Projecto de Resolução N.º 88/XII (1.ª)

Resíduos perigosos depositados nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova

Resíduos perigosos depositados nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova

Recomenda ao Governo a remoção urgente dos resíduos perigosos depositados nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova, o seu tratamento e deposição em aterro adequado, bem como a monitorização da qualidade das águas superficiais e subterrâneas desta freguesia e a recuperação ambiental a paisagística do local

1. As denúncias de uma situação atentatória da saúde pública e o silêncio de responsáveis

Foi no final de 2002, há quase nove anos, que o Grupo Parlamentar do PCP tomou, pela primeira vez, a iniciativa de confrontar o Governo da altura com a situação que tinha envolvido a criação de um depósito de resíduos perigosos provenientes da antiga fábrica da Siderurgia Nacional, na Maia, e com as consequências para a saúde pública decorrentes da sua manutenção no Alto do Gódeo, em S. Pedro da Cova, no Concelho de Gondomar.

Essa iniciativa surgiu na sequência de uma visita ao local de deputados do Grupo Parlamentar do PCP, realizada no último trimestre de 2002, depois de constatada a total ausência de respostas dos responsáveis governamentais do Ministério do Ambiente a denúncias do Executivo da Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova que tinha resultado das eleições autárquicas do final do ano anterior.

Antes disso, em Outubro/Novembro de 2001, há quase dez anos, análises laboratoriais mandadas realizar por iniciativa de cidadãos residentes na freguesia, alguns deles eleitos da Coligação Democrática Unitária na Assembleia de Freguesia de S. Pedro da Cova, - na qual, recorde-se, o PSD era nessa altura maioritário -, apontavam já para a perigosidade dos resíduos e para o seu alto teor de cádmio e de chumbo, em valores muito superiores aos permitidos por lei. Não obstante os resultados destas análises, a Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova continuou, durante o último trimestre de 2001, a reiterar o seu desconhecimento do problema, tendo-se mantido até ao final do mandato, (em meados de Janeiro de 2002), sempre indiferente perante as denúncias relativas aos perigos para a saúde pública provocados pelo aterro de resíduos perigosos que continuava a ser feito nesta freguesia do Concelho de Gondomar.

As análises mandadas realizar por iniciativa desse grupo de cidadãos, em laboratório oficialmente reconhecido, confirmavam, de forma inapelável, a perigosidade dos resíduos e davam sustentação aos que, nessa altura, contestaram o licenciamento do “aterro” e tentaram evitar a continuação e conclusão da deposição de milhares de toneladas desses detritos perigosos nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova. No entanto, e não obstante essas análises terem sido remetidas para o Ministério do Ambiente e outras entidades, a verdade é que os responsáveis governamentais e municipais que intervieram na tramitação de todo este processo não deram qualquer seguimento à denúncia pública do crime ambiental que ali estava a ser cometido.

A única excepção foi a Provedoria de Justiça, a quem aqueles cidadãos também enviaram o relato fundamentado da respectiva indignação, e que deu uma resposta bem elucidativa – tratada aqui de forma autónoma – embora só tenha sido recebida pelos interessados mais de dois anos depois.

O mesmo silêncio e a mesma passividade foram as respostas do Ministério do Ambiente ao novo Executivo da Junta de Freguesia saído das eleições de Dezembro de 2001, agora da responsabilidade política do PCP, o qual, integrando alguns dos atrás referidos cidadãos, passou a liderar, desde Janeiro de 2002, todo o processo de denúncia e de contestação ao aterro do Alto do Gódeo, tendo na altura remetido exposições sobre a situação para os diferentes Grupos Parlamentares, para o Ministério do Ambiente, para a CCdRNorte, para a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território e para a Câmara Municipal de Gondomar.

O mesmo desprezo sucedeu no final de 2002, quase um ano depois, quando, como atrás já foi assinalado, o PCP, dirigiu uma pergunta ao então Ministro do Ambiente, que também incluía cópias das análises atrás referidas. Também o Grupo Parlamentar do PCP nunca obteve qualquer resposta a esta denúncia.

