Intervenção de

Resíduos sólidos urbanos - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Racionalização dos sistemas multimunicipais para a gestão dos resíduos sólidos urbanos

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O
País está efectivamente confrontado com um problema no que toca à
gestão dos resíduos sólidos urbanos. Os atrasos na adaptação do País
aos métodos adequados de tratamento destes resíduos chegou a
colocar-nos em posições de significativa dificuldade ambiental.Portugal, embora numa trajectória positiva de eliminação de lixeiras, encontra-se agora numa situação
de esgotamento a prazo das estruturas disponíveis para o armazenamento
de resíduos sólidos urbanos, bem como num cenário ainda de insuficiente
progresso no que toca à aplicação de técnicas de reciclagem.Parte
dos aterros sanitários do País está, neste momento, esgotada na sua
capacidade de armazenamento e a grande parte dos restantes encontra-se
próxima do esgotamento, com as consequências óbvias que daí advirão a
desenharem-se num futuro próximo.Apesar
desta situação verificada, a produção de resíduos sólidos urbanos não
foi ainda alvo de políticas e práticas de redução minimamente
eficientes e capazes de a limitar, principalmente numa altura em que,
pelas condições e características dos estilos de consumo e da própria
evolução demográfica e geográfica, a produção destes resíduos tende a
aumentar a um ritmo acelerado.Além
desse trabalho ser manifestamente insuficiente e irregular, a vertente
de reciclagem e revalorização também se encontra num estádio de
desenvolvimento atrasado. Muitos são os sistemas que não dispõem de
infra-estruturas funcionais para proceder quer à recolha selectiva de
resíduos sólidos urbanos quer ao seu tratamento por via da reciclagem.O
projecto de resolução que o PSD hoje aqui apresenta, por via de um
agendamento potestativo e a que decidiu atribuir a suposta capacidade
de racionalizar os sistemas multimunicipais para a gestão de resíduos
sólidos urbanos, é na verdade um plano de total reestruturação dos
actuais sistemas, com vista a objectivos não tão explícitos quanto
parecem.O que é grave, no entanto, é que o PSD parece ter esquecido um pequeno pormenor. É que
é a própria lei que atribui ao poder local a competência de gerir o
tratamento de resíduos sólidos urbanos e de determinar a política
subjacente a essa gestão, nomeadamente através da fixação de tarifas,
até da sua aplicação, ou não, e também da escolha da forma como procede
a esse tratamento.

O que o PSD propõe é que toda a experiência actual, onde milhões e milhões de euros e
bastante dedicação foram empenhados por parte das autarquias locais,
seja agora, à revelia da autonomia de que gozam as próprias autarquias,
totalmente desprezada. Na prática, o PSD propõe que os sistemas
intermunicipais, que actualmente são ainda fortemente influenciados por
cada autarquia, passem a ser estruturas a que as autarquias aderem mas
cuja política e modelo de gestão não podem escolher.

Obviamente,
o actual sistema carece de melhoramento, de ajustes e pode sofrer
optimização e até racionalização. Porém, o que não pode é justificar
que o PSD queira sobrepor-se e sobrepor esta Assembleia a todo o poder
de decisão das autarquias e dos seus órgãos próprios.

Mas durante a análise do projecto de resolução n.º 119/X, do PSD, não encontrámos só este atropelo.

A
própria proposta implícita de passar a cobrar as tarifas
correspondentes ao tratamento de resíduos sólidos urbanos com base no
consumo energético é também contrária ao respeito pela determinação da
política de tarifas de cada autarquia.

O
PSD confunde aqui duas coisas: uma delas são os compromissos das
autarquias perante os sistemas a que recorrem e a outra é a forma como
cada autarquia decide colocar o problema aos seus munícipes.

E
não ficamos por aqui. O ajuste a que o PSD chama de «fusão criteriosa»,
designadamente concentrando os actuais 29 sistemas multimunicipais e
intermunicipais em apenas cinco, de contornos geográficos pouco
justificados, pode introduzir disparidades regionais graves. Esta
reestruturação é, isso sim, uma proposta no sentido de criar as
condições necessárias para tornar mais apetecível ainda este sector
para os negócios privados. Aliás, já nos habituámos a que palavras como
«sustentabilidade» sejam utilizadas para esconder «negócio» e «obtenção
de lucro», o que fica até claro com a proposta de intervalo de preços
aqui sugerida, que é equivalente aos preços mais elevados actualmente
praticados no País.

