Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Encontro com Comissões de Utentes e Profissionais de Saúde «Salvar o SNS – Privatizar não é solução

Salvar o SNS – Privatizar não é solução

Desde já gostaria de, em nome do PCP, agradecer a possibilidade de, com o vosso contributo, estarmos aqui a aprofundar o conhecimento sobre a actual situação do Serviço Nacional de Saúde, os seus problemas e insuficiências, a sua capacidade de resposta e aqueles que dele dependem, os utentes. 

Aqui apareceram casos concretos, aqui se expressaram o dia a dia e a vida vivida e a realidade do Serviço Nacional de Saúde.

Permitam-me que faça, desde já, um sublinhado, de quem é também utente do Serviço Nacional de Saúde e, mais precisamente, aqui mesmo no Barreiro.

Um testemunho que, sendo pessoal, julgo ser extensível a muitos de vós que aqui estão.

Uma valorização dos profissionais que, independentemente de tudo, de serviços mal organizados, da falta evidente de pessoal, de meios e até de instalações condignas, com uma sobrecarga de trabalho e de horas, com poucas pausas e folgas, apesar de tudo isso, desempenham o seu papel, são atenciosos, ajudam, preocupam-se. 

Falo de enfermeiros, médicos, pessoal auxiliar, e de todos estes profissionais que se entregam à causa pública e fazem do Serviço Nacional de Saúde um instrumento valioso, insubstituível, que é preciso defender, valorizar, reforçar e em que é necessário investir para que se cumpra verdadeiramente o direito constitucional à saúde.

E a primeira pergunta que fazemos é esta: como seria o funcionamento, o acolhimento, a celeridade, a capacidade, a disponibilidade, se os trabalhadores e os profissionais fossem, como deveriam ser, tratados com a dignidade que se exige, valorizados e reconhecidos?

Sabemos que as dificuldades com que o Serviço Nacional de Saúde se confronta não serão resolvidas todas num dia, é verdade, mas a questão que se levanta, absolutamente incontornável, é qual é o caminho que se traça e quais as opções?

Será o caminho de desinvestimento, de degradação dos serviços, desvalorização dos profissionais, de encerramento de serviços, impor taxas moderadoras e de empurrar para os grupos privados?

Será o caminho de encerramento de serviços como paira aqui mesmo no Barreiro, de engrossamento de listas de espera a consultas e cirurgias, e de empurrar para o privado?

Será o caminho de privatização de serviços e centros de saúde, que mais uma vez o PS ambiciona concretizar, como o demonstra o preocupante anúncio deste Governo quanto à privatização de unidades de saúde familiar?

Quantas vezes já vimos este filme – e quantas mais vezes teremos de o ver? –, que começa na contratualização da limpeza, depois da segurança, às vezes o inverso, depois vai andando para as análises e outros serviços, e que rapidamente se transforma na privatização geral? 

É este o caminho que serve os trabalhadores, as populações e as crianças?

Este caminho que se faz secando o Serviço Nacional de Saúde, dizendo hipocritamente que não há dinheiro, enquanto se fazem contratos milionários com os grupos privados da saúde, para o Estado ficam os custos e para o privado sobram os lucros.

Os mesmos privados que olham para a saúde como um lucrativo negócio da doença e que vêem o utente como um cliente, fazendo-o pagar, seja à peça, seja através de seguros, couro e cabelo por algo que o Estado tem obrigação de garantir.

No nosso entender, este não só não é o caminho a seguir, como todos os dias se revela como errado. Para o PCP a saúde não tem preço.

O que o País necessita, o que serve os utentes, o que faz falta implementar, é um caminho alternativo de reforço, valorização, investimento, que exige medidas concretas e opções políticas corajosas que tenham no centro da preocupação os utentes e a garantia do direito constitucional à saúde, à prestação dos cuidados médicos, à proximidade junto da população para uma resposta mais pronta e capaz, com a dotação dos meios necessários aos centros de saúde, garantindo a todos um médico de família, reforçando a investigação, a técnica e a tecnologia, dando a resposta que seja necessária para a cura mas apostando cada vez mais na prevenção.

Um caminho alternativo que garanta verdadeiramente, e de forma rápida, o acesso aos tratamentos, aos medicamentos, às consultas, às análises, às cirurgias, enfim, a todos os cuidados de saúde necessários.

Estamos perante opções diferentes e que se confrontam diariamente. Não adianta virem com o argumento pisado, repisado e gasto de que não há dinheiro. 

Quem faz parcerias público-privadas não só no sector rodoviário, ou no ferroviário, mas também no sector da saúde, absolutamente ruinosas para o Estado (veja-se as Parcerias Público-Privadas, cujos valores da transferência do Orçamento do Estado o Governo se propõe aumentar em mais 1000 milhões relativamente a 2022, dos quais 150 milhões já no próximo ano); quem tem 3000 milhões de euros para dar às empresas energéticas, 1500 dos quais vindos directamente do Orçamento do Estado; quem escolhe canalizar dinheiros públicos para a banca privada; quem decide compactuar com a especulação; quem deliberadamente destrói o nosso tecido produtivo e abdica da nossa soberania; toma essas e muitas outras medidas, não pode vir derramar lágrimas de crocodilo pela falta de dinheiro e pela falta de capacidade em dar resposta aos problemas com que estamos confrontados.

Estes exemplos correspondem, em si mesmos, a opções e opções de fundo.

