Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «A resposta necessária à degradação das condições de vida»

A resposta necessária à degradação das condições de vida

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O aumento do custo de vida é um dos problemas que atingem hoje com maior gravidade as condições de vida dos trabalhadores e do povo.

Os preços não param de aumentar, as taxas de juro sobem para valores incomportáveis, os salários e as pensões não aumentam e é a vida dos portugueses que se ressente com a perda de poder de compra. Fazendo contas ao orçamento familiar são muitos aqueles que se vêem forçados a cortar despesas e os cortes são já em alguns casos consumos essenciais. 

Também as micro, pequenas e médias empresas se vêem duramente atingidas, quer com os custos cada vez mais elevados das matérias-primas, da energia e dos combustíveis, quer com a redução do consumo que decorre da perda de poder de compra.

O combate que tem de ser dado ao aumento do custo de vida exige a denúncia das suas causas e responsáveis mas também a afirmação das medidas urgentes que devem ser tomadas para que esse rumo seja travado e invertido.

Exige, desde logo, a denúncia de que o aumento dos preços tem como origem e principal causa a especulação dos grupos económicos e das transnacionais que fazem disparar os preços para fazer disparar os lucros que arrecadam.

Exige igualmente a denúncia de que essa acção dos grupos económicos e das transnacionais, para ser bem sucedida, conta com a cumplicidade e subserviência do poder político submetido ao poder económico. Cumplicidade e subserviência que, no plano europeu, se desenvolve com todo o fulgor a partir da acção da União Europeia e que tem, em Portugal, expressão particularmente evidente na convergência entre PS, PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega, quer na garantia aos grupos económicos das condições que lhes permitem continuar a desenvolver a sua acção especulativa, quer na recusa de toda e qualquer solução ou medida que ponha em causa os seus interesses e objectivos.

Neste quadro, assume particular relevo e destaque o papel e a intervenção do nosso Partido, apontando um caminho alternativo, propondo soluções que correspondem às necessidades dos trabalhadores, do povo e do País, dinamizando a luta e alargando a exigência de medidas imediatas que respondam a estes problemas mas também de uma política alternativa patriótica e de esquerda que corresponda a uma resposta mais ampla a um conjunto igualmente mais amplo de problemas nacionais.

Avaliando com rigor as dificuldades que estão a ser impostas ao povo e ao País mas também os recursos e meios existentes para lhes fazer face, o PCP levou já à Assembleia da República um conjunto de medidas de emergência para combater o aumento do custo de vida e o agravamento das injustiças e desigualdades e continuamos a bater-nos por essas soluções.

Propomos a reposição e valorização do poder de compra dos trabalhadores e reformados por via do aumento geral dos salários e das pensões e reformas, o aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional para 800 euros bem como o reforço das prestações sociais.

Lutamos por medidas concretas para travar o aumento dos preços como o tabelamento ou fixação de preços de bens essenciais, designadamente energia, combustíveis e bens alimentares, incluindo a possibilidade de fixação de preços abaixo daqueles que são hoje praticados, fazendo reverter os aumentos verificados; o controlo de preços sobre os produtos do cabaz alimentar essencial, articulando com os necessários apoios à produção e a garantia do pagamento do valor justo aos produtores.

Insistimos na necessidade de garantir o cumprimento dos direitos sociais, em particular nas áreas da habitação, da saúde e da educação e para isso propomos a fixação de um tecto máximo de 0,43% para a actualização das rendas em 2023, bem como o congelamento das rendas do regime da renda apoiada; a fixação de um spread máximo a praticar pela Caixa Geral de Depósitos para conter o aumento dos encargos suportados pelas famílias com o crédito à habitação; a aprovação de um regime de suspensão da execução de hipotecas e dos despejos; a contratação de profissionais de saúde para o SNS garantir o efectivo direito à saúde das populações com a valorização das suas carreiras e condições profissionais; a contratação e a valorização das carreiras dos trabalhadores da área da educação, para ultrapassar as actuais carências de professores, mais uma vez patente neste início do ano lectivo, marcado pelo elevado número de alunos, mais de 80 mil, com a falta de pelo menos um professor a uma disciplina. Batemo-nos ainda por medidas que assegurem uma mais justa distribuição da riqueza, designadamente com a tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos, bem como pelo apoio à produção nacional.

Algumas destas propostas estarão em discussão esta semana e voltarão a confrontar a maioria absoluta do PS e todos os outros partidos que à sua direita se lhes têm juntado ao longo dos tempos na recusa das soluções necessárias à vida dos trabalhadores e do povo. 

A subida generalizada dos preços é o resultado directo, por um lado, da liberalização dos mercados que permite aos grupos económicos fixarem preços a seu bel-prazer e, por outro lado, da política de direita que é cúmplice da especulação e que se confirma, de forma cada vez mais flagrante, como o caderno de encargos determinado pelo poder económico para cumprimento pelo poder político ao seu serviço.

