todas oriundas do Governo, parecem-nos adequadas se, porventura, vierem a dar eficácia ao sector empresarial do Estado e, particularmente, se este passar a funcionar ao serviço do interesse público. No entanto, há que dizer, Sr. Secretário de Estado, que temos algumas dúvidas de que o Governo assuma em pleno este objectivo central.

Segundo, concordamos também com as propostas de alteração às formas e aos períodos de apresentação de informação e controlo, por tornarem a informação disponibilizada mais clara, designadamente no que diz espeito às responsabilidades dos gestores públicos.

Terceiro, relativamente aos novos modelos propostos para a organização dos órgãos de governação das empresas públicas e participadas, a moda actualmente em uso nas sociedades anónimas parece imperar e fazer lei, sem que, nalguns casos, quanto a nós, existam justificações para tal.

Trata-se, portanto, de uma organização por vezes desajustada e complexa face ao tipo e à dimensão das empresas. Existem empresas totalmente públicas, bem como participadas, que não são grandes empresas e em que a aplicação concreta deste modelo porventura poderá ser geradora de empolamento orgânico, de multiplicação de cargos e encargos - e o Sr. Secretário de Estado não comentou esta questão - e, de alguma forma, entrar até em contradição com aquilo que são os objectivos apresentados pelo Governo na sua proposta de lei.

Devo dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que a sua resposta quanto aos administradores não executivos é, no mínimo, estranha. É que, pelos vistos, para V. Ex.ª é perfeitamente legítimo e inquestionável copiar tudo o que é do sector privado para o público, tudo o que é do sector privado é obrigatoriamente bom para o sector público.

Não é assim, Sr. Secretário de Estado! E, por mais que o senhor se esforce, ninguém entende porque é que os administradores não executivos devem ter a competência para elaborar relatórios sobre a actividade dos administradores executivos. A não ser que o objectivo seja criar conflitos internos, artificiais muitas vezes, na gestão da própria empresa pública.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a definição de objectivos e orientações, a obrigação de avaliar o respectivo cumprimento e a informação e acompanhamento da gestão de empresas públicas e participadas pode, portanto, quanto a nós, introduzir elementos positivos. Falta, porém, clarificar e precisar as obrigações que todos, Governo e empresas públicas e participadas, têm também para com o País e, designadamente, para com esta Assembleia.

Esta Casa não pode continuar arredada por argumentos formais, usados pelo Governo ou pelas próprias empresas, ou impedida de desempenhar cabalmente as suas competências constitucionais. E, porventura, seria também este o momento para precisar esta obrigação.

Sr. Secretário de Estado, foi esta a questão central que lhe coloquei e à qual o senhor se furtou a responder. É que, Sr. Secretário de Estado, ou assumimos claramente a obrigação de prestar informação a esta Casa sobre o funcionamento e o acompanhamento da gestão das empresas públicas participadas ou não vamos longe quanto ao desempenho das obrigações constitucionais desta Casa.

Finalmente, se os níveis de informação e acompanhamento forem superiores, se as condições para a avaliação do cumprimento das orientações forem as correctas, se a Assembleia da República puder conhecer melhor o desempenho deste sector vital, estarão a ganhar não as empresas públicas ou as empresas participadas, mas estará certamente a ganhar o sector empresarial do Estado e, com ele, o País.

 

 

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