Intervenção

Saúde - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

 

Debate com o Primeiro-Ministro sobre saúde

 

 

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Em primeiro lugar, relativamente às duas medidas que anunciou, era importante lembrar que «mais vale tarde do que nunca». Como é sabido, praticamente só a minha bancada é que, durante anos, defendeu que a gestão do hospital Amadora-Sintra deveria ser pública.

Os nomes que, então, a bancada socialista não nos chamou!...

Afinal, veio o Governo reconhecer a nossa razão, o que significa que vale a pena continuar a lutar por objectivos justos.

Em relação às taxas moderadoras, quero também dizer que a medida anunciada tem um sentido positivo, é um passito, na medida em que 83% dos portugueses já estão isentos de taxas. Mas, tendo em conta a primeira medida e este passito curto, talvez um dia também estejam de acordo com a nossa proposta de eliminar as taxas moderadoras, designadamente para o internamento e para a cirurgia ambulatória. Veremos se um dia não nos reconhecem razão!

Sr. Primeiro-Ministro, começo por colocar uma questão muito concreta.

O Governo anunciou a baixa do preço dos medicamentos, dizendo que as pessoas iriam pagar menos.

Ora, há dados seguros, de 2006 - são os que temos -, do INFARMED, dos quais se conclui que em 2006, e em relação a 2005, os utentes pagaram mais 39 milhões de euros, ou seja, mais 5,8%, enquanto o Estado poupou 23 milhões de euros. Comprova-se, assim, que alguém enganou alguém! É evidente que isto se explica porque, de facto, os preços dos medicamentos baixaram mas as comparticipações reduziram-se. Ora, isto é o que se traduz em «dar com uma mão e tirar com a outra».

Cuidado, Sr. Primeiro-Ministro, porque, como diz o nosso povo, «quem dá e tira, vai para o inferno» e talvez este ditado popular, um dia, aconteça.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Ficaria, com certeza, com as orelhas a arder, se muitos doentes crónicos, se muitos reformados, que hoje estão a comprar os medicamentos a prestações ou a não os comprar, porque não têm dinheiro, ouvissem a sua afirmação de que a indústria farmacêutica é que foi penalizada. Não diga isso, Sr. Primeiro-Ministro, porque não lhe fica bem! É que as pessoas não acreditam nisso, por razões da sua própria vida, por razão das suas próprias dificuldades!

Em relação a uma outra questão importante, gostaria de lhe dizer o seguinte: julgávamos que trazia aqui, pelo menos a indicação para a solução de um problema de fundo que hoje existe no Serviço Nacional de Saúde e na saúde em Portugal, que é a carência de médicos e enfermeiros nos centros de saúde. Faltam centenas de médicos de família e cerca de 13 000 enfermeiros! Como é que vamos resolver esta questão de fundo, tendo em conta que, hoje, muitos médicos estão à beira da reforma?!

Tendo em atenção a necessidade objectiva que temos de especialistas, de mais médicos, como é que traz aqui duas medidas pontuais e se esquece desta questão central?! Que solução, que plano de emergência para atender a uma questão tão sentida, hoje, no Serviço Nacional de Saúde?!

(...)

Sr. Primeiro-Ministro, coloco-lhe mais uma questão concreta.

Recentemente, num debate mensal que aqui teve lugar em Fevereiro passado, afirmou que «(...) todos os critérios que utilizamos para o licenciamento das maternidades públicas utilizaremos também para o licenciamento das privadas.»

Ora, o critério dos 1500 partos era fundamental e levou até ao encerramento de instalações modernizadas, contra a vontade das populações, contra os interesses das pessoas.

Procurámos fazer um levantamento em relação a seis maternidades privadas: a da Cliria, em Aveiro; a do Hospital da Luz; a da Cruz Vermelha Portuguesa; a da CUF Descobertas; a do Hospital Particular de Lisboa; a do Hospital Privado dos Clérigos, no Porto. Gostaria de saber se, sim ou não, essa concepção - pode não ser a minha, pode não ser a nossa - é aplicada nestas maternidades privadas.

Espero ouvir o seu esclarecimento, Sr. Primeiro-Ministro.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Registo o que disse. Mas nalgumas maternidades o critério exclusivo foi a inexistência de 1500/partos ano e não essa listagem que referiu!

Mas, independentemente disso, e tendo em conta o tempo de que disponho, permita-me que lhe coloque uma questão numa área diferente, a da economia.

Sr. Primeiro-Ministro, não se preocupa que os banqueiros, no recente fórum da banca, tenham vindo em uníssono, numa autêntica concertação em cartel, anunciar não apenas o aumento das taxas de juro mas também, aproveitando-se da crise que se anuncia, o encarecimento do spread, ou seja, o lucro bruto da banca e das comissões?

Ou seja, tendo em conta a «borrasca» que se aproxima, a banca concerta-se para manter o nível dos lucros, para aumentar as comissões e as taxas de juro. Vai sobrar para alguém, designadamente para as famílias e para as pequenas e médias empresas.

Então e o Governo onde esteve? Se estiveram presentes várias instituições, designadamente o Banco de Portugal, a entidade reguladora e até uma entidade pública... Qual é o papel do Governo em relação a isso? Não me diga que nesta questão também assume apenas o papel de «embrulho».

Não acredito, tendo em conta sua própria personalidade, Sr. Primeiro-Ministro.

(...)

Sr. Presidente, intervirei meteoricamente.

Sr. Primeiro-Ministro, na sua declaração - aliás, em todo o debate - perpassa uma ideia profundamente inquietante: é que o Sr. Primeiro-Ministro não vê que a sua governação, bem como esse apelo às dificuldades e aos sacrifícios, não é para todos. Há um punhado de pessoas que está a beneficiar desta situação.

E aquilo que disse, de uma forma tão macia, leva-nos a ter uma profunda inquietação de que os sacrificados serão os mesmos do costume.

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