Ao mesmo tempo que garantem aos grupos económicos todas as condições para que possam impor os aumentos de preços a que temos assistido, PS, PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega convergem na recusa do aumento dos salários e das pensões necessário para repor e valorizar o poder de compra dos trabalhadores e dos reformados.

O resultado desta política está à vista no agravamento das injustiças e desigualdades.

Para os grupos económicos este é um tempo de ouro em que acumulam milhares de milhões de euros de lucros. Para os trabalhadores e o povo este é um tempo de preocupações e dificuldades, em que se somam angústias de cada vez que se fazem contas para pagar a renda ou o empréstimo da casa, o material escolar dos filhos, as despesas do supermercado ou da farmácia, os custos com o gás, a electricidade ou os combustíveis.

Só nos primeiros seis meses do ano os seis maiores bancos acumularam 1300 milhões de euros de lucros e as grandes empresas cotadas na bolsa mais de 2300 milhões. Em contraste com esse “El Dorado" da especulação, a inflação no ano de 2022 poderá significar para um reformado com 700 euros de reforma uma perda superior a 50 euros mensais e mais de 700 euros anuais e para um trabalhador com um salário de 900 euros uma perda superior a 65 euros mensais e mais de 940 euros anuais.

Há mais de um ano que os preços aumentam de forma generalizada. Antes era a epidemia que servia de pretexto para a especulação, agora é a guerra que cumpre esse papel.

Tal como o PCP alertou, é hoje uma evidência que a política das sanções em que a União Europeia e os governos dos países que dela fazem parte embarcaram por ordem dos Estados Unidos está a garantir lucros milionários às multinacionais e a ter consequências desastrosas para os povos da Europa pelo ricochete económico e social que se tem abatido sobre as economias e as condições de vida. Essa é uma responsabilidade que tem de ser assacada à União Europeia e àqueles governos, incluindo o Governo português, que se submeteram às opções e estratégia de domínio dos Estados Unidos. Mas nada disso pode iludir que, já antes do agravamento da guerra na Ucrânia, os preços dos combustíveis, da energia, das matérias-primas, dos bens alimentares e de outros bens essenciais subiam a um ritmo preocupante. Isso já acontecia antes e continua a acontecer porque a verdadeira origem do aumento dos preços está na acção dos grupos económicos em busca dos lucros e no recurso à especulação para os alcançar, seja com o pretexto da epidemia, seja com o pretexto da guerra e das sanções.

Sendo essa a origem dos aumentos dos preços, é com medidas de controlo e fixação de preços que esses aumentos podem e devem ser travados e revertidos. E se, entretanto, por via da especulação, os grupos económicos acumularam já lucros milionários à custa do empobrecimento do povo, então esses lucros devem ser taxados de forma a que possam reverter para o povo e ser utilizados na resposta às suas dificuldades.

É nesse sentido que vão as soluções que o PCP tem defendido com o tabelamento ou fixação de preços de bens essenciais na energia, nos combustíveis, nos bens alimentares e noutros bens essenciais; com o acesso às tarifas reguladas do gás e da electricidade e a sua definição em termos adequados; com a aplicação universal da taxa de 6% de IVA à electricidade e ao gás; com a subsidiação dos factores de produção nos sectores produtivos; com o controlo das margens dos grandes operadores do sector da distribuição alimentar e logística.

Defendemos ainda a aplicação de uma taxa extraordinária aos lucros das grandes empresas para que se consiga uma maior justiça fiscal com a sua tributação efectiva mas também para que o Estado possa dispor dos recursos financeiros que tanta falta fazem aos serviços públicos, designadamente ao SNS e à Escola Pública, bem como ao investimento na habitação e noutras respostas a necessidades do povo que correspondem a funções sociais do Estado.

O mesmo acontece com o aumento geral dos salários e das pensões.

Há muito que o PCP insiste na necessidade de aumento dos salários como emergência nacional, bem como das pensões, alertando para a urgência dessas medidas face à necessidade de valorizar o trabalho e os trabalhadores, o seu poder de compra e condições de vida mas também considerando as preocupações com o aumento da inflação e os seus impactos na degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo. 

Essa foi, aliás, uma das questões que mais pesou na discussão do Orçamento do Estado para 2022 e que conduziu à rejeição da proposta apresentada pelo Governo PS.

Muitos dos que então não compreenderam o voto contra do PCP nesse Orçamento do Estado apercebem-se hoje de que tínhamos razão e a realidade aí está a demonstrar, com cristalina clareza, que era o PCP quem lutava pelos direitos dos trabalhadores e dos reformados enquanto o PS olhava para eles como meras peças de um jogo eleitoral cujo desfecho todos conhecemos.