Parece, portanto, inquestionável que nunca os sucessivos dirigentes e altos funcionários da então Direcção Regional do Ambiente e do Ministério do Ambiente, no ano de 2001 e também durante todo o ano de 2002, deixaram, aparentemente, de dar cobertura a um licenciamento ilegítimo concedido em Julho de 2001, que claramente beneficiava os interesses de uma empresa, (ou duas, a URBINDÚSTRIA e a Vila Rei), altamente interessadas na operação.

O mesmo silêncio, aparentemente cúmplice, voltou a ocorrer dois anos mais tarde, em 2004, quando o PCP voltou a insistir com uma nova iniciativa parlamentar, no essencial reapresentando a pergunta feita dois anos antes. Também aqui, os responsáveis do Ministério do Ambiente nunca responderam ou fizeram alguma coisa para fazer cumprir a legislação a que estavam (e estão) obrigados: avaliar a perigosidade dos detritos, (que legalmente tinha que ser feita e confirmada), como agora fica bem patente e óbvio pelas recentes conclusões do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, divulgadas em Março de 2011.
Em síntese: não obstante as dúvidas fundamentadas que sempre existiram e foram atempadamente transmitidas, em diversas ocasiões, por diversos intervenientes e entidades públicas, houve seguramente (pelo menos) alguns responsáveis do Ministério do Ambiente, directamente responsáveis pelo processo de tramitação do licenciamento deste famigerado aterro, que parece terem fechado, deliberada e intencionalmente, os olhos, dando cobertura a um licenciamento feito na base de informações e estudos errados ou totalmente insuficientes, elaborados ou mandados executar por interessados/beneficiários na realização do depósito dos resíduos e na captação de milhões de euros de fundos comunitários que financiaram a operação.

2. O contrato entre a URBINDÚSTRIA, SA e a Vilarei, SA e o projecto de “reabilitação ambiental” das antigas minas em S. Pedro da Cova

Os trabalhos de remoção dos resíduos perigosos da Siderurgia Nacional, na Maia foram promovidos pela URBINDÚSTRIA, SA, empresa de capitais públicos à qual o Estado Português, entre outras, atribuíra a responsabilidade da gestão dos resíduos que se encontravam depositados naquela fábrica.

Em 22 de Maio de 2001, a empresa URBINDÚSTRIA, SA, estabeleceu com o Consórcio Terriminas Sociedade Industrial de Carvões, SA/ VilaRei Promoção Imobiliária, SA, um contrato através do qual este consórcio se obrigava a retirar, transportar e depositar em “local aprovado, e nas condições aprovadas, os resíduos de pós de despoeiramento do forno eléctrico acumulados na Fábrica da Maia da Siderurgia Nacional”, sendo que esse local seria o “previsto no projecto de recuperação ambiental e paisagística da escombreira das antigas minas de S. Pedro da Cova, no Concelho de Gondomar”, projecto esse submetido pelo consórcio às entidades oficiais e devidamente aprovado, como constava da “certidão de 14 de Março de 2001, da Câmara Municipal de Gondomar, e do ofício de 27 de Abril de 2001 da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte”.

Por este contrato o Consórcio receberia uma quantia de 7000$00, (34,92€), por cada tonelada de resíduos “carregados, transportados e depositados” nas antigas minas de S. Pedro da Cova, sendo que os trabalhos deveriam ter início em 1 de Junho de 2001 e estar concluídos em seis meses.

É, portanto, no desenvolvimento desta incumbência atribuída pelo Estado à URBINDÚSTRIA que surge este contrato de Maio de 2001 com a empresa imobiliária Vila Rei – Promoção Imobiliária, SA.

Esta empresa, contudo, tinha já muito antes apresentado, em 1 de Junho de 2000, ou seja, quase um ano antes da data daquele contrato, um pedido de autorização dirigido ao então Director Regional do Ambiente do Norte para “efectuar a primeira fase da recuperação das antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova através da utilização de um tipo de resíduos inertes – designados por pós de despoeiramento existentes e armazenados, desde há anos, nas instalações da Siderurgia Nacional”.

