Projecto de Resolução N.º 753/XII

Revisão, urgente, do regime de renda apoiada e suspensão dos aumentos das rendas das habitações sociais até à conclusão desse processo

Revisão, urgente, do regime de renda apoiada e suspensão dos aumentos das rendas das habitações sociais até à conclusão desse processo

O decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio, estabeleceu o regime de renda apoiada, ao qual ficaram sujeitos os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os arrendamentos das habitações adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado, celebrados após a entrada em vigor desse diploma.

O regime de renda apoiada apresentava aspetos positivos: procurava uniformizar uma panóplia de regimes de arrendamento que, pela sua diversidade, traduziam soluções de desigualdade; definia o chamado preço técnico, impedindo o crescimento da renda para valores especulativos; avançava com a definição de critérios que, a partir da determinação de uma dada taxa de esforço, permitiam o cálculo da renda que o arrendatário podia efetivamente suportar.

Contudo, apesar desses aspetos positivos, a aplicação do referido decreto-lei revelou-se desajustada à realidade social do país, tornando necessária a introdução de critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda apoiada.

Foi nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, logo no início da presente legislatura, o projeto de lei n.º 20/XII/1ª, de 22 de julho de 2011, que:
• Contabilizava o valor líquido dos rendimentos auferidos, e não o valor ilíquido, no cálculo da taxa de esforço;
• Contabilizava, para efeitos do cálculo da taxa de esforço, apenas os rendimentos dos elementos do agregado com idade igual ou superior a 25 anos;
• Excluía, do cálculo dos rendimentos do agregado familiar, todos os prémios e subsídios de carácter não permanente, tais como horas extraordinárias, subsídio de turno, entre outros;
• Contabilizava, para efeitos do cálculo do rendimento do agregado familiar, um valor parcial das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência, sempre que estas não atingissem o valor correspondente a três salários mínimos nacionais;
• Limitava o valor da renda a pagar a 15% do rendimento do agregado, sempre que este não excedesse o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.

A esta iniciativa legislativa do PCP, seguiram-se, já em agosto e setembro de 2011, iniciativas de outras forças políticas sob a forma de projetos de resolução: n.º 34/XII/1.ª (BE), n.º 58/XII/1.ª (CDS-PP), n.º 68/XII/1.ª (PSD) e n.º 81/XII/1.ª (PS).

Embora o Projeto de Lei n.º 20/XII/1ª, do PCP, tivesse sido rejeitado pelos votos conjugados do PSD, PS e CDS-PP, teve o mérito de alertar para a desadequação do atual regime de renda apoiada e recolocar na ordem do dia a questão da necessidade de revisão deste regime.

Da discussão em torno do projeto de lei do PCP e dos projetos de resolução do BE, do CDS-PP, do PSD e PS resultou a aprovação, em 23 de setembro, da Resolução da Assembleia da República n.º 152/2011, que recomendava ao Governo que procedesse à reavaliação do atual regime de renda apoiada, aplicável a nível nacional, segundo um princípio de igualdade e justiça social, e ainda que previsse, nos casos em que a aplicação do regime de renda apoiada se traduza em aumentos substanciais para as famílias, a existência de um mecanismo de aplicação gradual.

O PCP alertou que a aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 152/2011 iria servir somente para adiar a revisão do regime da renda apoiada e defraudar as expectativas dos moradores. A vida deu razão ao PCP. Passados vinte meses desde a aprovação da referida Resolução da Assembleia da República, o Governo não procedeu ainda à revisão do regime de renda apoiada. Questionada múltiplas vezes, quer em sessões plenárias, quer em reuniões da comissão competente, sobre o processo de revisão do regime de renda apoiada, a Sr.ª Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território tem-se desculpado com os estudos e análises que seria necessário realizar antes de avançar com o processo de revisão.

Importa aqui revisitar o projeto de resolução n.º 487/XI/2ª, apresentado na anterior legislatura, quando o CDS-PP se encontrava na oposição. Afirmavam os 21 deputados subscritores dessa iniciativa legislativa – entre os quais se contavam os atuais ministros Paulo Portas, Assunção Cristas e Pedro Mota Soares – que “o regime de renda apoiada assenta assim em critérios de grande insensibilidade social e que por esse efeito, tem conduzido ao aumento de rendas de forma desmesurada e desapropriada”, provocando “aumentos abruptos e significativos das rendas, em alguns casos superior a 800%, que se tornam insustentáveis para os agregados em situações económicas mais fragilizados, e muitos em situação de desemprego”. Na oposição, o CDS-PP criticava ainda o alheamento do Governo do PS relativamente à revisão do regime de renda apoiada, afirmando que “inexplicavelmente, por razões que o Grupo Parlamentar do CDS-PP tem alguma dificuldade em entender, outros valores se têm sobreposto ao bom senso e razoabilidade com que este assunto merecia ser tratado, agudizado pelo período de grande vulnerabilidade e de aumento dos níveis de pobreza entre a população mais desfavorecida”, pelo que “temendo-se que este regime de renda apoiada lance essas famílias Portuguesas para níveis de pobreza insustentáveis […] é fundamental implementar, com a urgência que o momento de crise em que hoje vivemos exige, três medidas preventivas que visem por um lado a proteção dos agregados familiares de maior vulnerabilidade social e financeira, o faseamento do pagamento da renda às famílias, sempre que se verifique um aumento significativo da mesma, e ainda que se suspenda a aplicação deste regime a outros bairros sociais”.

Chegado ao Governo, o CDS-PP não só meteu na gaveta o seu projeto de resolução, como ainda tem imposto, através do IHRU, brutais aumentos de rendas nas habitações sociais, incomportáveis para a maioria dos agregados familiares. Tal atitude do Governo e do partido que tutela as questões da habitação, além de revelar uma inaceitável duplicidade política – um discurso na oposição, uma prática oposta no Governo –, mostra ainda uma profunda insensibilidade relativamente à situação de muitos milhares de famílias, residentes em fogos de habitação social, cujas rendas estão a ser atualizadas com base no injusto regime ainda em vigor.

Em junho de 2012, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou uma nova iniciativa legislativa – o Projeto de Lei n.º 256/XII/1.ª – visando suspender, pelo prazo de dois anos, os aumentos das rendas das habitações sociais do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os aumentos das rendas das habitações sociais adquiridas ou promovidas pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado.

Deste modo, enquanto o Governo não concluísse o processo de revisão do regime de renda apoiada, evitava-se o aumento brutal das rendas nas habitações sociais, geradoras de situações dramáticas e de extrema pobreza em muitas famílias. Tal medida suspensiva tornava-se ainda mais premente num quadro de rápida degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo português, devido à redução dos salários, reformas e pensões, aos cortes nas prestações sociais e ao aumento dos preços de bens essenciais, resultantes da aplicação da política de austeridade da Troica e do Governo.

Em dezembro de 2012, perante a inaceitável passividade do Governo no que diz respeito à revisão do regime de renda apoiada, o Grupo Parlamentar do PCP reapresentou o seu projeto de lei de revisão do regime de renda apoiada (Projeto de Lei n.º 323/XII/2.ª).

Ambos os projetos de lei do PCP foram rejeitados, com os votos contra do PSD e CDS-PP e a abstenção do PS no Projeto de Lei n.º 256/XII/1.ª, e com os votos contra do PSD, PS e CDS-PP no Projeto de Lei n.º 323/XII/2.ª, sem que, até à presente data, o Governo procedesse à revisão do regime de renda apoiada, dando cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 152/2011, de 23 de setembro.

Entretanto, o regime da renda apoiada tem vindo a ser aplicado progressivamente em diversos bairros sociais, como por exemplo, no Bairro das Amendoeiras e no Bairro dos Loios em Lisboa, nos Bairros da Nossa Senhora da Conceição, S. Gonçalo, Feijoeira, Atougia e Embouladora em Guimarães, na Quinta do Cabral no Seixal e no Bairro Rosa em Almada.

A aplicação deste regime aos moradores das habitações sociais, destinadas a famílias de baixos rendimentos, levou a aumentos brutais das rendas. Valores de renda que anteriormente se cifravam nos 30€ ou 40€, aumentaram para 200€, 300€ e mesmo para 400€, incomportáveis para a esmagadora maioria das famílias, face aos seus rendimentos.

Os moradores que realizaram obras de melhoramento nas habitações são ainda mais prejudicados, dado que a sua renda é agravada devido à valorização do critério de conforto. Para além do Governo não cumprir as suas responsabilidades e realizar as intervenções que lhe compete, beneficia, deste modo, com os investimentos dos moradores. Por exemplo, no caso da Quinta do Cabral no Seixal e do Bairro Rosa em Almada, a aplicação do regime da renda apoiada foi justificada com a realização de obras de conservação nos prédios. Contudo, estas obras consistiram somente na pintura exterior dos edifícios e algumas pequenas intervenções no interior dos edifícios, particularmente no Bairro Rosa, que já tem mais de 25 anos, mantendo-se por resolver todos os problemas estruturais destes e dos espaços exteriores. O mesmo sucedeu nos bairros da Nossa Senhora da Conceição, S. Gonçalo, Feijoeira, Atougia e Embouladora em Guimarães.

Em recentes declarações públicas, o Presidente do IHRU informou que o processo de aplicação do regime de renda apoiada nos bairros sociais deste Instituto sofreu atrasos devido a dificuldades de natureza vária, pelo que o prazo para conclusão deste processo foi prolongado. O reconhecimento, pelo IHRU, das dificuldades na aplicação do regime de renda apoiada vem reforçar a necessidade de se proceder, com a máxima urgência, à revisão deste regime, introduzindo critérios de maior justiça social na determinação do valor das rendas.

Nos últimos anos verificou-se uma amplificação da luta dos moradores atingidos com a aplicação do regime renda apoiada. Reivindicam a alteração da atual legislação, através da introdução de critérios justos, que atenda às preocupações de natureza social, e exigem a realização das obras de conservação nas habitações que são da responsabilidade do Governo.

Perante a inaceitável postura do Governo de adiamento sine die da revisão do regime de renda apoiada e os brutais aumentos que o IHRU, seguindo as orientações do Governo, vem impondo nos bairros sociais sob a sua responsabilidade, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, a adoção da seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo:

1. Que proceda, com a máxima urgência, à revisão do regime de renda apoiada, introduzindo critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda apoiada;
2. Que, até à entrada em vigor do novo regime de renda apoiada, suspenda os aumentos das rendas das habitações sociais do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os aumentos das rendas das habitações sociais adquiridas ou promovidas pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado.

Assembleia da República, em 6 de junho de 2013

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