As propostas apresentadas pelo Governo como sendo de apoio aos trabalhadores e aos reformados são verdadeiramente reveladoras da desconsideração do PS pelas dificuldades que uns e outros têm vindo a enfrentar.

Relativamente aos trabalhadores, o Governo PS não só mantém a mesma recusa de aumento geral dos salários que já em 2021 assumia como pretende agora confirmar uma perda acentuada do valor dos salários em 2022. Ao propor o pagamento de uma prestação única no valor de 125 euros a trabalhadores que poderão ter perdas reais de rendimento anual superiores a 700 euros, o Governo assume que a sua política de rendimentos é a imposição de uma política de perda de poder de compra por decreto.

Mesmo sabendo que a sua recusa de aumento geral dos salários tem agora como consequência amarrar as vidas dos trabalhadores e das suas famílias a uma perda de poder de compra que pode atingir, só no ano de 2022, mais de 7%, com todo o lastro de degradação social e económica que daí advém, o Governo PS insiste nessa recusa porque a isso obriga o cumprimento do caderno de encargos que os grupos económicos definiram ao poder político a eles subordinado.

É essa, aliás, a razão que leva PS, PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega a convergirem nesta matéria, tal como convergem na recusa das medidas de controlo e fixação de preços e de todas as outras que coloquem os direitos dos trabalhadores e do povo à frente dos objectivos dos grupos económicos.

Quanto aos pensionistas, a gravidade do que é proposto pelo Governo PS não é menor.

Na verdade, a proposta do Governo PS para os reformados e pensionistas impõe-lhes um corte definitivo no poder de compra. Pagando, em Outubro de 2022, uma prestação única correspondente a meia pensão, o Governo compensa menos de metade do poder de compra perdido pelos reformados e pensionistas durante todo o ano. Não satisfeito com isso, o Governo pretende ainda usar esse valor pago em Outubro como pretexto para não cumprir a lei de actualização das pensões, cortando em definitivo a partir de Janeiro de 2023 o valor a que os reformados e pensionistas teriam direito por aplicação dessa lei.

No caso de um reformado com uma reforma de 500 euros, uma inflação de 7% significa uma perda de 35 euros mensais, totalizando 490 euros de perda anual. Esse reformado receberá em Outubro apenas 250 euros para compensar a perda dos 490 perdidos ao longo de 2022 e, ainda por cima, em Janeiro de 2023 terá uma actualização da sua pensão para 522 euros quando deveria passar a receber 540 euros. Com a agravante de que este corte que é feito em Janeiro de 2023 tem consequências por todos os anos daí em diante.

Estas opções do PS de cortar poder de compra aos reformados contrastam com as decisões que nos últimos anos, por influência decisiva do PCP, permitiram o aumento extraordinário das pensões e do poder de compra dos reformados e esse contraste tem de ser assinalado. Tal como tem de se assinalar a circunstância de o Governo PS repetir hoje as mesmas justificações que antes usaram PSD e CDS, invocando a sustentabilidade da Segurança Social para não cumprir a lei de actualização das pensões e fazendo a mesma política de ataque aos reformados e pensionistas. E nesta manobra parece que vale tudo, inclusive manipular dados e estudos.

Agora que a maioria absoluta trouxe de volta em pleno a velha política do PS talvez tenha redobrada importância fazer dois sublinhados.

O primeiro para relembrar que, como a história recente demonstrou, a sustentabilidade financeira da Segurança Social se assegura com mais emprego, menos precariedade e melhores salários, devendo acrescentar-se a diversificação das suas fontes de financiamento. Utilizar o argumento da sustentabilidade financeira para cortar pensões e prestações sociais, além de constituir uma falsidade, constitui um retrocesso às concepções com que Sócrates, Passos e Portas infernizaram a vida a milhões de portugueses com as suas políticas dos PEC e do Pacto de Agressão da Troika.

O segundo para sublinhar que a lei de actualização das pensões, que está em vigor há já 16 anos, sempre foi aplicada quando o seu resultado era o congelamento das reformas e é agora, que o seu resultado podia ser diferente para os reformados, que o Governo PS decide suspender novamente a sua aplicação. Não há justificação que o Governo arranje que possa diminuir a dimensão desta fraude do PS aos reformados.

Hoje, como ontem, o caminho a percorrer terá de ser o da luta por uma política que sirva os reformados e pensionistas, que sirva os direitos e interesses dos trabalhadores e do povo, uma política alternativa patriótica e de esquerda capaz de responder aos problemas nacionais e assegurar a Portugal um caminho soberano de desenvolvimento, paz, progresso e justiça social.

Convictos de que, apontando o caminho que serve aos trabalhadores e ao povo, cumprimos o nosso papel, continuaremos firmes e determinados na exigência e na luta por essas soluções, na luta pela política alternativa patriótica e de esquerda.

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