Sr.ª Presidente, Srs. Deputados,
Há um ano, o Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de lei de revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, deixando bem claro qual era – e continua a ser – a sua opção política: confiar a questão da habitação a mercados totalmente liberalizados, enquanto o Estado é remetido para o papel de mero observador. Esta é uma opção que serve os grandes interesses imobiliários e financeiros, mas que fragiliza, de forma inaceitável, os direitos dos inquilinos e põe em causa o direito à habitação, consagrado na Constituição da República.
Desde o primeiro momento, o PCP alertou que esta opção do Governo e da maioria parlamentar que o suporta resultaria no avolumar das dificuldades das famílias, já confrontadas com a diminuição acentuada dos seus rendimentos e o aumento generalizado do custo vida, resultante da política de austeridade imposta pelo Governo no âmbito do Pacto de Agressão assinado com a tróica externa. Alertámos que esta opção do Governo conduziria ao despejo sumário de milhares e milhares de inquilinos mais carenciados, incapazes de fazerem frente aos brutais aumentos de renda. Alertámos para o drama social que resultaria da aplicação da nova lei das rendas e para o aumento de casos de exclusão extrema.
O Governo, completamente insensível à realidade social do País, obcecado pelas suas opções neoliberais e pela rápida concretização do plano da tróica de empobrecimento acelerado dos portugueses, refugia-se em declarações propagandísticas. Repete até à exaustão que os idosos, os deficientes e os mais carenciados estão protegidos pela lei do arrendamento urbano; que os novos valores das rendas resultam de um justo e equilibrado processo negocial; que nenhum idoso será despejado da sua casa; que o Governo terá uma resposta social para situações mais críticas. Mas tudo isto não passa de mera propaganda do Governo! Senão, vejamos!
A nova lei do arrendamento urbano facilita os despejos, agora concretizados através de um procedimento especial que carece da necessária salvaguarda dos direitos e garantias da parte mais frágil num processo de despejo – o inquilino. O inquilino pode ser expulso da sua habitação de uma forma célere e eficaz, em variadíssimas situações, como, por exemplo, quando o senhorio pretende fazer obras de remodelação ou quando o inquilino, encontrando-se numa situação de fragilidade económica, se atrasa apenas oito dias no pagamento da renda, quatro vezes no decurso de um ano. Ocupando este processo de despejo um lugar central na nova lei do arrendamento urbano, indispensável para a concretização do objetivo do Governo e da tróica de criação daquilo que a chamam “um verdadeiro mercado de arrendamento”, é justo dizer que esta é uma verdadeira Lei dos Despejos. Uma lei dirigida principalmente contra os inquilinos mais idosos com contratos de arrendamento anteriores a 1990, celebrados por tempo indeterminado, visando expulsá-los das suas habitações, as quais, por se encontrarem maioritariamente situadas nos centros urbanos são especialmente cobiçadas pelos grandes interesses imobiliários e financeiros, desejosos de se apropriarem dos bairros históricos das nossas cidades, em especial de Lisboa e do Porto.
Os anteriores mecanismos de atualização faseada e controlada do valor das rendas são substituídos, na Lei dos Despejos, por um pseudo processo negocial entre o inquilino e o senhorio, que atribui a este último a faculdade de decidir se aceita uma eventual contraproposta do inquilino, se fixa a renda em 1/15 do valor patrimonial tributário da habitação ou se simplesmente despeja o inquilino pagando-lhe uma indemnização. Mas mesmo este pseudo processo negocial, completamente desequilibrado em favor do senhorio, acabou por ser totalmente esvaziado por uma outra realidade paralela: a atualização do valor fiscal dos imóveis. Neste processo de atualização, iniciado em 2012 e que deverá estar concluído até 31 de março deste ano, os valores patrimoniais tributários dispararam, atingindo, inclusivamente, em alguns casos, valores superiores ao valor comercial do imóvel. Esta circunstância permite aos senhorios fixar, de início, valores de renda muito elevados – correspondentes a 1/15 do valor fiscal –, superiores até aos valores praticados no mercado, tornando completamente irrelevante qualquer processo negocial. É correto, pois, afirmar que não há qualquer negociação; o que há é uma imposição!