Na mesma data, e através do mesmo ofício, a Vila Rei, Promoção Imobiliária, SA, entregara também na Direcção Regional do Ambiente do Norte o projecto “de recuperação ambiental e paisagística da escombreira de S. Pedro da Cova” para o local onde iria ser feita a deposição dos resíduos perigosos. Deste projecto constava igualmente um “Estudo de Incidências Ambientais”, tudo realizado por uma mesma empresa contratada para o efeito pelo “consórcio”.

Deste projecto vale a pena destacar alguns elementos.

Em primeiro lugar, a referência à realização de um levantamento topográfico que permitira estimar “a existência de um volume global de cerca de 65000 m3 de material, correspondente a cerca de 97500 toneladas” (página 19). Depois, e quanto à “caracterização dos pós de despoeiramento existentes na Siderurgia Nacional (SN)”, (página 26 e seguintes), a Vila Rei, SA refere a existência de um “diagnóstico ambiental” efectuado entre 1996 e 1997 pela empresa Tecninveste, que tinha concluído que “os pós acumulados apenas possuíam um teor de níquel inferior ao valor-limite de concentração, sendo todos os outros metais superiores aos valores-limite”; não obstante esta constatação, o projecto apresentado considerou (página 31) que, “na opinião dos autores”, o facto de os resíduos terem estado depositados ao ar livre na SN durante mais de quatro anos após a realização daquele “diagnóstico ambiental” da Tecninveste, teria permitido uma lixiviação capaz de os tornar relativamente inertes. Esta tese terá sido apresentada e confirmada pelos (próprios) autores do projecto através de amostras recolhidas em 11 de Abril de 2000 (…).

Foi face ao conteúdo deste “projecto” e da documentação apresentado pela Vila Rei – Promoção Imobiliária, SA, que a então Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte aprovou, em 20 de Julho de 2001, o “pedido de parecer para autorização de operações de gestão de resíduos – projecto de valorização de resíduos inertes como material de enchimento/empréstimo na recuperação ambiental e paisagística da escombreira das antigas minas de S. Pedro da Cova – Gondomar” e autorizou a realização deste criminoso aterro nas antigas minas de carvão de S, Pedro da Cova.

Importa ainda recordar que o licenciamento deste aterro foi feito pela Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território do Norte quando o titular da pasta do Ambiente era José Sócrates, depois Primeiro-Ministro.

Com ficou bem expresso, o referido projecto para a “recuperação e valorização ambiental da zona”, sustentava que essa recuperação ambiental se faria à custa de “resíduos inertes”, facto que tivera que demonstrar através da apresentação de elementos e estudos comprovativos das condições enunciadas, evidentemente falsos, ou, no mínimo, totalmente deturpados face aos resultados tão evidentes apresentados pelo Laborátório Nacional de Engenharia Civil, em Março de 2011. A mesma contradição existia também na altura da apresentação do projecto pela empresa Vila Rei, SA, (não obstante o lapso de tempo decorrido), com os resultados das análises mandadas fazer à Tecninveste pela própria Siderurgia Nacional, em 1996, que também não deixavam dúvida quanto à perigosidade dos resíduos.

E se dúvidas houvesse sobre a nula fiabilidade dos estudos (ou análises…) apresentados pela Vila Rei, Promoção Imobiliária, SA para sustentar que os efeitos da lixiviação teriam transformado em resíduos inertes os resíduos que em 1996/1997 a Tecninveste havia considerado perigosos, basta ler o relatório da “actualização da auditoria ambiental realizada em 1996”, que essa empresa (a Tecninveste) fez para a Siderurgia Nacional – Empresa e Produtos Longos, SA, em Fevereiro de 2001 (isto é, oito meses depois da Vila Rei, SA ter apresentado o seu projecto à então DRAOT-N). Os resultados desta “actualização” – como se pode ver a seguir - tornam bem claro o que parece ser uma manipulação dos resultados apresentados pela Vila Rei no seu “projecto de recuperação ambiental e paisagística” das antigas minas de S. Pedro da Cova.

