Projecto de Resolução N.º 792/XVI/1.ª

Sector Automóvel – defender os interesses dos trabalhadores e do país

Exposição de Motivos O sector automóvel no seu conjunto assume um papel de grande significado na atividade económica e particularmente no tecido industrial do país.

Representa cerca de cinco por cento do PIB nacional, envolve de forma direta e indireta cerca de cem mil trabalhadores, incluindo milhares de quadros e operários qualificados, abrange centenas de empresas em todo o País e múltiplos sectores de atividade. Para além da montagem e construção em si, o sector automóvel está presente nas indústrias têxtil, elétricas, dos moldes, dos pneus, nas baterias, na reparação e comércio automóvel, entre muitas outras áreas.

Apesar de requerer grandes investimentos de capital, o sector tem um retorno considerável.

Os lucros colossais nos últimos anos – na casa das muitas dezenas de milhar de milhões de euros – de grupos como a Volkswagen, a Stellantis ou a Renault, entre outras multinacionais, falam por si.

Em 2024, foram ultrapassados todos os recordes em Portugal: foram produzidos 332.546 veículos, mais 4,5 por cento do que em 2023, e foram colocados em circulação 249.269 veículos, mais 5,6 por cento do que em 2023.

Num País confrontado com políticas que desprezam o aparelho produtivo e particularmente a indústria, não tem pouca importância a necessidade de defender e desenvolver este sector em Portugal.

O Sector, apesar das potencialidades, está hoje confrontado com problemas e ameaças a que urge responder. Nos últimos anos, têm-se adensado problemas entre os principais fabricantes europeus e que não deixam de ter reflexos no nosso País. Apesar dos alertas e da intervenção do PCP houve quem só agora acordasse para os problemas com que a indústria em Portugal, e no plano da UE, está confrontada. Mas esses problemas têm causas e responsáveis:

- A política de confrontação e guerra comercial (e também militar) em que a UE se deixou envolver a reboque dos EUA e que está a ter os seus impactos e consequências no sector automóvel.

- A política energética, e, por conseguinte, todo o processo de transição, que está hoje debaixo do comando das multinacionais, nomeadamente o ritmo de eletrificação da atividade económica, incluindo com a substituição dos motores de combustão pelos elétricos, que subestimou claramente dificuldades que já se antecipavam, sendo que se verificam impasses nesta matéria que afetam todo o sector automóvel.

- A política de desindustrialização e deslocalização da atividade industrial, e a sua substituição por uma economia predominantemente orientada para os serviços.

No entanto, os principais responsáveis por este caminho continuam sem reconhecer o desastre das políticas que foram promovendo. Tanto assim é que, ainda recentemente, o Presidente do Partido Popular Europeu e um deputado do PSD no Parlamento Europeu assinaram um texto no Expresso (03JAN25) – O futuro da indústria automóvel europeia em jogo – onde, depois de a referir (e bem) que o “coração industrial europeu” está a “enfraquecer”, atiram para “fatores económicos adversos” e “erros políticos de consequências desastrosas”, as causas da situação que a indústria automóvel enfrenta. Consideram aliás que “a situação é crítica” e que “não se trata apenas da perda de empregos - está em jogo a própria soberania do nosso continente”. Infelizmente, não enumeram, nem nomearam, quer os “fatores”, quer os “erros políticos”. Nem os autores políticos, governos, partidos e órgãos da UE responsáveis por este percurso.

Percebem-se as razões destas omissões. De facto, uma abordagem séria sobre as dificuldades da indústria automóvel tinha que responsabilizar a política industrial, a política de comércio externo, a substituição de uma política de cooperação pacífica e mutuamente vantajosa com todos os povos pela subserviência aos EUA, nomeadamente no confronto com a China, as políticas de liberalização e privatização dos mercados e empresas públicas de áreas estratégicas como a energia e os transportes, o desastre das suas orientações e pactos para a transição energética e o transição digital.

É também por isso que as medidas que reclamam são em grande parte o agravamento das políticas que conduziram a Indústria Automóvel à situação em que se encontra.