Veja-se a opção do Governo sobre a tributação extraordinária sobre os lucros. Independentemente de outros elementos de reflexão e aprofundamento, é possível desde já avançar que o Governo decidiu, e bem, avançar para a taxação extraordinária dos lucros, mas fá-lo desde logo deixando de fora o sector eléctrico, a banca e outros sectores que todos os dias vão anunciando lucros atrás de lucros e, como se não bastasse, avança com uma fórmula tão limitada, ao contrário da proposta do PCP. Cá estaremos para ver da sua aplicação e os seus resultados concretos. Veremos se mais uma vez a montanha não vai parir um rato.

E já agora aproveitamos para dar a oportunidade ao PS de votar a favor a proposta do PCP que impede o aumento brutal dos preços das portagens. Se o PS quiser que as portagens não possam subir acima de 1% a partir de 1 de Janeiro, aqui está uma boa oportunidade. Também aqui estaremos para ver até onde vai a suposta indignação, quando são manifestamente conhecidos os compromissos que envolvem as Parcerias Público-Privadas rodoviárias e a forma sempre eficaz com que os grupos económicos salvaguardam sempre os seus interesses. 

Pois é mesmo de opções políticas que falamos, e que têm de ser tomadas. As opções políticas dos sucessivos governos que temos tido, incluindo este de maioria absoluta do PS, mostram bem de que lado estão e que interesses servem. Pois essas opções não são as nossas.

Sabemo-lo bem e temo-lo dito: o público é de todos, o privado é só de alguns. De alguns que têm as condições económicas de pagar aquilo que tem de ser visto como um pilar central de uma sociedade e que, portanto, tem de estar acessível e com qualidade para todos. E que não pode ser visto como outro negócio qualquer, que a troco da vida e do bem-estar das pessoas, vai servindo para engordar os grupos económicos.

Queremos saudar as lutas a que temos assistido, como a greve dos enfermeiros que ocorre hoje mesmo, de técnicos de saúde, assistentes técnicos e operacionais, e outras lutas dinamizadas pelas várias comissões de utentes aqui representadas: pelo Centro de Saúde do Alto do Seixalinho, contra o encerramento do serviço de obstetrícia no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, pela defesa do Hospital Garcia de Orta e do Hospital de São Bernardo, pela construção do hospital no Seixal, entre tantas outras que têm acontecido e que reflectem a premência das preocupações e a urgência das respostas. Lutas que se alargam em todo o País.

É pois fundamental que profissionais e utentes se unam na luta pelos seus direitos e que, paciente mas firmemente, procurem alargar a sua influência, procurem convencer familiares, amigos, vizinhos, conhecidos, procurem chamar mais gente à justa luta pela concretização dos seus direitos, num assunto que diz respeito a todos e a cada um de nós.

Cada uma destas acções de luta é um contributo fundamental para a valorização do Serviço Nacional de Saúde e da saúde pública. Sim, é preciso exigir melhores condições. 

Sim, é preciso que os profissionais da saúde sejam valorizados, com direitos, carreira, formação, reconhecimento e respeito. E sim, é preciso, possível e necessário que tenham acesso à dedicação exclusiva à causa pública do Serviço Nacional de Saúde. Exclusividade que nós apresentámos na Assembleia da República – PSD absteve-se e PS, Chega e IL juntaram-se para chumbar esta importante proposta.

A primeira medida para o garante deste regime de dedicação é, desde logo, respeitar e tratar com dignidade os profissionais e criar as condições também materiais, nomeadamente a majoração em 50% do salário e do tempo de serviço para efeitos de progressão. 

Defendemos também que se alarguem os incentivos para a fixação de profissionais de saúde em áreas carenciadas, com majoração de rendimento para 50%, majoração do tempo de serviço e mais apoio à habitação. Defendemos, há muito tempo, e continuaremos a fazê-lo, a contratação de médicos e enfermeiros de família, não podemos aceitar o 1 milhão de utentes sem médico de família.

Estas são apenas algumas propostas do PCP, que estão esta semana a ser discutidas na especialidade do Orçamento do Estado na Assembleia da República. Veremos então como se posicionam os vários partidos, que escolhas fazem e que opções tomam: se pela saúde-negócio ou se pelo direito constitucional à saúde.

Queria, para terminar, ainda em nome do PCP, deixar uma mensagem de ânimo e de esperança.

Ânimo e incentivo e de valorização à vossa acção. 

A acção das Comissões de Utentes e a sua importância na defesa e valorização do Serviço Nacional de Saúde, uma acção e um papel que se traduz na participação e envolvimento de muita gente, colocando nas mãos de cada um a construção das soluções e dos caminhos necessários.

Uma palavra de ânimo e incentivo, com a consciência que é necessário ir mais longe, alargar as comissões existentes, criar novas, porque em cada centro de saúde, cada hospital, cada serviço, haverá problemas por resolver e estes só são possíveis de superar também com a participação, envolvimento e papel dos utentes. Mas também há em cada centro de saúde, cada hospital, cada serviço, dedicação extraordinária e respeito nos cuidados de saúde, e até para lá disso, e também é necessário, nestas situações, o papel dos utentes na valorização do SNS.

O Serviço Nacional de Saúde também é nosso, também é dos seus utentes e defenderemos o que é nosso, se não o fizemos sabemos bem o que acontece.

E por fim deixo uma palavra de esperança e confiança. O País está numa curva apertada, a injustiça marca o dia a dia, com milhões empurrados para o aperto social e económico e uns poucos a encher os bolsos à custa de muitos, assim é em diversos sectores, é também assim no sector da saúde, esta é a realidade do País.

Contem com o PCP e com a sua firme determinação em resistir aos ataques que também são dirigidos ao Serviço Nacional de Saúde, mas acima de tudo contem com o PCP para continuar a trilhar um caminho de esperança e consagração de direitos. Há forças, há vontade, há confiança e potencialidades. Com os trabalhadores, com o povo, com os utentes vamos mesmo continuar a trilhar este caminho.