Dizia a Tecninveste, em Fevereiro de 2001, que “apesar de durante os anos que decorreram se poder ter verificado alguma lixiviação de metais pesados dos pós do despoeiramento, verifica-se que, em termos da sua composição, os resíduos devem ser considerados perigosos para deposição em aterro, em termos do seu teor em zinco.” E reproduzindo sempre textualmente o relatório da “actualização da auditoria ambiental”, a Tecninveste diz ainda que “devido à elevada lixiviação do chumbo, os pós terão de sofrer uma operação de inertização prévia antes de poderem ser depositados num aterro de resíduos perigosos. Assim, se não for possível efectuar a valorização dos pós do despoeiramento acumulados, nem for permitida a sua selagem no local, os pós terão de ser previamente inertizados antes de serem depositados num aterro, o qual terá de ser um aterro para resíduos perigosos, mesmo após a operação de inertização”.

Nem houve inertização, nem o aterro do Alto do Gódeo foi alguma vez aterro de resíduos perigosos! E, como fica bem patente, os resíduos removidos da Siderurgia da Maia pela Vila Rei, SA nada tinham de inertes, ao contrário do que esta empresa sempre sustentou e a então Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território piamente aceitou, sem verificar…

Sem que isso dispensasse o exercício cabal de competências e atribuições que estavam (e estão) cometidas à ex-DRAOT e a todas as autoridades ambientais, estranho é também o facto de, nem a URBINDÚSTRIA, nem a própria Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Norte, terem sido formalmente informadas pela Siderurgia Nacional deste relatório de actualização do diagnóstico ambiental realizado pela Tecninveste em Fevereiro de 2001…

Não obstante este facto, insiste-se no essencial: mesmo admitindo esta estranha omissão informativa, a simples constatação – bem conhecida dos responsáveis da então Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território – de que a proveniência dos resíduos era a Siderurgia Nacional, deveria ter bastado para fazer duvidar altos funcionários e dirigentes dessa Direcção Regional sobre a questionável fiabilidade dos estudos apresentados e sobre a mais que controversa classificação, como resíduos inertes, feita pela própria empresa responsável pela transferência desses resíduos para S. Pedro da Cova.

Esses altos responsáveis e dirigentes da então Direcção Geral de Ambiente e Ordenamento do Território não podiam (ou não deveriam) desconhecer a existência de muitos milhares de toneladas de resíduos na antiga Siderurgia Nacional que esta mesma empresa, a meio da década de noventa, reconhecia “precisarem de ser inertizados antes de serem depostos em aterro devidamente selado” (…)

Os resultados recentemente determinados pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil sobre o teor dos resíduos depositados neste aterro de S. Pedro da Cova, mostra bem a completa falácia da tese sustentada pela empresa beneficiária do licenciamento, tão acriticamente (ou convenientemente?) aceite pelos dirigentes da então Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território que, em 2001, analisaram o processo do aterro e o viabilizaram.

3. Da auditoria da Inspecção Geral de Finanças

Um outro conjunto de questões que adensam as dúvidas sobre a transparência associada a todo este processo relativo ao transporte e deposição de resíduos perigosos da Siderurgia Nacional para a antiga freguesia mineira do Concelho de Gondomar, tem a ver com o custo final da operação, com a determinação da quantidade de resíduos efectivamente transportada da Maia para Gondomar e, necessariamente com o desempenho da URBINDÚSTRIA e as suas relações com o consórcio integrado pela Vila Rei, SA.

