Projecto de Lei N.º 276/XIII/1.ª

Revoga a Lei nº 68/93, de 4 de setembro, devolvendo os baldios aos povos

Revoga a Lei nº 68/93, de 4 de setembro, devolvendo os baldios aos povos

Exposição de Motivos

1. Os meios de produção comunitários, que são fundamentalmente os constituídos por baldios, estão integrados no setor cooperativo e social dos meios de produção definido no artigo 82º da Constituição da República Portuguesa, cuja especificidade e consequente distinção jurídica é por ela garantida. A lei que os regula, Lei nº 68/93 de 4 de Setembro, foi alterada pela Lei nº 89/97 de 30 de Julho e pela Lei nº 72/2014 de 2 de Setembro. Posteriormente, pelo Decreto-Lei nº 165/2015 de 17 de Agosto, esta lei foi regulamentada, criando designadamente, complexos entraves burocráticos à efectivação da cessação da administração dos baldios nos casos em que era feita em associação com o Estado. Este decreto-lei cessou a sua vigência, por iniciativa do PCP, pela Resolução nº 35/2016, da Assembleia da República, publicada em 19 de Fevereiro de 2016.

2. Em Portugal o direito sobre os baldios e os outros meios de produção comunitários não foi objecto de regulação legal até ao século XIX. As coisas comuns, como eiras, fornos, moinhos, azenhas, água, sobretudo para usos domésticos, explorada e administrada pelos vizinhos sem participação da autarquia (freguesia ou concelho), não foram objecto de lei, regulando-se apenas pelos usos e costumes.

Em 1867, com o chamado “Código de Seabra”, a lei civil qualificou pelo seu artigo 381º os baldios como coisas comuns, ou seja as coisas não apropriadas individualmente, das quais só é permitido tirar proveito aos residentes em certo território, isto é aos vizinhos dessa coisa comum, os baldios e os outros bens comunitários, estando excluídas do comércio jurídico. Contrariava-se assim o direito romano que designava como comuns apenas as coisas não susceptíveis pela sua natureza de apropriação privada, como o ar atmosférico e as águas marítimas.

Mas a doutrina e a jurisprudência por serem de formação romanística foram sempre avessas a aceitar a existência em Portugal de propriedade comunitária por força dos usos e costumes que se mantém desde a época tribal pré-romana e depois por influência dos povos germânicos invasores no século V e VI.
Ensinando-se até então em Coimbra, nos cursos jurídicos, os conceitos do direito romano, que não incluíam nas coisas comuns os baldios, os juristas e os tribunais, certamente por entenderem que o autor do Código de Seabra indevidamente os incluiu nas coisas comuns, integraram-nos no conceito de coisas públicas uns e outros no de coisas patrimoniais (privadas).

Uns, como José Tavares (“Os Princípios Fundamentais do Direito Civil”, Coimbra, 1929, pág. 258), assimilaram as coisas comuns às públicas e, em consequência, consideraram os baldios insusceptíveis de alienação salvo lei excepcional, não podendo também ser adquiridos por usucapião. Outros assimilaram-nas a coisas particulares, considerando-as alienáveis e admissível a sua aquisição por usucapião, como Cunha Gonçalves. O Código Administrativo de 1940 seguiu esta última corrente jurídica, que foi a de Marcelo Caetano, influenciador da sua redação no que respeita à aquisição dos baldios por usucapião. Posteriormente, Rogério Soares, no estudo “Sobre os Baldios”, na Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano xvi, Coimbra, 1967, seguiu-a também, considerando os baldios coisas privadas do património das autarquias com afectação especial ao uso pelos seus habitantes de acordo com o costume.
Com a Lei nº 2.014 de 27 de maio de 1946, o Decreto nº 36.709 de 5 de janeiro de 1948 e a Lei nº 2069 de 24 de abril de 1954, a ditadura fascista retirou o uso da maior parte dos baldios às comunidades a que sempre pertenceram. Os baldios passaram a ser administrados pelo Estado através dos seus serviços florestais, contra a vontade e com grande prejuízo da economia das comunidades rurais do norte e centro do país, o que contribuiu na década de 1960 para o grande fluxo de emigração para os maiores centros urbanos e para fora do país.

Os povos nunca se conformaram com esse roubo da ditadura. E as suas lutas contra a ocupação, desenvolveram-se no Minho, Trás-os-Montes e Beiras – magnificamente descritas no romance “Quando os Lobos Uivam” de Aquilino Ribeiro - até ao estertor do regime fascista de Salazar e Caetano.

3. Com o 25 de Abril de 1974, uma nova vida se abriu para que as comunidades recuperassem o que histórica e legitimamente era seu. Logo nos dias e meses que se sucederam à queda da ditadura, inúmeras exposições das comunidades foram dirigidas aos Governos Provisórios, e nalguns casos mesmo, os povos reassumiram de imediato a posse dos seus baldios. Dando satisfação a essas reclamações o VI Governo Provisório pelo Decreto-Lei nº 39/76 de 19 de Janeiro e pelo Decreto-Lei nº 40/76 de 19 de Janeiro reconheceram o direito das comunidades locais à posse, uso e fruição dos baldios. Os baldios foram então restituídos às comunidades locais de moradores de uma freguesia ou freguesias ou parte delas (artigo 1º do Decreto-Lei nº 39/76), sendo reconhecida a sua exclusão do comércio jurídico (artigo 2º do Decreto-Lei nº 39/76).

A Constituição aprovada e promulgada a 2 de abril de 1976, no artigo 90º, qualificou como propriedade social os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais. No artigo 89º integrou os meios de produção comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais no sector público de propriedade dos meios de produção, o que se manteve na revisão constitucional de 1982.

Com a revisão constitucional de 1989 os baldios deixaram de integrar o sector público dos meios de produção, passando a ser qualificados pela Constituição no artigo 82ª como «meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais», integrando o «sector cooperativo e social» de «propriedade dos meios de produção». O que se manteve nas revisões de 1992, de 1997 e de 2004.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 1978, consideraram, no comentário ao artigo 89º, que os baldios são meios de produção com posse e gestão de comunidades territoriais (povos, aldeias) sem personalidade jurídica.

4. A Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, com a revogação dos Decretos-Leis nºs 39/76 e 40/76, constituiu a primeira tentativa aprovada na Assembleia da República, de muitas que foram frustradas pela luta dos compartes, para pôr em causa o quadro legal e constitucional que o 25 de Abril trouxe aos baldios.
Apesar dessa avaliação negativa, a Lei nº 68/93 (na redação anterior à Lei nº 72/2014) manteve: (i) os baldios como «terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de certa freguesia, freguesias, ou parte delas»; (ii) a proibição de apropriação dos terrenos baldios, a sua alienação e a constituição de direitos sobre eles, excepto nos raros casos nela previstos, assim os excluindo do comércio jurídico; a administração dos baldios pelas comunidades locais, que tradicionalmente os usam e fruem organizadas em assembleias de compartes de acordo com o costume;(iii) o reconhecimento de que os baldios pertencem às comunidades locais em uso e fruição, sendo a comunidade constituída pelo “universo dos compartes”, sem lhes atribuir personalidade jurídica; (iv) a inclusão na comunidade de compartes, com direito ao uso e fruição dos baldios apenas dos cidadãos que tradicionalmente têm direito a usá-los.

5. O direito de cada comparte a usar e fruir o baldio a que tem direito só existe enquanto conserva essa qualidade, isto é, enquanto integrante do universo ou comunidade de compartes, não tendo cada comparte direito a parte ou quota do baldio, que também não pertence à autarquia em que se situa nem a pessoa jurídica por eles constituída.

Os compartes têm que ser os que têm ligações efectivas ao baldio, o que deve ser aferido de acordo com os usos e costumes de cada comunidade. Só assim se assegura uma gestão em favor do baldio e da comunidade em que se integra.

6. Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 1995 entendeu os baldios como bens comunitários que pertencem em propriedade coletiva a comunidades locais sem personalidade jurídica. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1993 entendeu que os baldios são bens comunitários dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou sua parte, pertencendo aos respectivos compartes os seus produtos. Nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 1992, de 3 de outubro de 1995, de 20 de janeiro de 1999, de 5 de junho de 1999 e em outros, foi seguida opinião semelhante.

7. A Constituição garante a existência de três sectores de propriedade dos meios de produção, sendo um deles o cooperativo e social, que compreende o subsector dos meios de produção comunitários possuídos e geridos por comunidades locais, como os baldios e os outros bens comunitários. Dessa garantia constitucional, de toda a legislação até 2014, e do Código Civil (artigo 202º) resulta que os baldios, como os demais meios de produção comunitários, estão excluídos do comércio jurídico, sendo essa exclusão necessária para se manter a identidade desse subsector.

8. Sobre o subsetor comunitário dos meios de produção nunca incidiu tributação. E as razões foram e continuam a ser múltiplas e válidas: porque os baldios são na quase totalidade de montanha ou de terrenos arenosos, em ambos os casos de muito fraca produtividade; porque com a sua gestão há fundamentalmente que esperar que se povoem de floresta organizada, limpa de mato no sob coberto e desejavelmente com criação de gado em regime de exploração silvopastoril para assim se prevenir eficazmente os fogos florestais e porque os compartes de baldios concordam e assim têm procedido, que o resultado da sua exploração se destine à sua valorização e a parte excedente para benefício social das populações, os imóveis comunitários e os resultados da sua gestão não devem ser sujeitos a impostos e os compartes devem beneficiar de isenção de custas em todos os tribunais.

Os baldios e os outros meios de produção comunitários, porque estão fora do comércio jurídico, não estão sujeitos a registo predial nem dele são susceptíveis, como resulta do Código do Registo Predial, que dispõe que o registo predial tem em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

Também não estão sujeitos a IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) por esse imposto incidir sobre o património imobiliário, como resulta do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, dado que os baldios não são bens patrimoniais, isto é particulares, mas comuns ou coletivos.

Não obstante sobre os baldios não incidir o Imposto Municipal sobre Imóveis, por não serem bens patrimoniais, justifica-se que sejam identificados nas matrizes prediais apenas para a sua identificação, o que contribuirá para a sua melhor preservação e defesa e mais rigorosa gestão pública do território nacional.

9. O Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de janeiro previu no seu artigo 9º, alínea b) a possibilidade da gestão dos baldios ser feita “em regime de associação entre os compartes e o Estado”. Mas a Constituição da República de 1976, que entrou em vigor a 25 de Abril desse ano, estabeleceu como norma constitucional no artigo 89º, a posse e a gestão dos bens comunitários pelas comunidades locais, portanto com exclusão de outrem. Na revisão constitucional de 1989 continuou a ser atribuída a gestão dos meios de produção comunitários às comunidades locais, o que se manteve na revisão de 20 de 1997, na de 1989 e na de 2004, e que permanece em vigor.

Assim, desde a entrada em vigor da Constituição, o Estado manteve-se, por ato legislativo contra a Constituição, na gestão dos baldios cujos compartes haviam optado em 1976 pelo regime de associação com o Estado.

A legislação (anterior à Lei nº 72/2014), infringindo assim a Constituição, fazia depender a cessação da administração de baldios em regime de associação com o Estado do decurso de prazo de 20 anos após a correspondente manifestação da vontade pela assembleia de compartes com notificação ao Estado.

No entanto os tribunais sempre consideraram que o direito a administrar os baldios pertence aos respectivos compartes e só a eles. Assim, por exemplo, o decidiu em 23 de maio de 2015 o Tribunal Judicial da Lousã, entendendo que os compartes podem pôr fim a esse regime por declaração de vontade sem dependência de aceitação pelo Estado nem decurso de qualquer prazo após a correspondente declaração de vontade, porque a eles compete a sua gestão. Isto é, nos casos em que, face ao Decreto-Lei nº 39/76, os compartes optaram pela administração dos seus baldios em associação com o Estado, mantiveram o direito de a qualquer tempo a fazer cessar como resulta de imperativo constitucional [artigo 82º, nº 1 e nº 4, alínea b)].

Aliás, os serviços do Estado com competência administrativa sobre as áreas florestais sempre procuraram interferir na gestão dos baldios mesmo quando sob administração plena das assembleias de compartes, como se sobre eles houvesse um direito de tutela, a que não estão sujeitos os imóveis rústicos privados. A Constituição garante que os “meios de produção comunitários” (integrados no setor cooperativo e social dos meios de produção), têm protecção constitucional em igualdade com os meios de produção público e privado. Das normas constitucionais resulta que os baldios e os outros imóveis comunitários não podem ser sujeitos a restrições de uso legais ou administrativas mais gravosas que as que afectam, em igualdade de condições, os imóveis integrantes do setor privado dos meios de produção.

Por isso a lei reguladora do subsector comunitário não pode deixar de emancipar a gestão dos baldios da associação com o Estado e/ou libertá-la de ingerências ilegítimas.

10. Não tendo os compartes de baldio, ou de outro imóvel comunitário, personalidade jurídica, tem havido divergência sobre a admissibilidade de atribuição de número de pessoa colectiva ao universo que os compartes constituem. Porque o universo dos compartes, embora sem personalidade jurídica, contrata com terceiros, relaciona-se com múltiplas entidades públicas e outras e pratica muitos outros atos jurídicos, a lei reguladora dos baldios deverá prever que a cada um, apesar de não ter personalidade jurídica, deve corresponder um número de pessoa coletiva.

11. A Lei nº 72/2014, de 2 de setembro (que alterou a Lei nº 68/93, dando-lhe nova redacção) subverte normas constitucionais e da legislação até então em vigor, nomeadamente:

(i) os baldios deixaram de estar excluídos do comércio jurídico, ao poderem ser objecto de arrendamento (artº 10º da Lei 68/93 republicada) ou de inclusão na Bolsa de Terras (Lei 62/2012 de 10 de dezembro), que são negócios de direito privado;

(ii) a qualidade de comparte foi alargada a todos os residentes inscritos como eleitores (nº 1 do artº 1º da Lei 68/93 republicada), e deixou de ser definida pela assembleia de compartes conforme os usos e costumes;

(iii) introduziu-se na legislação dos baldios “o regime do património autónomo no que respeita à personalidade judiciária e tributária” (nº 6 do artº 1º da Lei 68/93 republicada), conceito inerente ao regime jurídico da propriedade privada.

12. Durante séculos, os baldios forneceram às populações bens e serviços fundamentais à sua sobrevivência no quadro de uma agricultura de subsistência, a par do seu uso na pastorícia e produção agrícola.

Com as mudanças políticas, sociais, económicas e culturais, os baldios, mantendo muitas das utilizações tradicionais, adquiriram novos recursos e potencialidades que fazem deles novas fontes de riqueza das comunidades rurais: produção agropecuária e agro-florestal, exploração de águas (incluindo mineromedicinais), instalação de pequenas indústrias, exploração de inertes, utilização turística, prática desportiva e de actividades de lazer, apicultura, cinegética, exploração de energias renováveis, em especial a eólica. Os baldios mantêm ainda um papel fundamental na conservação da biodiversidade em ecosistemas ancestrais, na preservação de águas e coberto vegetal e na produção de oxigénio contribuindo para compensar as crescentes emissões de dióxido de carbono de que são autênticos sumidouros. Desempenham por isso um papel crucial como travão ao despovoamento das comunidades rurais, assegurando e reforçando a vida comunitária e a actividade económica. Por outro lado, a gestão democrática dos baldios pelos povos, tornada possível com a Revolução de Abril, constituiu-se num enorme potencial ao seu melhor aproveitamento e num poderoso entrave à sua alienação, que, só por si, explica como se mantêm hoje com uma área de 500 mil hectares. Com as receitas dos baldios, as assembleias de compartes e os conselhos diretivos de baldios têm defendido e valorizado os baldios e dinamizado a actividade económica nas zonas rurais. E, na maior parte dos casos numa saudável articulação com as autarquias locais, fizeram investimentos nas localidades, como a construção de centros comunitários e sociais e outros edifícios e equipamentos, a electrificação de ruas, a construção e manutenção das redes de água e saneamento, de ruas e caminhos e o apoio a outras expressões do associativismo, que transformaram a face de centenas de aldeias no mundo rural.