Esta organização territorial obedece a critérios estritamente económicos que nada têm a ver com os interesses das populações.

Para
uma empresa pode ser bem mais lucrativo e rentável adquirir terrenos no
interior do País para lá tratar e depositar os resíduos sólidos dos
centros urbanos, mas talvez esse seja o objectivo com que o PSD propõe
esta distribuição geográfica.
 O PSD apresenta-nos um projecto de resolução que manifestamente está longe de ter como principal preocupação a questão social e ambiental.

A
solução para o actual problema, que de facto existe, não passará por
ultrapassar as competências do poder local autárquico nem pela
concentração dos actuais sistemas em outros que podem a qualquer
momento ser privatizados.
Por
último, a questão das chamadas eco-taxas. Não podemos ignorar que
existe, na realidade, um problema de acentuada disparidade de taxas e
preços praticados por tonelada tratada, resultado da conjugação de
diversos factores como o transporte, o próprio tratamento e as medidas
ambientais necessárias ao funcionamento de aterros e outras estruturas.
O PSD propõe, contudo, a criação de um fundo que possa servir a
perequação para garantir o equilíbrio entre custos pelas diversas
regiões do País. Na prática, o PSD aponta para uma nova taxa que a
todos atingiria, caso fosse aplicada.

No
nosso entender, não é com medidas avulsas desta natureza que se
resolvem os problemas das graves assimetrias regionais. Se o PSD está,
hoje, verdadeiramente empenhado em procurar minimizar os malefícios da
política praticada pelos sucessivos governos — grande parte da sua
responsabilidade —, então, o caminho nunca será o de soluções
parcelares mas a adopção de uma política estratégica que, assente numa
melhor distribuição das verbas do Orçamento do Estado e dos fundos
comunitários, permita o efectivo desenvolvimento das regiões até hoje
mais penalizadas. Este não é um problema que se resolverá com soluções economicistas a que já nos habituaram nem com perspectivas de privatização.

Aqui
vem, mais uma vez, o PSD fazer o jeito ao Governo, ansioso que está
este por encetar um processo semelhante ao aqui hoje exposto. Esta
visão é claramente partilhada entre PS e PSD: tornar rentável e afastar
do poder local a capacidade política de gerir o tratamento dos resíduos
sólidos urbanos. Só assim se garante a rentabilidade de um sistema que,
no cumprimento dos seus compromissos para com os grandes grupo
económicos que intervêm nesta área, PS e PSD querem segurar.
Da
parte do PCP, continuaremos a bater-nos por um serviço de recolha e
tratamento de resíduos sólidos urbanos eficaz e ambientalmente
adequado, capaz de garantir o bem-estar das populações juntamente com
um baixo-custo de serviço, enquadrado na gestão pública e encarado
enquanto serviço públicoessencial às populações 

(…)

 Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
Quem tem de indicar as autarquias é quem tem de sustentar o seu projecto.

Sr.
Deputado, gostaria de lhe dizer que nem todas as autarquias optaram
pelo mesmo modelo de gestão. E, mais, elas optaram pelo modelo de
gestão, não lhes foi imposto, ainda que muitas vezes contra as
«correntes» que lhes estavam a tentar limitar os movimentos. Ora, este
projecto de resolução é mais uma «pedra» para limitar essa capacidade
de opção das autarquias.
Dizem que o que propõem é exactamente igual ao que existe hoje, quando, na prática, propõem
que todos os sistemas se agrupem em cinco, cuja distribuição geográfica
até é aqui explicada, ainda que pouco fundamentada e sem quaisquer
justificação, e também já disse que não tem apresentar estudos, que
poderiam ficar para outra altura.

Sr.
Deputado, não nos parece legítimo dizer que todas as autarquias
pretendem fusões. Mais: podem até existir fusões necessárias, podem
existir concentrações positivas, mas podem não ser estas nem ser
decretadas desta forma.
Portanto, não é justo dizer que as autarquias querem a fusão, para justificar este projecto de resolução.

Sobre
a questão da Empresa Geral de Fomento, a nossa posição é clara:
privilegiamos os sistemas intermunicipais, entendemos caber às
autarquias definir a política com que colocam este problema aos seus
munícipes e, portanto, os sistemas intermunicipais seriam fortemente
limitados por esta sua proposta.  

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