A Inspecção Geral de Finanças, por despacho do então Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, (n.º 515/04, de 13 de Abril de 2004), realizou uma auditoria de certificação de diversas facturas, entre outras e em parte substancial, as emitidas pelo Consórcio Terriminas Sociedade Industrial de Carvões, SA/Vila Rei, Promoção Imobiliária, SA, no valor de € 10 203 630 com pagamento reclamado à Direcção Geral do Tesouro pela URBINDÚSTRIA, SA.
Diz, (a páginas 11 e seguintes), a Inspecção-Geral de Finanças na sua análise da certificação das facturas emitidas pelo Consórcio responsável pelo depósito de resíduos perigosos nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova, que “durante o período de cerca de nove meses (desde Junho de 2001 a Fevereiro de 2002), as quantidades totais registadas e facturadas pelo pelo Consórcio totalizaram 321 619 toneladas (?!!!), …, correspondentes a cerca de 175 400 m3”.

Lembra logo depois a IGF que uma auditoria ambiental concluída em Fevereiro de 1997, (pela Tecninveste), tinha efectuado um levantamento topográfico que “permitira estimar um volume global de cerca de 65000m3, o que, na base de uma densidade de cerca de 1,5 tonelada por m3, deveria corresponder a cerca de 97 500 toneladas” (…).
Face a este facto e à ausência de justificações, a IGF concluiu em termos sintéticos, entre outras, as seguintes orientações e princípios: O Estado seria apenas inequivocamente responsável pela remoção de 97500 toneladas, sendo que a URBINDÚSTRIA “não só permitiu que continuassem a ser removidos os pós para além desse valor previsto como não diligenciou no sentido de serem devida e tempestivamente esclarecidas as responsabilidades de cada um dos intervenientes no processo”. Não obstante esta premissa, a IGF considerou e concluiu que, atendendo a toda a documentação existente, o Estado e a Direcção Geral do Tesouro deveriam apenas pagar facturas que totalizam €5 020 871,79 correspondentes ao carregamento, transporte e deposição em aterro de 120 250 toneladas de resíduos, ou seja, deveriam apenas ser pagas facturas totalizando um pouco menos de 50% do valor reclamado e correspondendo a cerca de 37% do total que o Consórcio e a URBINDÚSTRIA dizem ter sido transportado.

O facto da actuação da URBINDÚSTRIA, SA, na fiscalização e acompanhamento do contrato que estabeleceu em Maio de 2001 com o Consórcio Terriminas Sociedade Industrial de Carvões, SA/Vila Rei, Promoção Imobiliária, SA, não ter, segundo esta auditoria de certificação realizada pela IGF, salvaguardado “de forma adequada os interesses do Estado que corre o risco de vir a suportar, de forma directa ou indirecta, custos que lhe não seriam imputáveis”, mostra bem a falta de transparência de todo este processo de licenciamento do transporte e deposição dos resíduos perigosos da SN para as antigas minas de S. Pedro da Cova.

4. À intervenção da Provedoria de Justiça.

Por ofício de 5 de Maio de 2004, a Provedoria de Justiça, respondeu finalmente aos cidadãos de S. Pedro da Cova que, no final de 2001, se lhe tinham dirigido, reclamando contra o aterro das antigas minas de S. Pedro da Cova com resíduos perigosos provenientes da antiga Siderurgia Nacional, da Maia.

A Provedoria de Justiça interveio junto da antiga Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Norte (entretanto integrada na Comissão Coordenadora e Desenvolvimento Regional do Norte), “no sentido de conhecer a fiscalização exercida sobre a actividade reclamada”, acrescentando que o fez “até obter respostas satisfatórias”, o que justifica a demora na sua própria resposta aos reclamantes.

Diz também a Provedoria de Justiça que, na sequência da sua intervenção, foi feita uma vistoria ao local, tendo-se suscitado “dúvidas acerca da natureza dos resíduos, motivo que levou a determinar à empresa responsável que apresentasse um plano de amostragem e de caracterização do material”, sendo que, em Fevereiro de 2004, se “tinham observado valores significativos de crómio e de chumbo nas águas subterrâneas o que justificou ordem de selagem do depósito e a sua impermeabialização, operação que iria ser acompanhada pelos serviços próprios da CCDRN”.

