Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

«Respeitar o direito dos povos de afirmarem a sua soberania e o seu direito ao progresso»

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Primeiro-Ministro,

O processo de saída do Reino Unido da União Europeia, vulgarmente designado por Brexit, sendo um fator demonstrativo da crise da União Europeia, está, como outros fatores demonstrativos do mesmo facto, a ser instrumentalizado não só por um maior aprofundamento do processo de integração capitalista europeu, mas também por uma maior concentração de poder no diretório das potências europeias.

Ao mesmo tempo, este processo negocial está a ser transformado num verdadeiro ataque aos direitos do povo britânico, que, sob as mais diversas formas e nos mais diversos sentidos, tem sido visado com um caminho de pressão no sentido da ameaça de perda de direitos sociais e laborais, perda de um conjunto de condições de vida e de trabalho que, necessariamente, são motivo de preocupação para o povo britânico e que não podemos aceitar como forma de expressão que são de um processo de chantagem e de condicionamento do povo britânico.

Obviamente que o caminho tem de ser outro, o de respeitar a vontade do povo britânico num processo que não deve servir para subverter essa vontade e essa decisão soberana assumida pelo povo britânico e em que é central a necessidade de acautelar não só os interesses de Portugal num quadro de relacionamento bilateral histórico que existe entre os dois Estados mas também, como é óbvio, os direitos dos cidadãos portugueses que residem e trabalham no Reino Unido.

Sr. Primeiro-Ministro, um aspeto relevante nesta discussão — e que, de resto, já ouvimos hoje durante o debate pela voz do Sr. Deputado Miguel Morgado — é a tentativa de colocar toda a contestação à União Europeia no mesmo saco do nacionalismo e da extrema-direita, o que, obviamente, não podemos aceitar.

Aliás, esta comparação que o Sr. Deputado Miguel Morgado procurou fazer entre as posições que assumem aqueles que são os herdeiros do fascismo e as posições daqueles que são os herdeiros de quem combateu o fascismo durante o século XX, de facto, só pode servir para branquear as posições da extrema-direita, para procurar aligeirar o sofrimento e o martírio que o fascismo, no século XX, causou aos povos europeus. Obviamente que essa é uma perspetiva que não podemos aceitar.

De resto, Sr. Primeiro-Ministro, julgamos que o Brexit não é nem nacionalismo, nem extrema-direita. Encerrar essa decisão do povo britânico nessa conclusão e confundi-la com o nacionalismo e as posições da extrema-direita é, de facto, dar força à extrema-direita e ao status quo da União Europeia.

Existe, de facto, um grande afastamento e um grande descontentamento dos povos europeus em relação à União Europeia, mas esse descontentamento e esse afastamento têm raízes nas políticas e nas opções de destruição de direitos sociais e laborais, promovidas pela União Europeia.

Procurar reconduzir o descontentamento e o afastamento dos povos em relação à União Europeia às posições e às propostas da extrema-direita significa não só negar as raízes objetivas desse descontentamento e desse afastamento da União Europeia, mas também branquear as posições da extrema-direita, que, Sr. Primeiro-Ministro, são opostas às dos povos europeus quando afirmam o seu descontentamento.

Quando os povos europeus afirmam descontentamento em relação à União Europeia é porque exigem mais liberdade, mais democracia, mais desenvolvimento, mais progresso e mais justiça social. Obviamente que as posições da extrema-direita, opondo-se à União Europeia, vão exatamente em sentido contrário: impõem menos democracia, menos liberdades, menos desenvolvimento e piores condições de vida para os trabalhadores e para os povos.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, isto levanta a necessidade de enfrentar essas raízes objetivas que estão na origem do descontentamento dos povos em relação à União Europeia e que se encontram nas imposições dos partidos — algumas das quais tivemos, de resto, oportunidade de discutir no debate anterior — que resultam das regras do euro e da União Económica e Monetária, da governação económica, que amarram a soberania dos povos e que os impedem de decidir por si o melhor caminho para o seu desenvolvimento e progresso, que têm destruído as economias nacionais, em particular de países como Portugal.

Quando falamos com os portugueses que trabalham nos mais variados setores produtivos — na agricultura, na pesca, na indústria —, verificamos que há uma identificação muito clara entre a destruição da capacidade produtiva do nosso País e as imposições europeias que nos têm sido colocadas ao longo de décadas e que têm conduzido a esta situação.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que está colocada é a de saber como é que se dá a resposta adequada ao descontentamento que os povos manifestam em relação à União Europeia, defendendo, ao mesmo tempo, a soberania dos povos, o seu direito ao desenvolvimento, ao progresso, à justiça social e à sua soberania.

Isso exige, necessariamente, a afirmação dessa alternativa que é preciso colocar à União Europeia, uma alternativa de relações de cooperação, de paz e de progresso na Europa, em respeito pela soberania e pelo direito dos povos.

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