Intervenção de

Reorganização curricular do ensino básico e revisão curricular do ensino secundário<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente, Senhores membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados,As apreciações parlamentares que o Partido Comunista Português formulou e que hoje são objecto de debate, constituem, na nossa opinião mais uma oportunidade para que o governo e particularmente o grupo parlamentar do Partido Socialista reconheçam que apresentaram, de costas voltadas para o país, um vasto conjunto de alterações ao Sistema Educativo que evidenciam um profundo desconhecimento da realidade que faz o dia a dia das escolas portuguesas.O governo do Partido Socialista conseguiu, sem dificuldade, que professores, educadores, investigadores, estudantes, pais e encarregados de educação, em total sintonia, se manifestassem contra as reformas propostas.O governo do Partido Socialista conseguiu ficar a falar consigo próprio e a este solilóquio chamar diálogo.Os diplomas agora publicados são o espelho fiel de uma tutela que se auto-considera dona e senhora das únicas soluções possíveis, porque superiormente iluminada.Só assim de entende que o senhor Ministro da Educação continue a afirmar que toda a comunidade educativa foi ouvida e também o Conselho Nacional de Educação e, simultaneamente, todos estes interlocutores afirmem não reconhecer as suas propostas, as suas opiniões nos diplomas agora publicados.Senhor Presidente, Senhores membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados,Estamos perante um conjunto de processos pouco transparentes e mais ou menos silenciosos.Inicialmente o governo declarava que não haveria reformas, nem revisões mas sim pequenos ajustes à anterior reforma ainda em curso.Logo depois considerava que afinal havia revisão mas não reforma. Entretanto propunha-se e impunha-se em algumas escolas do ensino básico experiências de gestão flexível de currículos sem que os intervenientes fossem informados dos objectivos das alterações propostas.Simultaneamente eram enviados para as escolas formulários (tipo pergunta/resposta ou seleccione colocando uma cruz) que passariam a constituir, na opinião do Ministério da Educação, objecto de prova de um diálogo amplo, rigoroso e aprofundado com os professores.Tudo isto seria menos grave se não estivéssemos a falar de profundas reformas no Sistema Educativo.Tudo isto seria menos grave se os objectivos prioritários de toda e qualquer reforma do Sistema Educativo - a qualidade da formação e o sucesso do sistema - fossem tidos em conta.Mas não é assim. O governo do Partido Socialista defende um conjunto de alterações que se sustentam numa menor responsabilidade da administração central face às condições de financiamento, de equipamento e de oferta curricular das escolas, protelando o combate às desigualdades sociais, propiciando a elitização do sistema e questionando uma verdadeira igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativos das crianças e dos jovens.Os diplomas hoje em apreciação estão de tal modo desfasados da realidade que, só por si, constituirão o maior obstáculo a uma séria e rigorosa intervenção nos Ensinos Básico e Secundário que tenha por objectivo uma mudança qualitativa destes níveis de ensino e que é indispensável.A reforma prevista para o Ensino Básico decorre da generalização de uma experiência que tinha como âmbito, exclusivamente, uma gestão flexível dos currículos.Não foi objecto de nenhuma avaliação, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto aos resultados obtidos.Fundamentar uma reforma de toda a escolaridade obrigatória numa mera gestão flexível de cargas horárias é no mínimo preocupante e didáctica e pedagogicamente questionável.Esta decisão poderá vir a produzir resultados manifestamente desiguais de escola para escola, em função do número de horas que é atribuído a cada disciplina, com inevitáveis reflexos em termos de desigualdade de aprendizagens por parte dos alunos.No 1º ciclo do Ensino Básico, as novidades têm carácter optativo e de acordo com as condições existentes nas escolas, questionando, claramente, a igualdade, a equidade e a universalização a todas as crianças das medidas propostas.Dito de uma outra forma - propõem-se escolas de primeira e de segunda qualidade.Relativamente à reforma proposta para o Ensino Secundário, ela assenta em opções formuladas em abstracto o que obrigaria, no mínimo, em nome do bom