Este ofício ganha ainda maior relevância em 2010 quando, logo após a divulgação de uma reportagem da TVI, (em 7 de Junho de 2010), e de subsequentes reacções por parte de diversas entidades e forças partidárias, a CCdRN emite, com data de 15 de Junho de 2010, um “esclarecimento” onde, depois de recordar que o destino final de resíduos da Siderurgia Nacional em depósito nas antigas minas de S. Pedro da Cova tinha sido “objecto de um procedimento de autorização da CCDRN que ocorreu em 2001”, afirma que “embora a CCdRN não tenha conhecimento de qualquer documento tecnicamente válido que conclua pela perigosidade dos resíduos em causa, a mera possibilidade de existirem resíduos perigosos depositados em aterro nas antigas minas de S. Pedro da Cova … reclama uma acção que esclareça cabalmente sobre a natureza e características dos mesmo resíduos, que a CCdRN desencadeará de imediato”.

Ora, como bem mostra o ofício da Provedoria de Justiça de Maio de 2004, a existência de dúvidas sobre a natureza dos resíduos já existia de forma expressamente assumida no início de 2004, tanto que, repete-se, se determinou à empresa Vila Rei ordem de selagem do depósito e a sua impermeabilização, numa operação que iria ser fiscalizada e acompanhada pelos próprios serviços da CCdRN (de acordo com o atrás citado texto do ofício da Provedoria de Justiça dirigido aos reclamantes que se lhe tinham dirigido em 2001/2002).

Das duas, uma: ou a informação pública produzida em 15 de Junho de 2010 pelos actuais responsáveis da CCdRN deturpava a verdade de forma voluntária, (o que não concebe e se não pretende de todo configurar), ou parte da tramitação deste processo terá sido omitida aos responsáveis que emitiram aquele “esclarecimento público”.

Fica, entretanto, sem se saber muito bem se a ordem de selagem e de impermeabilização, a que se refere a carta da Provedoria de Justiça de Maio de 2004, foi ou não alguma vez dada à empresa Vila Rei, SA. O que se sabe de forma pública e notória é que nenhuma impermeabialização e selagem do aterro de resíduos perigosos efectuado pela empresa Vila Rei no Alto do Gódeo, nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova, foi efectuada, nem pela empresa adjudicante, nem por qualquer outra entidade, a seu mando ou a mando da CCdRN.

5. A audição parlamentar com a ex-Ministra do Ambiente e os resultados das análises do LNEC

Foi também por iniciativa do PCP que, em Julho de 2010, a então Ministra do Ambiente foi à Assembleia da República para debater na Comissão Parlamentar competente, a situação ambiental e de saúde pública criada na freguesia de S. Pedro da Cova por este depósito de resíduos perigosos.

Foi também durante o debate então ocorrido que a então Ministra Dulce Pássaro anunciou, finalmente, que iria mandar proceder a uma análise sobre a perigosidade dos resíduos depositados entre 2001 e 2002 em S. Pedro da Cova.

Foi, assim, na sequência de novas iniciativas públicas da Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova – que, sublinhe-se, nunca deixou esmorecer nem esquecer este problema – e de mais esta iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, que o Governo, (e o Ministério do Ambiente), acabaram por reconhecer a incorrecção de procedimentos anteriores e anunciaram ir fazer o que já devia ter sido feito dez anos atrás.

Os resultados das análises realizadas pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, apresentados publicamente pelos responsáveis da Comissão Coordenadora da Região Norte em Março de 2011, são verdadeiramente demolidores e dão bem a dimensão do crime cometido em S. Pedro da Cova entre 2001 e 2002, crime ambiental estranhamente consentido e silenciado durante tantos anos, sucessivamente por um Governo do PS, (desde 2000 a 2002), por um outro do PSD/CDS, (desde 2002 a 2005), e, finalmente por um novo Governo do Partido Socialista, (de 2005 até meados de 2010).