Aos compartes dos baldios compete-lhes administrar com eficiência as suas potencialidades económicas atuais e as futuras que do acelerado desenvolvimento científico e tecnológico vierem a resultar. E com essa administração contribuir para o desenvolvimento económico, social e cultural de toda a população do seu território. Cabe-lhes assegurar que os muitos milhares de hectares das largas áreas serranas e baldias do norte e centro do país tenham floresta com gestão activa e o pastoreio de gado no sob coberto do arvoredo, assim contribuindo para reduzir o flagelo dos fogos florestais e a erosão das montanhas, melhorar a paisagem e produzir matéria-prima lenhosa.

Face ao que atrás se refere, à evolução da jurisprudência e da doutrina e às insuficiências normativas que o decurso de mais de vinte anos de vigência revelou, a Lei 68/93, de 4 de setembro deve ser melhorada na sua redação, anulando-se simultaneamente as alterações produzidas pela Lei n.º 72/2014 de 2 de setembro.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Capítulo I
Subsetor dos meios de produção comunitários

Artigo 1º
Meios de produção comunitários

1 – O subsetor dos meios de produção comunitários, adiante também designado subsetor comunitário, integra o setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção referido no artigo 82º da Constituição da República Portuguesa, sendo constituído pelas coisas imóveis e móveis possuídas e geridas por comunidades locais.
2 – As coisas imóveis do subsetor comunitário dos meios de produção, adiante também designadas meios de produção comunitários, ou imóveis comunitários, estão excluídas do comércio jurídico e não estão submetidas ao registo predial dos imóveis privados.
3 - O subsetor dos meios de produção comunitários é constituído pelos terrenos baldios possuídos e geridos por comunidades locais com as suas partes integrantes, incluindo as águas nativas e as neles exploradas enquanto não transpuserem os seus limites, por todas as construções neles existentes, e ainda pelos outros imóveis comunitários também possuídos e geridos por comunidades locais, nomeadamente eiras, fornos, moinhos, azenhas e outras edificações.
4 - Um ou mais imóveis comunitários com unidade de posse e gestão pelo mesmo universo de compartes constitui unidade de exploração de meios de produção comunitários.

Artigo 2º
Titularidade dos meios de produção comunitários

1 – Designam-se compartes os titulares dos meios de produção comunitários.
2 - O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente, tendo em consideração as suas ligações sociais e de origem.
3- Os compartes integrantes de cada universo de compartes constituído em assembleia de compartes devem constar da relação aprovada e tornada pública anualmente pela assembleia de compartes nos termos da presente lei.
4- Qualquer cidadão residente em núcleo populacional da situação ou em cujo alfoz se situar imóvel ou imóveis comunitários sobre que o universo de compartes referido no número anterior tenha posse e gestão pode requerer ao seu conselho diretivo a inclusão na proposta de relação de compartes a apresentar à assembleia de compartes, indicando os factos concretos em que fundamenta a sua pretensão com apresentação dos meios de prova, incluindo, se entender necessário, por testemunhas.
5- O conselho diretivo aprecia a prova produzida e decide sobre a pretensão no prazo de 60 dias após a produção de prova.
6- Se a decisão for desfavorável, o conselho diretivo submete obrigatoriamente a sua decisão à assembleia de compartes que deliberar sobre a proposta da relação de compartes ou da sua atualização, que a confirma ou altera.

Artigo 3º
Posse e gestão dos meios de produção comunitários

1 – A posse e a gestão dos meios de produção comunitários respeitam os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, sem prejuízo do disposto na presente lei.
2 – Aos compartes de meios de produção comunitários é assegurada igualdade de gozo e de exercício dos direitos de posse e gestão.

Artigo 4º
Cessão de exploração de meios de produção comunitários

1 – Os meios de produção comunitários não podem ser objeto de aproveitamento total ou parcial por terceiros senão por contrato de cessão de exploração temporária, sem prejuízo do disposto sobre utilização precária por junta de freguesia, delegação de poderes de administração e administração em regime de associação com o Estado.
2 - O contrato de cessão de exploração só pode transmitir direitos de exploração em prejuízo das tradicionais utilizações pelos compartes de acordo com os usos e costumes mediante deliberação da assembleia de compartes tomada por maioria de dois terços.
3 – Se a assembleia de compartes deliberar celebrar contrato de cessão de exploração de partes limitadas de baldio para fins de exploração agrícola, florestal ou pecuária por compartes dela, é observado o princípio da igualdade de tratamento dos candidatos à cessão.
4 – A cessão de exploração de imóvel comunitário ou de parte dele não pode ser feita por prazo superior a 20 anos nem pode haver renovação da cessão de exploração que exceda, no total, 20 anos de exploração pelo cessionário.
5 – Excecionalmente, o prazo previsto no número anterior pode ser alargado, até ao máximo de 70 anos, sem possibilidade de renovação, em função das necessidades de amortização do investimento realizado.
6 – Para os efeitos deste artigo entende-se por contrato de cessão de exploração aquele por que a assembleia de compartes cede a terceiros temporária e onerosamente o direito a explorar potencialidades económicas de imóvel comunitário, ou de parte dele, ou o direito a exploração já existente nele.
7 - O contrato de cessão de exploração está sujeito a forma escrita dele devendo obrigatoriamente constar a identificação matricial do imóvel comunitário, a implantação cartográfica nele se for baldio, a área cedida para exploração, os equipamentos a instalar, o preço a pagar, o prazo ou prazos de pagamento, o modo de pagamento e o prazo da cessão, devendo ser instruído com cópia da ata da assembleia de compartes onde a cessão de exploração for aprovada.

Artigo 5º
Organização do universo dos compartes

1 – O universo dos compartes com posse e gestão de imóvel ou imóveis comunitários de acordo com antigos usos e costumes locais, organiza-se em assembleia de compartes, devendo eleger democraticamente os outros órgãos de administração dos meios de produção comunitários a que os compartes têm direito, gerindo-os de forma sustentada e segundo princípios democráticos.
2 – A assembleia de compartes não tem personalidade jurídica sem prejuízo de:
a) Ter personalidade judiciária e poderes de representação perante qualquer entidade pública ou privada;
b) Ter de se inscrever no registo central de pessoas coletivas, para efeitos de relacionamento contratual e com a administração pública, adoptando para esse efeito denominação identificadora por deliberação da assembleia dos compartes.
3 - Os baldios que não tenham sido devolvidos ao uso, fruição e administração dos respetivos compartes ao abrigo do disposto do decreto-lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, podem sê-lo, logo que seja constituída a respetiva assembleia de compartes, por iniciativa de 10 compartes, e sem necessidade de decisão administrativa ou judicial.

Artigo 6º
Associativismo e cooperativismo

Sem prejuízo da tradicional posse e gestão sobre os imóveis comunitários pelos compartes, cada universo de compartes pode, para melhor valorização e defesa desses imóveis, mediante prévia deliberação da sua assembleia, constituir entre si grupos de baldios, e ainda associações e cooperativas entre si e com outras entidades do sector cooperativo e social de propriedade de meios de produção.