Os inquilinos com 65 ou mais anos ou com deficiência superior a 60%, contrariamente ao que o Governo afirma, não estão protegidos nesta Lei dos Despejos. É verdade que o contrato de arrendamento só fica submetido ao novo regime de arrendamento urbano se houver acordo entre as partes, mas o senhorio pode atualizar a renda, fixando-a em 1/15 do valor patrimonial tributário. Sendo este valor, após a atualização em curso, bastante elevado, ao inquilino não restará outra alternativa que não seja a de abandonar a sua casa. Mesmo que os inquilinos conseguissem fazer face aos aumentos brutais das rendas, ao fim de 5 anos, os senhorios poderiam aumentar novamente as rendas, agora sem qualquer limitação. Neste caso, a expulsão seria apenas adiada por 5 anos. Se tivermos em conta a idade avançada dos inquilinos, só podemos concluir que esta é uma lei desumana. Já tivemos a oportunidade de denunciar publicamente um caso de uma senhora de idade avançada – com 85 anos – a quem o senhorio fixou a nova renda em 805 euros, correspondente a 1/15 do valor patrimonial tributário. A senhora teve que abandonar a casa onde vivia há dezenas de anos, onde tinha criado os seus filhos e à qual se sentia afetivamente ligada. Numa audição da Comissão Parlamentar que trata das questões da habitação, referindo-se aos problemas que a Lei dos Despejos está a criar aos inquilinos mais idosos, a Ministra Assunção Cristas afirmou candidamente defender “o princípio da tranquilidade na velhice”. Esta lei não defende a tranquilidade na velhice; esta lei está a destruir essa tranquilidade!
Os inquilinos economicamente mais carenciados também não estão protegidos por esta Lei dos Despejos. É verdade que a lei estabelece tetos máximos para os novos valores das rendas, indexados ao rendimento mensal do agregado familiar.
Contudo, esta norma não pode ser desinserida do contexto de profundo agravamento da situação económica e social que o país atravessa, resultante da política da tróica imposta no âmbito do Pacto de Agressão. Nos últimos anos, a esmagadora maioria dos portugueses empobreceu, por via dos cortes dos salários e pensões, do confisco dos subsídios, da redução ou eliminação de apoios sociais, do crescimento do desemprego e da precariedade, e do aumento do custo de vida. Cada vez mais portugueses têm dificuldade em fazer chegar os seus parcos rendimentos ao fim do mês. Neste contexto, os aumentos de renda, mesmo que limitados superiormente a uma percentagem do rendimento do agregado familiar, são incomportáveis para muitos inquilinos, podendo levar a situações de atraso, mesmo que pontuais, no pagamento das rendas. Nestas situações, a Lei dos Despejos é implacável: um atraso de apenas 8 dias, quatro vezes no período de um ano, é suficiente para que o inquilino seja, pura e simplesmente, posto na rua! Para o Governo, um idoso com uma reforma miserável, que se atrasa 8 dias no pagamento da renda é um incumpridor que merece ser imediatamente despejado da casa onde vive, mesmo que esse incumprimento se deva a uma situação de fragilidade económica, mesmo que durante décadas essa pessoa tenha sempre pago a renda a tempo e horas. É esta a tão apregoada proteção que o Governo dá aos mais carenciados: permitir que sejam postos no olho da rua se se atrasarem pontualmente no pagamento das rendas.
E a resposta social? Onde está a resposta social que a Ministra Assunção Cristas tanto fala? A Lei dos Despejos refere uma resposta social, nomeadamente através de subsídio de renda, de habitação social ou de mercado social de arrendamento, mas remete essa resposta para um diploma futuro. O decreto-lei n.º 266-C/2012, de 31 de dezembro, que regulamenta alguns aspetos da Lei dos Despejos, também fala na resposta social, mas, mais uma vez, remete para um diploma futuro. Não há qualquer resposta social! A anterior lei do arrendamento previa, no artigo 46.º, um subsídio de renda para agregados familiares com rendimentos inferiores a 3 salários mínimos e ainda para inquilinos com 65 ou mais anos de idade e rendimento inferior a 5 salários mínimos.
Mas o Governo propôs a eliminação deste subsídio e a maioria parlamentar PSD/CDS aprovou. Agora, na lei do arrendamento urbano, por baixo do artigo que definia o subsídio de renda aparece a palavra “revogado”! É esta a opção do Governo. Eliminar a resposta social que já existia e prometer uma nova para um futuro indeterminado.
A aplicação da Lei dos Despejos está a colocar inúmeros inquilinos, principalmente os mais idosos com contratos de arrendamento anteriores a 1990, numa situação desesperada.
São confrontados com aumentos brutais das rendas, incomportáveis para os seus rendimentos; sabem que se não pagarem as novas rendas a tempo e horas serão despejados; mesmo que, com grande sacrifício, consigam pagar a renda, dentro de 5 anos serão confrontados com novos e brutais aumentos. À angústia e ao desespero dos inquilinos, o Governo responde com a criação de uma comissão de monitorização para proceder a uma “análise circunstanciada da execução da reforma do regime jurídico do arrendamento urbano”.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o grave problema social que está a ser criado pelo Lei dos Despejos não se resolve com a criação de uma comissão. Também não se resolve com meros remendos à lei, como alguns pretendem fazer. Exige, sim, a revogação da Lei. É essa a proposta que o PCP traz aqui: revogação, com efeitos imediatos, da Lei dos Despejos e a suspensão da atualização dos valores das rendas.
Disse!