Os resultados divulgados pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil mostram, então, que os níveis de chumbo dos resíduos (considerados inertes em 2001 pela empresa Vila Rei, SA…), estão muito acima do limite permitido por lei, (“elevadas concentrações de chumbo em valores muito superiores aos permitidos por lei em 24 das 29 amostras realizadas”) sendo que, de acordo com a legislação nacional e comunitária há muito existente – mesmo à data dos acontecimentos atrás descritos -, resíduos de uma tal natureza só poderiam ter sido depositados em aterro próprio e depois de tratamento especial.

O LNEC avaliou também em cerca de 88 mil as toneladas de resíduos perigosos depositados em S. Pedro da Cova entre 2001 e 2002, não obstante se saber que a empresa responsável pela transferência destes resíduos terá declarado que efectuou o transporte e deposição de uma quantidade muito maior de resíduos, na ordem das três centenas de milhar de toneladas, pela qual terá também sido paga através de dinheiros públicos com origem predominantemente comunitária.

6. A remoção e tratamento dos resíduos e a atribuição de responsabilidades

Face a estes resultados, tão dramaticamente claros e irrefutáveis, os actuais responsáveis pela CCdRN determinaram, em Março de 2011, em conformidade com as conclusões apresentadas pelo LNEC, a remoção total dos resíduos, o seu tratamento e posterior colocação num outro aterro preparado especificamente para albergar resíduos desta natureza e perigosidade; determinaram também a monitorização da qualidade das águas subterrâneas na Freguesia de S. Pedro da Cova, com vista à prevenção e protecção da saúde pública e a necessidade de se proceder à requalificação ambiental e paisagística das antigas minas de S. Pedro da Cova, aliás uma das prioridades na programação de intervenções na área ambiental, em toda a Região Norte.

Entretanto, face aos resultados agora apurados, e tendo em conta toda a tramitação muito pouco transparente do processo ao longo de vários anos, designadamente as suspeitas e a opacidade que rodearam muitas das decisões e as dúvidas relativas a quantidades transportadas e pagas, importa que sejam responsabilizados criminalmente todos os que dolosamente tenham participado nessa tramitação e na (aparente) ocultação, (ou na não exigência prevista em legislação), de elementos essenciais relativos à instrução do licenciamento do aterro.

Importa também que se apurem as responsabilidades funcionais, administrativas e políticas de todos os que calaram e silenciaram as denúncias de diversos cidadãos, do Grupo Parlamentar do PCP e, a partir de 2002, da Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova, enfim, de todos os que se tenham demitido do cumprimento obrigatório da lei ao longo destes quase dez anos.

Importa finalmente, e no fundamental, que as determinações anunciadas na sequência da divulgação das conclusões da análise do Laboratório Nacional de Engenharia Civil sejam agora devidamente calendarizadas e adequadamente providas financeiramente.

Na sequência do que havia sido anunciado, a CCdRN participou os factos ao Ministério Público, sabendo-se que, relativamente às eventuais responsabilidades criminais de intervenientes no processo de licenciamento deste aterro de resíduos perigosos em S. Pedro da Cova, a Procuradoria-Geral da República determinou já a abertura da correspondente investigação, cujo desenlace se aguarda e se deseja célere para que ninguém possa eventualmente beneficiar de regimes de prescrição.
Esta iniciativa não pode, contudo, fazer paralisar todo o processo relativo à remoção dos resíduos perigosos que, por evidentes razões de saúde pública, tem de avançar com urgência e adequado financiamento, sem prejuízo de ulteriores responsabilidades que venham a ser atribuídas pela investigação mandada efectuar pela Procuradoria-Geral da República. Tal como não pode fazer esquecer os compromissos e recomendações para avançar com a monitorização das águas subterrâneas eventualmente afectadas pela lixiviação dos metais que integram a composição dos resíduos, nem pode fazer esquecer a necessidade de retomar a urgência da recuperação ambiental e paisagística do local.

7. A remoção dos resíduos, a urgência da monitorização das águas subterrâneas e a requalificação das antigas minas de S. Pedro da Cova. O financiamento destas operações.