Artigo 7º
Agregação de universos de compartes

1 – Cada universo de compartes constituído em assembleia com posse e gestão de um ou mais imóveis comunitários pode, por deliberação da assembleia, agregar-se com outro ou outros em novo universo de compartes constituído em assembleia, para possuir e gerir os correspondentes meios de produção comunitários.
2 – O novo universo de compartes constituído em assembleia nos termos do número anterior, sucede, independentemente de outro formalismo, na posse e gestão de todos os correspondentes imóveis comunitários, transferindo-se para ele todos os direitos e obrigações dos universos de compartes agregados.

Artigo 8º
Delegação de poderes de administração de imóveis comunitários

1 – Por deliberação da assembleia de compartes podem ser delegados poderes de administração de imóveis comunitários, incluindo baldios, em relação à totalidade ou a parte da sua área, na junta de freguesia ou na câmara municipal da sua situação.
2 – A delegação é formalizada por escrito, dela devendo constar o respetivo prazo e demais condições, incluindo os direitos e os deveres correspondentes ao exercício dos poderes delegados e as responsabilidades decorrentes da delegação, sem prejuízo do demais estabelecido no artigo 44º da presente lei sobre administração de imóveis comunitários.

Artigo 9º
Delegação de poderes anterior à presente lei

Às delegações de poderes anteriores à data da entrada em vigor da presente lei é aplicável o disposto no artigo 44º.

Artigo 10º
Não tributação dos bens comunitários e isenção de custas processuais

1 - Os meios de produção comunitários e os produtos e rendimentos resultantes da sua exploração económica não são tributáveis.
2- Os universos de compartes de meios de produção do subsector comunitário constituídos em assembleia estão isentos de custas em todos os tribunais.
3- Os compartes que integrem órgãos de administração de bens de produção comunitários, ou que, não havendo outro órgão de administração, constituam a mesa da assembleia de compartes, respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam direitos destes ou disposições legais destinadas a proteger os interesses deles, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas ou por causa delas, tenham procedido dolosamente.

Artigo 11º
Inscrição matricial dos imóveis comunitários

1 – Cada imóvel do subsector comunitário é inscrito na matriz predial ou cadastral respetiva em nome da assembleia de compartes que estiver na sua posse e gestão, devendo constar da sua descrição a menção “imóvel comunitário”.
2 – A cada imóvel comunitário corresponde um artigo na matriz.
3 – Caso se trate de baldio e se situar em mais do que uma freguesia, corresponde-lhe um artigo rústico ou cadastral por freguesia.
4 – O conselho diretivo de universo de compartes organizado em assembleia deve requerer ao serviço de finanças competente a inscrição dos imóveis comunitários que gere na respetiva matriz predial, juntando ao requerimento descrição suficientemente identificadora de cada um e, no caso de algum ser baldio, também a sua cartografia, as principais confrontações e a área.
5 – Se tiver sido feita inscrição matricial de parte ou da totalidade de um baldio em desconformidade com o estabelecido neste artigo, o conselho directivo correspondente deve requerer a correção da inscrição em conformidade com o disposto na presente lei.

Artigo 12º
Defesa dos direitos dos compartes sobre imóveis comunitários

1 – Os imóveis comunitários não são suscetíveis de posse por terceiros.
2 - Os atos ou negócios jurídicos, incluindo os relativos à posse, que tenham por objeto imóveis comunitários, bem como a sua posterior transmissão, são anuláveis, salvo nos casos previstos na presente lei.
2 – A anulação pode ser requerida a todo o tempo:
a) Por qualquer dos compartes;
b) Pelo Ministério Público;
c) Pelos órgãos de administração comunitária, se estiver constituída a assembleia de compartes;
d) Pela entidade na qual os compartes tenham delegado poderes de administração;
e) Por quem os explorar por contrato de cessão de exploração.
3 – As entidades referidas no número anterior beneficiam da isenção de custas estabelecida no artigo 10º da presente lei, tendo legitimidade para requerer a restituição da posse sobre todo ou parte do imóvel a favor do respectivo universo de compartes e de entidade que tiver direito à sua exploração.
4 – As assembleias de compartes de imóveis comunitários podem adquirir coisas imóveis por qualquer modo admitido em direito, que passam a integrar o subsector dos bens comunitários.

Artigo 13º
Âmbito de aplicação

1 - A presente lei é aplicável a todo o subsector comunitário, incluindo os casos em que o universo de compartes possua e administre mais do que um imóvel comunitário.
2 - As disposições da presente lei sobre baldios são aplicáveis, com as adequadas adaptações, aos restantes imóveis comunitários.

Capítulo II
Dos baldios

Secção I
Dos baldios e suas finalidades

Artigo 14º
Definição

1 - Designa-se baldio um terreno contínuo dos referidos no n.º 3 do artigo 1º que:
a) De acordo com os usos e costumes seja possuído e gerido por comunidade local, mesmo que não seja objeto de aproveitamento no todo ou em parte, e independentemente de a comunidade local estar ou não constituída em assembleia de compartes;
b) Tendo sido usado e fruído como baldio por comunidade local, foi submetido ao regime florestal ou de reserva não aproveitada ao abrigo do Decreto-Lei nº 27.207 de 16 de novembro de 1936, da Lei nº 2.069 de 24 de abril de 1954, ou de outra legislação, e ainda não foi devolvido aos compartes nos termos dos Decretos-Leis nº 39/76 e nº 40/76, de 19 de janeiro, e da legislação posterior sobre baldios;
c) Tendo sido possuído e gerido nas condições referidas nas alíneas anteriores, foi objeto de apossamento por particular a qualquer título, ainda que transmitido posteriormente, ao qual é aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 40/76 de 19 de janeiro;
d) For adquirido por comunidade local e afetado por ela a seu logradouro comum.

Artigo 15º
Finalidades dos baldios

Os baldios constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas e de matos, de culturas e também de caça, de eletroprodução e de todas as suas outras atuais e futuras potencialidades económicas e ainda, mediante deliberação da assembleia de compartes, para fins culturais e sociais de interesse para os habitantes do núcleo ou núcleos populacionais da área de residência dos compartes.

Artigo 16º
Planos de utilização dos baldios

1 – A gestão dos baldios respeita os correspondentes planos de utilização, aprovados em assembleia de compartes, devendo neles indicar-se os principais usos e utilizações a desenvolver e também as condições em que terceiros poderão, sem prejuízo das tradicionais utilizações pelos compartes, ter acesso a eles e a utilizá-los, podendo estabelecer-se contrapartidas.
2 - Os planos de utilização dos baldios devem enquadrar-se nos princípios e normas legais relativos ao ordenamento florestal, não podendo deles resultar, em conformidade com o n.º 4 do artigo 38º, restrições à gestão dos baldios não aplicáveis à da propriedade privada.

Artigo 17º
Objetivos dos planos de utilização dos baldios

1 – Os planos de utilização dos baldios têm como objetivo a utilização económica racional e sustentada da sua capacidade produtiva.
2 – Os planos de utilização podem englobar mais do que um baldio, desde que próximos ou afins, nos seguintes casos:
a) Se forem geridos pela mesma assembleia de compartes;
b) Sendo autonomamente administrados por mais do que uma assembleia de compartes, se for decidido pelas respectivas assembleias de compartes ser necessário ou útil um único plano de utilização deles, devendo ser posteriormente aprovado por cada uma.
3 – Se o plano de utilização abranger mais do que um baldio deve constar dele informação cartográfica e descritiva suficientemente identificadora de cada um.
4 – Se o plano de utilização englobar baldios de mais do que um universo de compartes, deve ser aprovada em cada uma das suas assembleias a criação de um órgão coordenador do cumprimento do plano com o correspondente regulamento.
5 – O plano de utilização dos baldios deve respeitar os princípios e as normas legais aplicáveis aos planos de gestão florestal, não podendo ser impostas condições mais gravosas do que as aplicáveis nas propriedades privadas, devendo ser promovidas as necessárias correções no caso de o plano de utilização não respeitar esses princípios e normas legais.
6 – Se o Estado administrar baldios em regime de associação com os seus compartes, deve assegurar a elaboração dos planos de utilização e as correções previstas no número anterior pelos seus serviços competentes.

