Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

A “reorganização” curricular de PSD/CDS e a degradação do ensino

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Declaração política de critica à política educativa
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Depois de criado um certo furor em torno de uma suposta reestruturação, reforma ou revisão curricular, que se apresentava como uma «autêntica reforma do ensino orientada para a qualidade e para a exigência», eis que «a montanha pariu um rato»!…
Afinal de contas, estamos perante um ajuste do currículo ao Orçamento. O Governo não apresenta, nem teve essa intenção, uma visão estratégica para o sistema público de ensino; antes encontra as medidas avulsas necessárias para ir buscar os 102 milhões de euros com que se comprometeu com as forças ocupantes do FMI e da União Europeia.
Uma reforma curricular e uma revisão curricular verdadeiras exigem uma ampla e profunda participação dos agentes educativos — dos professores, dos estudantes, dos pais e do próprio sector científico; exigem uma ponderação e um tempo, um debate alargado e a sua associação a uma estratégia bem definida.
A política educativa dos últimos governos, tanto pela mão do PS, como agora pelas mãos do PSD e do CDS, tem vindo a assentar precisamente numa visão oposta, estritamente economicista, buscando, por essa via, encontrar o pretexto político para o desmantelamento da escola pública como a conhecemos e como a construímos a partir da Revolução de Abril.
Este é mais um passo nesse caminho de destruição. A estratégia do Governo para a escola pública é a ausência de uma estratégica. Com medidas desgarradas, desestruturadas, economicistas, cegas, injustas, vai degradando a escola no seu todo. Abandona-se, progressiva mas aceleradamente, a orientação para a formação da cultura integral do indivíduo e acentua-se o papel da escola como a «antecâmara da exploração e da submissão».
Depois de continuar com a constituição de mega agrupamentos, de aumentar o número de alunos por turma, de permitir que os contratos de milhares de funcionários nas escolas terminem sem horizonte de renovação, de persistir na organização lectiva que retirou dezenas de horas em créditos para as actividades circum-escolares, de fazer alastrar o desemprego entre os professores, este Governo vem demonstrar que não passa de um executante, de um bom aluno da tróica, esquecendo-se de que, em Portugal, quem vota não é o FMI, o BCE ou a Comissão Europeia!
Quem votou foram os milhares de professores que pensavam que o PSD e o CDS defendiam a suspensão da avaliação, os milhares de professores a quem PSD e CDS garantiram não pôr fim ao par pedagógico em educação visual e tecnológica.
Quem votou foram os pais e as mães a quem PSD e CDS disseram não tolerar mais sacrifícios. Eis, pois, que, afinal, PSD e a sua «muleta» de extrema-direita despedem professores, roubam salários e subsídios a pais, funcionários e professores, extinguem disciplinas sem fundamento, põem fim ao par pedagógico em EVT, aos desdobramentos de turmas em aulas de Ciências Naturais e Físico-Química, entre outras muitas malfeitorias que, a pretexto de uma revisão, não são mais do que um ajustamento aos mandamentos da tróica.
Uma real e desejada revisão ou reforma curricular tem de ser realizada com uma visão ampla e nacional do sistema de ensino, subordinada apenas aos objectivos da melhoria da qualidade e aos objectivos constitucionais.
O Governo ignora a Lei de Bases do Sistema Educativo, deixando de fora do currículo do 1.º ciclo do ensino básico as expressões artísticas e a actividade físico-motora, e nos restantes ciclos de ensino tudo o que faz apenas denuncia o objectivo de poupar, de despedir professores e de degradar a qualidade!
Não é possível, ao contrário do que tenta vender Nuno Crato, resolver os problemas educativos mais graves da Europa com o orçamento para a educação mais baixo da Europa!
Um ano de pré-escolar longe da universalidade e que deveria ser obrigatório, mas não é!
Um 1.º ciclo que continua a desenvolver-se em escolas degradadas nos centros das grandes cidades e em escolas distantes das pequenas povoações do interior, e que perde a oportunidade de integrar conteúdos, como prevê, aliás, a Lei de Bases do Sistema Educativo!
Um 2.º e um 3.º ciclos depauperados, com menos professores, menos funcionários, reduzidos à doutrina de saber ler, escrever e contar!
Um secundário assente na triagem entre a profissionalização de «banda estreita» e o prosseguimento de estudos para quem possa pagar, agora igualmente fragilizado por este remendo aos currículos feito pelo Governo.
Quando se exigia uma resposta audaz para vencer as dificuldades, eis que o Governo desiste da educação. Ao invés de apostar na escola como factor para a emancipação individual e colectiva, aceita a concepção retrógrada imposta pela tróica, que vê a escola pública como um empecilho, um gasto supérfluo!
Foi contra essa perspectiva de miséria, de um Governo ao serviço de interesses alheios a Portugal e antidemocráticos que o PCP apresentou um projecto de resolução para alargamento do prazo de discussão pública da chamada reforma curricular, permitindo que todos se mobilizem contra esta nova «machadada» na escola pública e que professores, pais e estudantes possam participar num processo que se quer maturado e democrático, e não, como pretende o Governo, imposto unilateralmente, rapidamente e em força!
