Projecto de Resolução N.º 320/XV/1.ª

Reversão do processo de transferência de competências para as autarquias na área da educação

Exposição de motivos
A transferência de competências para as autarquias na área da educação, prevista no Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro na sua redação atual, confirmou o que já se temia. As autarquias ficaram com as competências, mas estas não foram acompanhadas dos respetivos meios financeiros, técnicos e humanos para o seu exercício.
De acordo com a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, as competências na área da educação a transferir para as autarquias prendem-se com o planeamento, manutenção e construção do parque escolar dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, a gestão dos refeitórios escolares, a ação social escolar, o pessoal não docente, em particular os assistentes operacionais e os assistentes técnicos, o alojamento, o transporte escolar e as atividades de enriquecimentos curricular.
Tal, como o PCP alertou no início da discussão deste processo, não foram acauteladas as condições para o exercício destas competências pelas autarquias. O Governo, desresponsabilizando-se da garantia da universalidade do direito constitucional à educação, transferiu as competências para as autarquias, mas os meios financeiros não correspondem às necessidades. O acordo firmado entre o Governo e a ANMP não resolveu o problema.
Inicialmente, estava prevista uma verba de 20 mil euros por ano para a manutenção e conservação do parque escolar, entretanto com os critérios estabelecidos no acordo, estima-se que a verba seja em média pouco mais de 30 mil euros. Mesmo assim, o valor é manifestamente insuficiente para a manutenção e conservação anual de uma escola básica de 2.º e 3.º ciclos ou de uma escola secundária, considerando o elevado estado de degradação de muitas das escolas. Ao longo de anos, o Governo não assumiu a sua responsabilidade e não assegurou uma adequada manutenção e conservação do edificado escolar, por isso, de uma forma geral, o estado de conservação das escolas é mau. Por exemplo, a realização de uma pintura exterior do edificado atinge valores que podem chegar aos 80 mil euros, o que deixa bem evidente que o que é transferido não é suficiente.
Foi elaborada uma lista onde constam mais de 400 escolas que necessitam de uma intervenção de requalificação. Foi estimado que no total é um investimento de mais de 2 mil milhões de euros. De acordo com o Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, o Governo assume o financiamento para a requalificação e construção de escolas. Apesar de o Governo ter afirmado publicamente que há verbas, até ao momento, não há nenhuma informação objetiva para dar concretização a estes investimentos. No acordo entre o Governo e a ANMP refere que o Governo criará um Programa de Recuperação/reabilitação de escolas, mas passados mais de quatro meses da sua assinatura, este Programa ainda não foi criado.
O ratio de assistentes técnicos e operacionais, determinados em portaria, encontra-se desajustado das reais necessidades das escolas. A carência de trabalhadores nas escolas é um dos graves problemas com estas se confrontam. Por outro lado, há já casos, em que estão a ser colocados trabalhadores em escolas contratados através de empresas de trabalho temporário, o que é inaceitável.
O valor da refeição passou de 2,5 euros para 2,75 euros, no entanto, o custo da refeição é superior.
O acordo estabelece que o Governo tinha um prazo de 90 dias para definir e propor a fórmula de financiamento das despesas com o transporte escolar, a fórmula de financiamento das despesas com o equipamento/apetrechamento dos edifícios escolares, novos critérios e a respetiva fórmula de cálculo para a determinação da dotação máxima de referência do pessoal não docente. Mais uma vez o Governo não cumpriu. Não cumpriu agora, como não cumpriu com o que determina o Decreto-lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro. É que tudo isto já constava desse diploma e em três anos o Governo não o fez.
O processo de transferência de competências para as autarquias na área da educação não só constitui uma desresponsabilização do Governo, como confirmou tratar-se de um processo de transferência de encargos para as autarquias, colocando o ónus da não resolução dos problemas sobre estas, num quadro de subfinanciamento e desinvestimento da Escola Pública. Um processo que não contribui para a coesão, muito pelo contrário, introduz mais desigualdades e assimetrias.
A transferência de competências para as autarquias na área da educação não contribui para o reforço da autonomia das escolas.
A Petição n.º 226/XIV/2.ª - Não à transferência de competências para os municípios (municipalização) em Educação, da iniciativa do STAL, ANDAEP, ANDE, FENPROF, CNIPE e FNSTFPS, com mais de 8000 assinaturas, refere que Com o Decreto-Lei 21/2019, o governo pretende transferir para as autarquias competências na área da educação, algumas indevidamente retiradas as escolas e livrar-se de problemas que tem vindo a gerar frequentes e justos protestos e insatisfações de pais, alunos, trabalhadores não docentes e professores. Alem disso, um acréscimo de responsabilidades dos municípios, num quadro de subfinanciamento, porá em causa o direito universal de acesso a uma Escola Publica gratuita e de qualidade. Decisões sobre a organização da educação e do ensino em função das opções seguidas e da disponibilidade de recursos existente em cada município poem em grave risco o carater universal do direito constitucional a educação.” Diz também que “O governo, com o Decreto-Lei 21/2019, ao invés de descentralizar, (re)centraliza, uma vez que transfere para as autarquias e para as CIM competências que hoje são exercidas pelos órgãos de gestão das escolas e agrupamentos.”
E acrescenta ainda que “A experiência, no nosso Pais e no estrangeiro, demonstra que esta opção e um erro, levando ao acentuar de assimetrias entre escolas de diferentes municípios e a desresponsabilização do Estado pelo financiamento publico, pondo em causa a igualdade de oportunidades e comprometendo o direito a uma educação de qualidade para todos.”
As preocupações na área da educação estendem-se à saúde e à ação social. Na saúde a transferência de competências consuma-se através de um auto de transferência e na ação social ainda não foi concretizada. Ainda é tempo de adotar as opções políticas que contribuam de facto para a garantia da universalidade e igualdade, para a coesão e eliminação de assimetrias, e isso passa pela reversão do processo de transferências de competências na área da educação, a partir do próximo ano letivo, para evitar perturbações no decorrer do ano letivo em curso.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, com o objetivo de assegurar a universalidade do direito constitucional à educação e reconhecendo a ausência de condições para o exercício das competências na área da educação pelas autarquias, previsto no Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro na sua redação atual, por não terem sido acompanhadas dos respetivos meios financeiros, técnicos e humanos, recomenda ao Governo que proceda à reversão do processo de transferência de competências na área da educação para as autarquias, a partir do ano letivo 2023/2024.

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