senso, à existência de um período experimental prévio que permitisse avaliar da sua adequação à realidade do funcionamento das escolas que temos.O governo do Partido Socialista não pensa assim e daí que o 10º ano entrará em vigor em Setembro de 2002 e o ciclo de mudança terminará em Julho de 2005. Depois logo de verá.E o período de experimentação é tão mais necessário, quando, ao nível do Ensino Secundário, se inscrevem tal como para o Ensino Básico, algumas propostas propiciadoras da desigualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativos dos alunos.A indefinição da permeabilidade entre os cursos gerais e os cursos tecnológicos e a indeterminação sobre as condições de acesso ao Ensino Superior por parte dos jovens que concluam os cursos tecnológicos podem constituir marcas de selectividade social inaceitáveis.Estas são algumas das razões das inúmeras críticas formuladas às propostas conta-gotas que o Ministério da Educação tem vindo a colocar, com habitualmente, nos órgãos de comunicação social, no decurso dos últimos meses.Pensando, naturalmente, que gota a gota a aceitação seria facilitada e que a publicação dos decretos-lei não sofreria contestação.Perante as primeiras críticas o ex-responsável pela pasta da educação escreveu, a todos os alunos, garantindo-lhes que as suas sugestões seriam objecto de atenção.Agora, publicados os diplomas, e da atenção nem indícios, o actual responsável da tutela opta por uma comunicação mais individualizada, escrevendo à Sara que frequenta o 10º ano e que, naturalmente não será "cobaia" desta reforma.Ou será que no fim do ciclo terá essa inesperada surpresa?!Naturalmente que todos os jovens que frequentam o Ensino Secundário, exigem, no mínimo, que o Senhor Ministro da Educação explique, se for possível explicar, porque se abrem vagas em cursos "onde o mercado de emprego está saturado e a empregabilidade se está a revelar reduzida" e se mantém praticamente inalterado o numerus clausus em áreas profissionais grandemente deficitárias e portanto aptas a receber todos os licenciados que o sistema educativo produzir. Mas a falta de informação e a informação distorcida não têm limites.O Sr. Ministro da Educação não explica nada e demonstra não saber o que se passa no país.Chegando a perguntar à Sara se "alguém na tua escola te impôs o curso em que andas, ou alguém te recusou a matrícula no que tu e um número mínimo de colegas teus queriam?"Sr. Ministro, basta ler as estatísticas publicadas e descobrirá quantos milhares de jovens não frequentam os cursos que desejariam, exactamente porque o Governo do Partido Socialista prometeu e não cumpriu.Mas com as reformas agora previstas pelo governo do Partido Socialista, a instituição das desigualdades de oportunidades passam a existir em todos os níveis do sistema - desde o 1º ciclo do Ensino Básico à entrada no Ensino Superior.Como diz a Sra. Secretária de Estado da Educação - a reforma fornece "um menu" mas "cada estabelecimento vai abrir os cursos que puder..."E até o Sr. Ministro já tem a certeza da impossibilidade de concretização das inúmeras medidas propostas.Porque tem obrigação de saber e sabe como toda a comunidade educativa que pouco ou nada está feito para assegurar algum sucesso às reformas anunciadas.Porque sabe, o Sr. Ministro já foi avisando que quase tudo está por fazer.É um Manifesto tardio mas esclarecedor.Diz o Senhor Ministro da Educação que faltam: os currículos, a avaliação, os programas, a organização e o apetrechamento das escolas, a exigência de maiores recursos humanos e de maior qualidade, a formação dos professores, a informação às escolas, aos estudantes e às famílias.Então Sr. Ministro da Educação, Senhores Deputados do Partido Socialista,Como é possível, perante este diagnóstico, propor ao País uma reforma sem pés para andar?Como é possível propor ao País uma reforma que não passará, na sua quase totalidade, de intenções inscritas no papel?Senhor Presidente, Senhores membros do Governo, Senhores Deputados,Enunciámos todas as razões que, na nossa opinião, justificam a cessação de vigência dos decretos-lei em apreciação.A aprovação pela Assembleia da República das nossas propostas permitirá, estamos confiantes, iniciar de forma não irreflectida, não voluntarista e não auto-suficiente uma intervenção desejada por todos os interlocutores - professores, pais, encarregados de educação e estudantes.

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