Ou seja, em vez de repensar a política de confrontação, sanções e guerra comercial, em vez de recuperar o controlo público de sectores estratégicos e transversais a toda a atividade económica como é o da energia, o que pretendem impor é:

Uma ainda maior subsidiação pública às multinacionais do sector, incluindo por via do Lay-off, como tem vindo a acontecer;

Avançar ainda mais no “mercado único”, de capitais;

Promover uma ainda maior concentração e centralização de capital – com novas fusões e aquisições à escala global, com o risco de esvaziar unidades industriais em países como Portugal para os concentrar nas grandes potências do centro da Europa, que comandam a UE;

O despedimento de milhares de trabalhadores, que é sempre a primeira solução do grande capital, ou seja, os grandes grupos/marcas dos fabricantes, que ainda nos recentes anos apresentaram lucros colossais, incluindo no ano que agora terminou de Se há preocupações da parte do Governo sobre a situação no sector, estas não tiveram até ao momento qualquer expressão pública. Tal opção deixa antecipar que o atual Governo PSD/CDS, tal como antes os Governos PS, se colocou na posição de que as soluções estão a ser tratadas no âmbito da UE!

Mas sem prejuízo, de estudos e sinalização dos riscos e problemas que a UE possa ter, o País não pode prescindir de uma abordagem soberana, tendo em conta os seus próprios interesses.

Foi nesse sentido que, no passado dia 17 de janeiro, o PCP reuniu com dezenas de estruturas – Sindicatos, Comissões de Trabalhadores, representantes das Pequenas e médias empresas – e personalidades, para discutir a situação e o futuro do sector automóvel em Portugal. Foi uma importante audição, na continuidade de outras iniciativas do PCP, em que se expuseram problemas e apontaram caminhos para o futuro.

Face às dificuldades no sector automóvel as respostas a encontrar devem salvaguardar os interesses dos trabalhadores e as MPME portuguesas que integram a cadeia nacional de valor da indústria automóvel.

É precisa uma estratégia nacional clara e integrando todas as áreas e subsectores do “ecossistema” automóvel em Portugal, que envolva as associações empresariais do sector automóvel e as organizações representativas dos trabalhadores.

São precisas medidas que melhorem a competitividade da indústria portuguesa designadamente nas condições de acesso e custos dos fatores de produção da indústria automóvel, na energia, nas telecomunicações, no crédito e serviços bancários, entre outros.

É preciso graduar os processos de transição energética – incluindo o ritmo de eletrificação do sector automóvel – adaptando-os às necessidades e possibilidades, quer do País, quer dos principais mercados para onde se destinam os veículos fabricados em Portugal.

É preciso diversificar o comércio externo em vez do crescente afunilamento que se está a verificar.

E é preciso valorizar salários e direitos dos trabalhadores que trabalham neste sector no nosso País. O sector automóvel é um sector altamente rentável. Em Portugal, apesar do conhecimento adquirido ao longo dos anos e da capacitação de milhares de trabalhadores nesta área, os salários praticados são baixos. Um trabalhador na Alemanha recebe – na mesma multinacional – três vezes mais do que em Portugal. Já para não falar de outros problemas como os ritmos de trabalho, doenças profissionais, impacto do trabalho por turnos, entre outros direitos que estão a ser atingidos.

O futuro do sector em Portugal não pode ser construído a partir dos baixos salários, ou da chantagem permanente com a deslocalização de empresas. Bem pelo contrário, a valorização dos salários e dos direitos são um importante contributo no plano mais geral garantir a sustentabilidade de todo o sector.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução A Assembleia da República, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve pronunciar-se pela adoção das seguintes opções:

1. Promover uma política de valorização dos salários, combate à precariedade, reconhecimento do desgaste rápido no sector para efeitos da reforma;

2. Defender a diminuição dos ritmos de trabalho, nomeadamente os que estão na origem de doenças profissionais;

3. Impedir a utilização indevida do Lay-off;

4. Implementar uma estratégia nacional de defesa do sector automóvel em Portugal, que responda aos problemas da competitividade da indústria portuguesa com medidas visando a redução de custos com energia, telecomunicações, crédito e serviços bancários;

5. Garantir a graduação dos processos de transição energética adaptados à realidade e às necessidades do nosso País e dos principais mercados;

6. Defender, perante a UE e as multinacionais, os interesses do País, com a ativa intervenção do Estado português, visando o reforço e desenvolvimento da capacidade industrial de Portugal;

7. Recusar a política de sanções, confrontação e guerra, e promover relações económicas diversificadas e a cooperação.