Secção II
A gestão dos baldios e os seus órgãos

Artigo 18º
Gestão dos baldios

1 - Os baldios são por direito próprio autonomamente geridos nos termos dos usos e costumes locais pelos respetivos compartes constituídos em assembleia e das deliberações dos órgãos democraticamente eleitos por ela.
2 - A gestão dos baldios não está sujeita a outras restrições além das decorrentes da presente lei e das aplicáveis ao sector privado dos meios de produção.

Artigo 19º
Aplicação das receitas dos baldios

1 – As receitas obtidas pela exploração dos recursos económicos e outros dos baldios são aplicadas, sem prejuízo do cumprimento das obrigações decorrentes da sua gestão:
a) Prioritariamente na valorização desses baldios e em prudente constituição de reservas para futura valorização deles;
b) Equitativamente em benefício cultural e social dos habitantes dos núcleos populacionais de residência dos seus compartes;
c) Em outros fins de interesse coletivo relevante, decididos pela assembleia de compartes.
2 - Se for dada aplicação diferente das previstas no número anterior, sem decisão da assembleia de compartes, os membros do conselho diretivo que agirem com infracção dessa norma são solidariamente responsáveis pelo pagamento do valor dos impostos que a autoridade tributária liquidaria se o valor correspondente fosse tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, sem prejuízo de outras consequências legais, com excepção dos que se tiverem oposto ou não tiverem conhecimento.

Artigo 20º
Contabilidade da gestão dos baldios

1 - A gestão dos baldios está sujeita ao Sistema de Normalização Contabilística com as adaptações decorrentes da sua integração no subsetor comunitário, devendo o conselho diretivo apresentar anualmente à assembleia de compartes as contas e o relatório das actividades relativos ao exercício do ano anterior em tempo de serem discutidos e votados até 31 de março, que depois de aprovados são comunicados aos serviços fiscais territorialmente competentes.

Artigo 21º
Reuniões dos órgãos das comunidades de compartes
1 – Salvo nos casos previstos na presente lei, os órgãos dos universos de compartes constituídos em assembleia reúnem-se por convocação com a presença da maioria dos seus membros, deliberando por maioria simples dos presentes, tendo o presidente do órgão voto de qualidade.
2 – Pode estar presente nas reuniões da assembleia de compartes representante da junta, ou de cada junta de freguesia em cuja área territorial os baldios se situam, a convite dos órgãos diretivos, podendo, se a mesa o permitir ou solicitar, dirigir-se à assembleia.
3 – Nas reuniões da assembleia de compartes podem também estar presentes como convidadas pessoas relacionadas com assuntos constantes da ordem de trabalhos, podendo, com permissão ou a solicitação da mesa, dirigir-se à assembleia.

Artigo 22º
Atas das reuniões dos órgãos das comunidades de compartes

1 – Das reuniões dos órgãos das comunidades locais são elaboradas atas que registam o que nelas ocorrer de relevante que depois de lidas e aprovadas, são assinadas pela mesa da assembleia de compartes, e pelos membros presentes dos restantes órgãos.
2 – Só a ata pode certificar validamente as discussões havidas, as deliberações tomadas e o mais que nas reuniões tiver ocorrido.
3 – As atas referidas nos números anteriores podem ser consultadas por quem nisso tiver interesse legítimo mediante solicitação ao respectivo órgão.

Artigo 23º
Composição da assembleia de compartes

1 – A assembleia de compartes é constituída por todos os compartes com direito de uso e gestão de imóvel ou imóveis comunitários, devendo o nome e a residência de cada um constar de relação por ela aprovada, que será atualizada anualmente.
2 – A mesa da assembleia de compartes dirige-a com respeito por princípios democráticos e de liberdade de discussão, assegurando o seu bom funcionamento e respeitando a ordem de trabalhos.
3 – Das decisões da mesa cabe recurso para a assembleia.

Artigo 24º
Competência da assembleia de compartes

1 – Compete à assembleia de compartes:
a) Eleger a sua mesa;
b) Eleger o conselho diretivo e a comissão de fiscalização, podendo destituí-los com fundamento em atos ilegais especificados, em gestão danosa, e em atos não respeitadores dos princípios democráticos;
c) Discutir e votar até 31 de dezembro a relação dos compartes a apresentar pelo conselho diretivo e a sua actualização anual;
d) Regulamentar e disciplinar o uso e a fruição dos imóveis comunitários pelos compartes por proposta do conselho diretivo;
e) Discutir, aprovar e modificar o plano de utilização dos imóveis comunitários e as respectivas atualizações, por proposta do conselho diretivo;
f) Deliberar sobre cada contrato de crédito a contrair pelo conselho diretivo, e, quanto a créditos de pequeno montante, destinados a ocorrer a necessidades correntes de gestão, fixando as condições gerais, o montante máximo de cada crédito e o montante global anual;
g) Estabelecer os condicionamentos que julgar necessários à boa comercialização das produções obtidas dos imóveis comunitários;
h) Discutir e votar anualmente o plano de atividades e o orçamento para o ano seguinte, podendo alterá-los;
i) Discutir e votar o relatório de atividades e as contas de cada exercício e também a proposta anual do conselho diretivo para a aplicação dos resultados líquidos da gestão de cada exercício, podendo alterá-los;
j) Deliberar sobre cada alienação e cessão de exploração de direitos sobre imóveis comunitários nos termos do disposto na presente lei;
k) Deliberar sobre cada delegação de poderes de administração e sua renovação e ainda sobre renovação de administração em associação com o Estado de acordo com o previsto na presente lei;
l) Fiscalizar a atividade do conselho diretivo e, no âmbito da delegação de poderes de administração previstos na presente lei, a das entidades para quem estes tenham sido delegados, bem como estabelecer diretivas sobre matérias da sua competência, sem prejuízo da competência própria da comissão de fiscalização;
m) Decidir os recursos para si interpostos dos atos do conselho diretivo;
n) Deliberar o recurso a juízo pelo conselho diretivo para defesa de todos os direitos e interesses da comunidade local relativos aos correspondentes imóveis comunitários, e ainda dos direitos da comunidade de compartes decorrentes dos atos de gestão dos imóveis comunitários; bem como ratificar os atos correspondentes, se o conselho diretivo os tiver praticado sem autorização com fundamento em urgência.
o) Deliberar sobre a extinção de imóvel comunitário nos termos da presente lei, ouvido o conselho diretivo;
p) Deliberar sobre todos os demais assuntos de interesse da comunidade de compartes relativos a imóveis comunitários que não sejam da competência própria do conselho diretivo;
q) Deliberar sobre a agregação com outra ou outras comunidades de compartes;
r) Exercer as demais competências decorrentes da lei, dos usos e costumes e de contratos.
2 – A eficácia das deliberações da assembleia de compartes relativas às matérias previstas nas alíneas e), j), k), o) e q) do número anterior depende de aprovação por maioria qualificada de dois terços dos membros presentes.
3 – Enquanto não existir conselho diretivo, ou comissão de fiscalização, a assembleia de compartes exerce as competências atribuídas ao órgão ou órgãos inexistentes, representada para o efeito pela sua mesa.