Segundo notícias vindas recentemente a público, os responsáveis da CCdRN já terão elaborado e aprovado os cadernos de encargos necessários ao lançamento do concurso público internacional para a operação de remoção dos resíduos, respectivo tratamento e sua transferência para aterro próprio, e ainda para permitir avançar com a avaliação e monitorização da qualidade das águas subterrâneas e superficiais.

A remoção destes resíduos perigosos é absolutamente urgente e não é aceitável que sofra mais delongas ou atrasos. Aliás, os próprios responsáveis do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, no momento em que apresentaram publicamente os resultados das análises que haviam efectuado, afirmaram que a remoção dos resíduos deveria ser efectuada até ao final do actual período estival, o que manifestamente já não vai ocorrer.

A operação de remoção, tratamento de resíduos e sua posterior colocação em aterro próprio para resíduos perigosos, ainda segundo informações públicas prestadas por responsáveis da CCdRN, envolve uma estimativa orçamental um pouco acima dos seis milhões de euros, constitui um trabalho que pode demorar vários meses, (pelo que terá ser executada no ano de 2012), e tem obrigatoriamente de ser objecto de um concurso internacional, podendo e devendo ser beneficiária de uma candidatura a fundos comunitários que possa captar uma comparticipação europeia rondando os cinco milhões de euros.

Neste quadro, e numa fase em que se prepara o Orçamento do Estado para o ano de 2012, importa que desde já se definam prioridades políticas relativas ao investimento público a concretizar no próximo ano, entre as quais não pode, a nenhum título, estar afastada a necessidade de resolver de vez um crime ambiental inquestionável, evitando que as suas consequências para a saúde pública continuem a colocar em risco a população de S. Pedro da Cova e permitindo que esta freguesia possa finalmente ter um plano sustentável de requalificação ambiental e paisagístico das suas antigas minas de carvão.

Por outro lado, [e partindo do princípio – de acordo com o que foi tornado público pela CCdRN - que foi já definida a metodologia a utilizar para efectuar a análise da qualidade das águas subterrâneas e superficiais potencialmente afectadas], importa que a monitorização avance de imediato, desconhecendo-se mesmo as razões pelas quais esta operação, essencial do ponto de vista do conhecimento dos riscos actuais para a saúde pública e das consequentes acções de prevenção e aconselhamento de comportamentos adequados da população, não está já no terreno.

Finalmente, importa assegurar que após a remoção dos milhares de toneladas de resíduos perigosos que durante cerca de uma década afectaram os solos e as águas desta freguesia de Gondomar, colocando em risco a saúde pública dos seus mais de 17000 habitantes, se retome a requalificação ambiental e paisagística das escombreiras das antigas minas de S. Pedro da Cova, recuperando um projecto de recuperação do local que agora assume um âmbito e dimensões significativamente maiores, exigindo, em consequência, meios financeiros mais vultuosos.

Por tudo o que ficou dito, e tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo:

1. O lançamento urgente do concurso público internacional para a remoção, transporte, tratamento e ulterior deposição de todos os resíduos perigosos que foram depositados em 2001 e 2002 nas antigas minas de carvão de S. Pedro da Cova.

2. A apresentação de uma candidatura ao QREN para o financiamento da operação descrita no número anterior, cujo valor global está estimada em valores rondando os seis milhões de euros.

3. A inclusão no Orçamento do Estado para 2012, em Programa do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, das verbas necessárias a assegurar a comparticipação nacional exigível para a realização desta operação de remoção, transporte, tratamento e depósito dos resíduos perigosos depositados em S. Pedro da Cova.

4. A concretização efectiva e urgente de um plano de monitorização da qualidade das águas subterrâneas e superficiais em S. Pedro da Cova.

5. A subsequente aprovação, financiamento e concretização, em conjunto com a Câmara Municipal de Gondomar e com a Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova, de um plano de requalificação ambiental e paisagística das antigas minas de carvão localizadas nessa freguesia, sujeito a candidatura a apoiar pelo QREN.

Palácio de S. Bento, em 27 de Setembro de 2011

  • Ambiente
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução