Projecto de Resolução N.º 234/XII-1ª

Retomar a produção de beterraba sacarina em Portugal

Retomar a produção de beterraba sacarina em Portugal

1. A produção de beterraba sacarina em Portugal ‒ um caso exemplar da política de direita

Se há produção agroalimentar exemplar das políticas de direita em Portugal, é certamente a da beterraba sacarina e do açúcar. Uma política que sem soluções de continuidade, esteve presente durante a ditadura fascista, atravessou o 25 de Abril e chegou aos dias de hoje.

Antes do 25 de Abril qualquer política de fomento da cultura de beterraba sacarina no Continente chocava-se frontalmente contra os interesses dos grupos monopolistas nacionais e estrangeiros, que exploravam grandes plantações de cana de açúcar em Angola e Moçambique e as duas refinarias em Portugal.

Com o 25 de Abril criaram-se condições para uma nova política açucareira, baseada no aproveitamento de solos nacionais, designadamente dos vários regadios existentes e do próprio empreendimento de Alqueva, então apenas em projeto.

Mas, logo em 1977, já iniciado o processo de recuperação capitalista, latifundista e imperialista, o governo PS/Mário Soares determinou a suspensão do projeto de introdução da cultura de beterraba, o que o PCP denunciou, nomeadamente na Conferência «A Saída da Crise», realizada em Junho de 1977.

Desde então, a eventual adesão à CEE foi usada como pretexto para travar todos os projetos de uma nova política açucareira.

2. As vicissitudes de um processo onde prevaleceram, contra os interesses nacionais, os lucros dos capitais privados das duas refinarias

A adesão à CEE, em 1986, e todos os desenvolvimentos posteriores, comprovaram, inteira e infelizmente, as análises e os avisos do PCP, sobre as consequências da integração de Portugal na CEE para o sector do açúcar (Conferência do PCP «Portugal e o Mercado Comum», Maio de 1980).

O problema começou com a má negociação da adesão relativamente a esta cultura estratégica. O Acto de Adesão fixou a quota mínima e insuficiente de 60 mil toneladas de açúcar branco (554545,5 de base A e 5454,5 de base B), representando 0,4% da quota comunitária. Mas nem assim arrancou a produção de açúcar em Portugal a partir da beterraba sacarina!

O baixo nível da quota e o protelamento de sucessivos governos do PS e do PSD, com ou sem CDS-PP, levaram a que só em 1996 se procedesse a alguma reconsideração da situação portuguesa (via reforma da OCM do açúcar), com o aumento da quota global em 10 mil toneladas, permitindo assim a rentabilização e finalização do projeto de construção de uma indústria açucareira.

Os 10 anos de atraso na concretização da unidade industrial para transformação de beterraba sacarina, representaram um enorme prejuízo para o País, e um grosso acumular de lucros para as duas refinarias (Tate & Lyle e RAR), que continuaram a importar ramas e açúcar dos países ACP. As margens de lucro por tonelada das duas refinarias rondaram os 302 dólares. Ou seja, cada ano de atraso na construção da nova refinaria, correspondia a cerca de 20 milhões de dólares nos cofres daquelas empresas. Dez anos, 200 milhões de dólares! Isto sem contar com o dinheiro que entregamos a Espanha, que ia transformando nas suas refinarias, a beterraba que, entretanto, se ia produzindo em Portugal!

E extraordinário, foi a “abertura” de sucessivos governos à entrada no capital da entidade/empresa encarregue de desenvolver o projecto da unidade industrial, de capitais das empresas titulares das duas refinarias, que sempre se opuseram ao projeto, RAR e Tate & Lyle! Isto é, tudo fizeram para meter as raposas na capoeira!

E quando em Junho de 1997, entra em funcionamento a unidade industrial, na DAI ‒ Sociedade de Desenvolvimento Agro-Industrial, SA, onde domina o Grupo Açucareiro Italiano SPIR (60%), continuam presentes a RAR e Tate & Lyle (posteriormente Alcântara)!

A concretização do projeto acabou por se fazer com um apoio do Estado (fundos comunitários e nacionais) que rondou os 50 milhões de euros, num investimento global de 80 milhões de euros, ou seja, 60% do total investido!

A construção da refinaria em Coruche e a sua entrada em funcionamento em 1997, foi, mesmo assim, com todos os percalços, uma importante vitória da agricultura portuguesa, apesar da sua produção corresponder apenas a cerca de 20% do consumo nacional de açúcar.

3. A liquidação da produção de beterraba sacarina pelo governo PS, em 2006/2007, pondo o País a importar novamente todo o consumo nacional de açúcar

Mas a história da produção de açúcar em Portugal não podia acabar bem. Durou apenas 10 anos!
Em 2006, a União Europeia reabre o debate sobre a OCM do açúcar no sentido de reduzir a produção europeia de açúcar em 6 milhões de toneladas até à campanha de 2009/2010. Refira-se que a Alemanha e a França têm, por si só, mais de 50% da produção total de açúcar a partir de beterraba na comunidade!

E, neste contexto, o ministro da Agricultura de Portugal, Jaime Silva, com o acordo do seu governo PS/José Sócrates, permitiu a liquidação da produção em Portugal, ao aceitar a imposição da Comissão Europeia de uma redução da quota portuguesa, em 2007, das 70 mil toneladas, para 34 mil toneladas, e em 2008 para 15 mil toneladas! Assim acabando com a produção de beterraba sacarina em Portugal.