Artigo 25º
Composição da mesa da assembleia de compartes

1 – A mesa da assembleia de compartes é constituída por um presidente, um vice-presidente e um ou dois secretários eleitos pela assembleia de entre os seus membros em sistema de lista completa.
2 - Se em reunião da assembleia de compartes faltarem membros da mesa em número correspondente a metade ou mais, são eleitos de entre os compartes os que os devem substituir nessa reunião.
3 – A mesa da assembleia de compartes representa-a, podendo para a prática de cada ato delegar no seu presidente, ou em quem exercer a presidência;
4 - As reuniões da assembleia de compartes são presididas e dirigidas pelo presidente da mesa em conformidade com o que for decidido pela mesa.

Artigo 26º
Periodicidade das reuniões da assembleia de compartes

1 – A assembleia de compartes reúne ordinariamente duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que for convocada.
2 – A assembleia de compartes deve para os efeitos do número anterior reunir ordinariamente até 31 de março para apreciação e votação das matérias referidas na alínea i) do n.º 1 do artigo 24º e até 31 de dezembro para apreciação das matérias referidas no nas alíneas c) e h) do n.º 1 do mesmo artigo.

Artigo 27º
Convocação da assembleia de compartes

1 – A assembleia de compartes é convocada por editais afixados nos locais do estilo e por outro meio de publicitação usado localmente, podendo complementarmente ser convocada por carta não registada, comunicação electrónica e por entrega pessoal da convocatória.
2 - As reuniões da assembleia de compartes são convocadas pelo presidente da respetiva mesa por decisão da mesa, ou por solicitação escrita que lhe seja dirigida pelo conselho diretivo, pela comissão de fiscalização ou pelo mínimo de 5% dos respectivos compartes.
3 – Se a assembleia de compartes não for convocada no prazo de 15 dias a contar da receção do pedido previsto no número anterior de que conste a ordem de trabalhos proposta, podem os solicitantes convocá-la.
4– A convocatória deve ser tornada pública com a antecedência de entre 8 e 15 dias, e mencionar:
a) O dia, a hora e o local da reunião;
b) A ordem de trabalhos;
c) O número de compartes necessário para a assembleia poder reunir e deliberar nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 28º e em razão dos assuntos constantes da ordem de trabalhos;
d) No caso previsto no nº 3 do artigo 28º, a informação correspondente à parte final desse número.

Artigo 28º
Funcionamento da assembleia de compartes

1 – A assembleia de compartes reúne no dia, no local, na hora e nas condições indicados no aviso convocatório com a presença de mais de metade dos compartes.
2 – Decorridos 30 minutos sobre a hora designada no aviso convocatório, a assembleia de compartes reúne validamente, desde que estejam presentes:
a) O número mínimo de compartes exigido em casos excepcionais para se reunir e deliberar sobre assuntos previstos na presente lei;
b) 30% dos respetivos compartes ou o mínimo de 100, quando se tratar de deliberações que devam ser tomadas por maioria qualificada de dois terços dos compartes presentes, sem prejuízo da alínea a) do artigo 34º.
c) 10% dos respetivos compartes ou o mínimo de 50 nos restantes casos.
3 – Se não estiverem presentes compartes em número correspondente ao referido em cada uma das alíneas do número anterior, o presidente, consultada a mesa, convoca de imediato nova reunião com a mesma ordem de trabalhos e a devida publicitação para um dos 10 a 14 dias seguintes, a qual reunirá, para os efeitos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, com qualquer número de compartes presentes, o que deve constar da convocatória, sem prejuízo da alínea a) do artigo 34º.

Artigo 29º
Composição do conselho diretivo

1 – O conselho diretivo é constituído por número ímpar de 3 a 7 membros eleitos por voto secreto pela assembleia de compartes de entre os seus membros, devendo a proposta ser por lista completa.
2 – O conselho diretivo elege um presidente e um vice-presidente de entre os seus membros.
3 – O presidente representa o conselho diretivo, convoca-o com antecedência entre 3 e 8 dias, preside às reuniões e dirige os trabalhos, sendo substituído nas suas faltas e impedimentos pelo vice-presidente.
4 – Os vogais convocam o conselho diretivo por decisão maioritária se, tendo solicitado ao presidente a sua convocação, este não o convocar no prazo de 5 dias, secretariam e redigem as atas, dando delas conhecimento com entrega de cópia, depois de assinadas, à mesa da assembleia geral e à comissão de fiscalização.
5 – Podem ser eleitos compartes para substituir os membros efetivos em caso de demissão, de impedimento prolongado e de mais de três faltas não justificadas, sendo para o efeito convocados pelo presidente pela ordem da sua menção na lista proposta para a eleição após deliberação do conselho diretivo.

Artigo 30º
Competência do conselho diretivo

Compete ao conselho diretivo:
a) Organizar a proposta da relação de compartes e da sua atualização anual a submeter em tempo para que a assembleia de compartes possa deliberar sobre ela até 31 de dezembro de cada ano;
b) Propor à assembleia de compartes a regulamentação das condições do exercício da posse e gestão dos imóveis comunitários e a sua alteração;
c) Propor à assembleia de compartes os planos de utilização dos recursos de imóveis comunitários e respetivas atualizações;
d) Elaborar e submeter anualmente e em tempo à aprovação da assembleia de compartes o plano de atividades, o relatório e as contas de cada exercício, bem como a proposta de aplicação das receitas;
e) Propor à assembleia de compartes ou emitir parecer sobre propostas de alienação e de cessão de exploração de direitos sobre imóveis comunitários;
f) Propor à assembleia de compartes ou emitir parecer sobre propostas de delegação de poderes de administração nos termos da presente lei;
g) Em caso de urgência recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio, submetendo em prazo curto esses atos a ratificação da assembleia de compartes;
h) Representar o universo dos compartes nas relações com entidades públicas e privadas, incluindo os tribunais, sem prejuízo dos poderes da mesa da assembleia de compartes;
i) Exercer em geral todos os atos de administração em associação com o Estado de imóvel comunitário com respeito pela lei, os usos e costumes e os regulamentos aplicáveis;
j) Zelar pelo cumprimento dos regulamentos e dos planos de utilização dos recursos do baldio;
k) Zelar pela defesa dos valores ecológicos e pela proteção eficaz dos baldios contra incêndios;
l) Propor ao presidente da mesa da assembleia de compartes a sua convocação;
m) Promover a inscrição dos imóveis comunitários na matriz e a sua atualização;
n) Dar cumprimento e execução às deliberações legítimas da assembleia de compartes que disso careçam;
o) Exercer as demais competências decorrentes da lei, de uso e costume, de regulamento ou de contrato.

Artigo 31º
Composição da comissão de fiscalização

1 – A comissão de fiscalização é constituída em número ímpar por 3 a 5 compartes eleitos pela assembleia de compartes de entre os seus membros, de preferência com conhecimentos de contabilidade, observando-se no mais, quanto à sua composição, convocação, organização e funcionamento, o aplicável ao conselho diretivo.
2 -Das atas das deliberações da comissão de fiscalização são enviadas cópias à mesa da assembleia de compartes e ao conselho diretivo.

Artigo 32º
Competência da comissão de fiscalização

Compete à comissão de fiscalização:
a) Tomar conhecimento da contabilidade dos atos de gestão do imóvel ou imóveis comunitários, verificar a regularidade dos correspondentes documentos, dar parecer anual sobre as contas e também sobre a atividade da administração, que são a elas anexados;
b) Fiscalizar o cumprimento dos planos da utilização dos imóveis comunitários, da atempada e regular cobrança das receitas, da sua boa aplicação e da adequada justificação das despesas;
c) Comunicar aos órgãos sociais as irregularidades de atos de gestão, os incumprimentos de contratos e as violações da lei de que tenham conhecimento;
d) Comunicar às entidades competentes as violações da lei de que tenham conhecimento;
e) Zelar pelo respeito das normas de proteção do ambiente.

Secção III
Outras disposições sobre imóveis comunitários

Artigo 33º
Responsabilidade dos órgãos de administração

Os compartes que integrarem os órgãos de administração dos baldios são pessoal e solidariamente responsáveis pelas ilegalidades que cometerem no exercício das suas funções, salvo os que expressamente se tiverem oposto a elas, ou não tiverem estado presentes na reunião do órgão em que tiver sido tomada a correspondente deliberação.

Artigo 34º
Causas de extinção

Deixam de integrar o subsetor dos meios de produção comunitários, os imóveis, nomeadamente baldios, que no todo ou em parte da sua área:
a) Forem declarados extintos por deliberação unânime da respetiva assembleia de compartes com a presença do mínimo de dois terços deles; ou
b) Sejam objeto de expropriação conforme o previsto na presente lei, incluindo por aquisição nos termos do direito civil em fase anterior ou posterior à declaração da utilidade pública.

Artigo 35º
Uso precário por junta de freguesia

1 – Decorridos sete anos sem que imóveis comunitários, incluindo os baldios, estejam a ser usados, fruídos ou administrados pelos seus compartes organizados em assembleia, a junta ou as juntas de freguesia em cuja área se situam, mediante prévia deliberação da assembleia da freguesia ou freguesias devidamente fundamentada, podem convocar a assembleia de compartes, para eleger a mesa e decidir da delegação de competências prevista no n.º 1 do artigo 24º.
2 - Se o imóvel comunitário for baldio situado em mais de uma freguesia, a deliberação deve ser tomada por todas as correspondentes assembleias de freguesia, passando cada junta de freguesia a usar precariamente a parte situada no seu território.
3 – À deliberação ou deliberações a que se refere este artigo deve ser dada publicidade pelas formas previstas para a convocação da assembleia de compartes.
4 – Durante o período em que os meios de produção comunitários forem usados nos termos deste artigo pela junta ou juntas de freguesia, são prestadas anualmente contas à assembleia de compartes até 31 de março com entrega, no prazo de 90 dias, do valor da receita líquida de exploração apurada no ano anterior deduzida de 50% a título compensatório.

Artigo 36º
Consequências da extinção

Da extinção total ou parcial de um imóvel comunitário decorre:
a) Se a extinção resultar de deliberação da assembleia de compartes, a sua integração no domínio público da freguesia em cujo território se situar a parte extinta;
b) A transferência dos direitos abrangidos para a titularidade da entidade expropriante ou, no caso de alienação, para a entidade adquirente.

Artigo 37º
Expropriação por utilidade pública

1 – Os imóveis comunitários, incluindo os baldios, são expropriáveis por utilidade pública no todo ou em parte.
2 – À expropriação aplica-se o disposto no Código das Expropriações, com as especificidades previstas nos números seguintes.
3 – Previamente à declaração de utilidade pública da expropriação a entidade interessada nela deve apresentar à assembleia de compartes proposta equitativa de aquisição nos termos do direito privado.
4 - A proposta de expropriação deve ser documentada com descrição precisa e clara do que se pretender expropriar, incluindo a situação, o desenho topográfico, as confrontações, a área, a justificação da indemnização proposta e a declaração precisa dos fins da expropriação.
5 – A assembleia de compartes deve pronunciar-se sobre a proposta de aquisição em prazo não superior a 60 dias, considerando-se como recusa a falta de pronúncia.
6 – No cálculo da indemnização devem ser tomados em consideração o prejuízo resultante para o universo dos compartes da privação da utilidade económica efetiva e potencial do imóvel comunitário ou da sua parte a expropriar e as vantagens resultantes para ele da sua efetiva afetação aos fins da expropriação.

Artigo 38º
Não sujeição a ónus

1 – Os imóveis comunitários não podem ser objecto de penhora, penhor, hipoteca e outros ónus, sem prejuízo de constituição de servidões nos termos gerais de direito e do disposto no n.º 3 deste artigo.
2 – Em proveito de baldios e de outros imóveis comunitários podem ser constituídas servidões de passagem, de aqueduto e outras nos termos previstos na lei.
3 – Podem, nos termos gerais de direito, ser constituídas servidões sobre baldios e outros imóveis comunitários em proveito de prédios particulares e públicos e de serviços públicos.
4 – Os imóveis comunitários, incluindo os baldios, não estão sujeitos a outras restrições de utilidade pública, nomeadamente quanto à prática de atos de gestão, além das que onerarem em igualdade de circunstâncias os imóveis do sector privado dos meios de produção.

Artigo 39º
Alienação excecional por interesse local

1 – A assembleia de compartes pode deliberar a alienação a título oneroso de área ou áreas limitadas de baldio mediante concurso público, tendo por base o preço do mercado:
a) Quando o baldio confrontar com limite da área de povoação e a alienação for necessária à expansão do respetivo perímetro urbano;
b) Quando a alienação se destinar à instalação de unidades industriais, de infraestruturas e também de empreendimentos de interesse coletivo, nomeadamente para a comunidade local.
2 – As parcelas a alienar não podem ter área superior à necessária ao fim a que se destinarem, e no caso de o destino ser a expansão habitacional em área qualificada como urbana, a superfície a alienar tem o limite máximo de 1500 metros quadrados por habitação a construir.
3 – Para efeito do disposto neste artigo as parcelas não podem ser alienadas sem a câmara municipal competente para o licenciamento dos empreendimentos ou das edificações a construir ou instalar nelas emitir informação prévia da sua viabilidade nos termos da sua competência em matéria de urbanismo e edificações.
4 – A alienação de parte de baldio para instalação de equipamentos sociais, culturais, desportivos ou outros equipamentos coletivos sem fins comerciais ou industriais pode ser feita a título gratuito, se for autorizada pela assembleia de compartes por maioria de dois terços.
5– Se a alienação for feita para um dos fins referidos no número anterior, fica sujeita à condição de reversão se na parte alienada não entrarem em funcionamento, no prazo de 5 anos, os equipamentos indicados no contrato de alienação ou se for posteriormente alienada a terceiros salvo se a título gratuito e para os mesmos fins, mantendo-se a condição de reversão.

Capítulo III
Disposições finais e transitórias

Artigo 40º
Jurisdição
1 - Compete aos tribunais judiciais conhecer dos litígios que tiverem direta ou indiretamente por objecto imóveis comunitários, designadamente os atos e contratos relativos à delimitação, ao domínio, à posse, ao uso e à administração deles, e ainda às deliberações, aos atos e às omissões dos seus órgãos, e aos direitos e responsabilidades extracontratuais.
2 - Os conflitos relativos à devolução prevista no artigo 41º de baldios e outros imóveis comunitários à posse e gestão pelo universo de compartes a que pertencerem são da competência dos tribunais judiciais.

Artigo 41º
Efetivação da devolução dos baldios aos compartes

Os baldios que tenham sido devolvidos à posse e gestão dos compartes pelo Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de janeiro, e cuja assembleia de compartes ainda não tenha sido constituída, passam a ser por ela geridos após a sua constituição nos termos do artigo 5º sem necessidade de outra formalidade, sem prejuízo do artigo 43º.

Artigo 42º
Cessões de exploração transitórias

As cessões de exploração de baldios anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de janeiro só são renováveis nos termos previstos na presente lei.

Artigo 43º
Administração transitória

A administração de baldios que no todo ou em parte estiver a ser feita por qualquer entidade ou entidades sem prévio acordo escrito e que nessa situação se mantiverem durante mais de um ano após a constituição da assembleia de compartes nos termos do artigo 5º, considera-se delegada nessa entidade ou entidades com os correspondentes poderes e deveres de administração, cessando a delegação logo que for comunicada a sua revogação por deliberação da assembleia de compartes.