Teve o País como prémio de consolação a autorização da Comissão para reconverter a empresa, ficando dedicada exclusivamente à refinação de ramas de cana, o que custou investimentos de adaptação da ordem dos 12 milhões de euros, e um «prémio» para os produtores de beterraba reconverterem a cultura ‒ 6,4 milhões de euros até 2013! Segundo afirmações do então Ministro da Agricultura, Jaime Silva, o País, os produtores de beterraba «não têm razão de queixa»!

Assim, cerca de mil agricultores no Vale do Sorraia (e até no Vale do Mondego) que se tinham especializado na produção de beterraba sacarina, atingindo produtividades elevadas ‒ mais de 90 mil toneladas/hectare ‒ bem acima do nível médio da Europa, abandonaram esta produção, e Portugal voltou a importar ramas de cana de açúcar para produzir algum açúcar em Coruche, para completar os 80% do consumo importado, aumentando o défice agro-alimentar! Deixou igualmente de contar com importantes subprodutos da cultura e da indústria para a alimentação animal. Só prejuízo! Alguém quer saber porque é que o País atingiu os presentes níveis de endividamento?

4. A falta de açúcar na União Europeia e em Portugal em 2010/2011

No 4.º trimestre de 2010, o País é sobressaltado pelas notícias do «racionamento» na aquisição de açúcar, nas lojas da Grande Distribuição.

Em Fevereiro passado a União Europeia acabou de aprovar uma injecção suplementar de 800 mil toneladas de açúcar, acima da quota europeia de produção, sendo 500 mil toneladas de origem europeia e 300 mil de importação de países terceiros (açúcar em bruto ou refinado). A justificação foi a falta de aprovisionamento da Europa em açúcar e os preços especulativos do açúcar e das ramas de cana de açúcar no mercado mundial!

A situação verificada em Portugal e na União Europeia em 2010/2011 demonstra a total irracionalidade da reforma da OCM do açúcar feita em 2006/2007 (menos 6 milhões de toneladas), o que deixou a produção e consumo de açúcar na União Europeia à mercê da especulação internacional! E a enormidade política da retirada a Portugal de 70 mil toneladas, num quadro em que o consumo na União Europeia é de 17,5 milhões de toneladas, 14 milhões (85%) de beterraba e 3,5 milhões (20%) de cana!

As medidas divulgadas pela Comissão Europeia em Outubro passado, relativas á decisão do Comité de Gestão de Produtos Agrícolas de importação dermas de açúcar de cana para responder ao aprovisionamento da União Europeia, na campanha 2011/2012 mostram que o défice é estrutural!

Nada pode explicar ou justificar, que Portugal não produza beterraba sacarina e a transforme em açúcar no País, para o seu consumo interno, numa dimensão proporcional à potencialidade dos seus solos e condições edafo-climáticas para a cultura, criando riqueza, postos de trabalho e reduzindo a importação de açúcar, que rondará os 300 milhões de euros anuais!

Vários são os factos que na atualidade justificam a retoma da cultura de beterraba sacarina em Portugal, por forma a cobrir uma parte significativa do seu consumo de açúcar.

O elevado endividamento externo do País, onde pesa também a contribuição do défice agro-alimentar, é a principal causa da profunda crise económica e financeira que atravessamos. A produção de beterraba poderá dar o seu contributo para a substituição de importações por produção nacional.

O País tem solos disponíveis com regadio, em elevada percentagem não utilizados ou mal aproveitados, que a imprescindível conclusão do grande projecto de Alqueva acrescentará de mais umas dezenas de milhares de hectares, onde a beterraba sacarina tem, como a experiência demonstrou no Vale do Sorraia, todas as possibilidades de sucesso em produções de Primavera e de Outono!

Está em curso uma nova reforma da PAC onde será a oportunidade para que o Estado Português reclame da correção do profundo erro de 2006/2007, com o acesso a uma quota de produção adequada às potencialidades agrológicas do País. Por outro lado, a União Europeia está a fazer importações para assegurar o aprovisionamento de um défice estrutural.

A soberania alimentar de Portugal e os interesses da agricultura portuguesa exigem-no.

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que desde há décadas se bate pela produção de beterraba sacarina em Portugal, que foi o único Partido Político Português que denunciou e reclamou do crime económico levado a cabo pelo governo PS/Sócrates em 2006/2007, propõe que a Assembleia da República, ao abrigo do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, faça ao governo as seguintes recomendações:

1. Uma rápida avaliação das áreas disponíveis de solos com boa potencialidade para a cultura de beterraba sacarina, a acrescentar à área já com óptima experiência da cultura do Vale do Sorraia, nomeadamente com a consideração de terras disponíveis no perímetro de regadio de Alqueva, e na base dessa análise determine as potencialidades de produção;

2. Que, no âmbito da reforma da PAC em curso, tome a iniciativa de apresentar à União Europeia a solicitação formal na base de proposta suficientemente fundamentada das razões do País, reclamando uma quota de beterraba sacarina adequada às potencialidades atrás calculadas de produção nacional, assegurando um auto aprovisionamento não inferior a 50%;

3. A tomada de medidas, inclusive com recurso a fundos comunitários, para que a Fábrica de Coruche possa ser novamente dotada de equipamento para o processamento de beterraba sacarina, em paralelo com a manutenção da atual capacidade para outras ramas.

Assim, considerando os motivos acima expostos, a Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, resolve recomendar ao Governo que retome a produção de beterraba sacarina em Portugal.

Assembleia da República, em 24 de Fevereiro de 2012

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