Artigo 44º
Administração em regime de associação e com delegação de poderes

1 – Os baldios que à data da entrada em vigor da presente lei estejam a ser administrados em regime de associação entre os compartes e o Estado nos termos da alínea b) do artigo 9º do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, continuam a ser administrados de acordo com esse regime, sem dependência de outra formalidade, até que ocorra um dos seguintes factos:
a) O decurso do prazo de 45 anos após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro;
b) A comunicação ao Estado dirigida ao membro do Governo competente sobre assuntos florestais da deliberação da assembleia de compartes que ponha fim àquele regime.
2 – Quando o regime de associação referido no número anterior chegar ao termo sem haver renovação conforme o disposto nos números seguintes, qualquer das partes que partilhava em associação a administração de baldio pode exigir da outra prestação das contas correspondentes aos atos de gestão que tenham sido praticados e o pagamento dos créditos decorrentes que lhe forem devidos por atos praticados de acordo com o quadro da cogestão.
3 - As assembleias de compartes que queiram manter a administração dos seus baldios em regime de associação com o Estado nos termos previstos no artigo 9º do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de janeiro, podem optar pela sua renovação por deliberação da assembleia, a qual deve ser comunicada por escrito ao Estado através do membro do Governo competente sobre assuntos florestais.
4 – Se for deliberado manter o regime de administração de imóvel comunitário em associação com o Estado, passa a sua gestão a ser participada por ambas as partes, sendo os atos concretos previamente acordados por escrito, salvo se decorrerem de regulamento aprovado pela assembleia de compartes aceite por escrito pelos serviços competentes da outra parte, sendo também acordado por escrito um regime equitativo de partilha dos resultados líquidos anuais da sua exploração económica.
5 - Decorridos dez anos sobre o início de delegação de poderes de administração de imóvel comunitário em junta de freguesia ou outra entidade, ou dois anos sobre a entrada em vigor da presente lei, se a outro título estiver a ser administrado por junta de freguesia ou outra entidade, passa, por deliberação da correspondente assembleia de compartes mediante comunicação dela por escrito à outra parte, a aplicar-se à sua administração o regime de gestão participada prevista no número anterior.
6 – O regime de administração de imóveis comunitários em gestão participada prevista nos n.ºs 4 e 5 caduca decorridos dez anos após deliberação tomada em termos semelhantes aos previstos no n.º 3, podendo ser renovado sucessivamente por igual período de tempo mediante prévio acordo escrito entre as partes autorizado ou ratificado por deliberação da assembleia de compartes por maioria de dois terços.

Artigo 45º
Receitas recebidas pelo Estado provenientes de baldios

1 – As receitas provenientes do aproveitamento de baldios em regime florestal nos termos do artigo 15º do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de janeiro, que tiverem sido depositadas pelos serviços competentes da Administração do Estado, devem ser restituídas às assembleias dos compartes dos respectivos baldios na parte ainda não recebida pelos órgãos competentes de administração de cada um dos baldios de que proveio a receita.
2 – Para o efeito do previsto no número anterior, no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, os competentes serviços da Administração do Estado comunicam a cada assembleia de compartes com posse e administração de baldio gerador de receitas os valores das receitas que têm a receber, descriminando-as e identificando as entidades depositantes e depositárias.
3- A cada junta de freguesia de situação de baldio ou baldios geradores de receita são também comunicados os valores das receitas correspondentes a cada baldio aí situado em termos semelhantes ao estabelecido no n.º 2.
4 - Cada junta de freguesia que receber a comunicação referida no número anterior afixa por aviso nos locais do costume o teor da comunicação que houver recebido, informando os compartes dos baldios situados na área da freguesia que podem exigir as quantias em causa, e promove a publicação do teor dessa comunicação em jornal local ou, na sua falta, num dos jornais mais lidos na localidade.
5 – No caso das quantias correspondentes a receitas referidas no n.º 1 terem sido depositadas pelos competentes serviços da Administração em qualquer banco ou outra entidade à ordem de assembleia de compartes com direito ao seu recebimento, a instituição bancária respetiva faz a sua entrega ao órgão representativo da assembleia de compartes no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
6 – Em caso de conflito entre assembleias de compartes para ao recebimento das verbas, o Estado informa, no prazo referido no nº 2, os órgãos de gestão dos baldios envolvidos de que dispõem de seis meses, contados a partir do termo do prazo anterior, para fazerem uma informação escrita, subscrita por todos, de repartição das verbas, após o que a Administração deve entregar as verbas no prazo de 30 dias.
7 – No caso de ausência de entendimento, findo os prazos fixados no número anterior, a Administração do Estado distribui as verbas existentes em partes iguais para cada uma das partes em conflito.
8 – O disposto no n.º 6 não prejudica o direito de a parte ou partes que se considerarem lesadas exigir judicialmente o pagamento pela outra ou outras do recebido em excesso.

Artigo 46º
Construções ilegais nos baldios

1 – As construções de caráter duradouro destinadas a habitação ou a fins de exploração económica ou utilização social feitas em baldios até 30 de julho de 1993, desde que correspondam a situações relativamente às quais se verifique, no essencial, o condicionalismo previsto para alienação excepcional por interesse local previsto no artigo 39º, podem ser objecto de alienação autorizada por deliberação da assembleia de compartes com dispensa de concurso público, fixando-se o preço por negociação direta e cumprindo-se no mais o disposto naquele artigo.
2 – Se tiverem sido feitas obras sobre terrenos baldios para condução de águas que não tenham origem neles para as conduzir em proveito da agricultura, de indústria, ou para gastos domésticos até 30 de julho de 1993, os autores delas podem adquirir o direito à servidão de aqueduto mediante indemnização correspondente ao valor do prejuízo que da constituição da servidão resulta para o baldio.
3 – Na falta de acordo quanto à aquisição do direito de servidão prevista no número anterior, incluindo quanto ao valor da indemnização, a decisão compete ao tribunal competente.
4 – Os universos de compartes têm a todo o tempo direito a ser indemnizados pelo prejuízo que resultar de deterioração de conduta de águas ou outros fluidos e de outras obras feitas por terceiros para essa condução através de imóveis comunitários em benefício de outros prédios, de actividade económica, ou de serviço público.
5 – Se a água conduzida não for toda necessária ao seu proprietário, a assembleia de compartes do baldio pode deliberar adquirir a parte excedente mediante indemnização correspondente ao valor da parte a adquirir, sendo o valor dessa parte calculado com base no custo da exploração e da condução da água até ao ponto do baldio donde se pretender derivá-la, tendo em conta a proporção dela em relação à sua totalidade, sendo, na falta de acordo, esse valor fixado pelo tribunal.

Artigo 47º
Contratos de arrendamento

1 – Os contratos de arrendamento celebrados depois da entrada em vigor da Lei nº 72/2014, de 2 de setembro que tiveram por objecto imóveis comunitários não são renováveis, mesmo que do contrato conste renovação vinculativa.
2 - As entidades a qualquer título administradoras de imóveis comunitários que hajam sido arrendados em conformidade com o referido no número anterior podem resolver os correspondentes contratos, indemnizando os arrendatários pelos danos emergentes.

Artigo 48º
Imóveis comunitários em aldeia despovoada ou no seu alfoz

Se uma aldeia, ou outro núcleo populacional, se despovoar ou tiver despovoado completamente, os imóveis aí situados ou no seu alfoz que foram comunitários de compartes aí residentes mantêm a sua integração no subsector dos meios de produção comunitários, transitando o direito sobre eles para a comunidade dos cidadãos residentes na correspondente freguesia, e se esses imóveis forem baldios essa comunidade é a dos cidadãos que na freguesia desenvolverem actividade agrícola, florestal, ou pastoril.

Artigo 49º
Norma revogatória

1 – É revogada a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, com as alterações da Lei n.º 89/97, de 30 de julho e da Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, bem como a regulamentação dela decorrente.
2 – São repristinadas as disposições dos Decretos-Leis n.º 39/76 e n.º 40/76, de 19 de janeiro, aplicáveis por remissão da presente lei.

Assembleia da República, em 1 de julho de 2016

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