Foi também contra esta perspectiva de submissão que o PCP apresentou na Comissão de Educação, Ciência e Cultura um requerimento para que a Assembleia da República faça o que o Governo não quer fazer: uma audição pública para uma real reforma curricular, requerimento que será votado amanhã de manhã, em Comissão nesta Assembleia.
Para o PCP, alargar o prazo de discussão pública e realizar uma audição pública são exigências colocadas a esta Assembleia para que não se faça passar por «reforma curricular» o que é apenas um ajuste de horários para o despedir professores!
Foi e será contra essa política de destruição da escola pública, de afronta aos professores e de ataque aos direitos dos estudantes que o PCP, dentro e fora da Assembleia da República, se bateu e se baterá!
Esta luta precisará da voz de todos os ofendidos: dos professores do quadro, dos professores contratados ainda mais agredidos, dos pais, dos funcionários e dos estudantes, dizendo e mostrando que não abdicam dos seus direitos e da escola pública, gratuita e de qualidade para todos. Nessa luta, contarão, certamente, como até aqui, com o PCP!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Amadeu Soares Albergaria,
Foi o Ministério da Educação e Ciência que começou por, na sua apresentação deste debate, dizer logo quem é que queria excluir dele… Nem sequer foi o PCP que aqui veio acusar… Foi o próprio Ministério que disse que nesta matéria nem sequer lhe interessa ouvir os sindicatos, que são curiosamente a maior organização de professores que existem a Portugal!…
Portanto, bem pode fazer esse esforço ou essa tentativa de peripécia, de tentar fazer crer que, da parte do Ministério, existe toda a disponibilidade…, porque eu também lhe digo, Sr. Deputado, que estranho essa «disponibilidade toda» para ouvir quando, ainda na terça-feira passada, os senhores impediram a discussão de um requerimento do PCP para que se realizasse uma audição pública ouvindo todas as pessoas, todos os agentes nesta Assembleia da República.
Esperemos que até amanhã vão a tempo de repensar essa estratégia e de viabilizar essa audição pública, que, curiosamente, o PSD não propõe e não me parece que venha a propor…!
Sr. Deputado Amadeu Soares Albergaria, dizer que está empenhado no debate alargado com todas as pessoas e com todos os agentes é directamente oposto, é contraditório com o próprio prazo que o Ministério da Educação e Ciência definiu para a discussão púbica.
Vamos lá ver: então, o Ministério propõe aquilo a que chama uma «grande revisão para a qualidade, para a excelência» — aliás, mais tarde disse que era cirúrgica…, mas já percebemos que afinal é mesmo só para despedir professores… —, apresenta-a como uma revisão curricular e quer que num mês, até 31 de Janeiro, se definam as bases para uma nova matriz curricular, para uma «nova forma de estar (de acordo com o Governo) no sistema público de ensino»?…
Aí está também a fragilidade dessa «disponibilidade toda» para discutir!…
Querem que num mês, mês esse coincidente com a pausa lectiva de Natal, o lançamento das notas dos alunos e as avaliações, com um trabalho nas escolas que corresponde à mudança do 1.º para o 2.º período, querem que durante esse mês as escolas tenham a capacidade de participar efectivamente, empenhadamente num alargado debate sobre a questão mais fundamental do ensino que é a organização curricular e a organização dos ciclos?!…
Sr. Deputado, tenha a bondade de reconhecer que é um processo expedito de imposição e não é um processo de envolvimento. Aliás, veremos a disponibilidade do PSD para viabilizar a proposta do PCP para uma adição com todos os agentes.
Sr.ª Deputada Ana Drago,
Como sabe, o PCP apresentou, na terça-feira passada um projecto de resolução nesta Assembleia para o alargamento do prazo de discussão pública desta iniciativa, e mais: o PCP, prevendo que a maioria parlamentar utilizará alguns expedientes para não viabilizar essa audição, anunciou que o próprio Grupo Parlamentar do PCP realizará, de forma descentralizada pelo País, um conjunto de audições a todos os agentes educativos que queiram partilhar com o PCP e com a Assembleia da República, através do PCP, as suas opiniões sobre esta matéria.
É porque não vamos brincar com esta matéria, que é o cerne de todo o sistema público educativo!!
O PSD e o CDS, muitas vezes com o apoio do PS e a com a política que o PS tem praticado, querem uma escola para a submissão, querem uma escola para a exploração!
Fazemos aqui um desafio não à Sr.ª Deputada Ana Drago mas ao PSD e ao CDS-PP: recordem as escolas técnicas, recordem os liceus, recordem o «ler, escrever e contar» e comparem com o que se passa hoje!
Querem uma escola para a submissão e para a exploração, mas a Constituição da República e a Revolução de Abril trouxeram ao povo português, pela sua própria conquista, uma escola para a emancipação do indivíduo e do colectivo!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Começaria por responder ao Sr. Deputado Michael Seufert, do CDS-PP, dizendo que, curiosamente, ou me escapou ou o Sr. Deputado não se referiu ao fim do par pedagógico e ao fim da disciplina de Educação Visual e Tecnológica, porque, talvez, terá sido essa uma daquelas questões de que o CDS — se bem me recordo — quase que terá feito «bandeira» dela!… Aliás, lembro-me de ter visitado uma escola onde assisti a uma aula de EVT em que estavam presentes Deputados do CDS a quem quase que lhes vieram as lágrimas aos olhos ao ver que o PS estava prestes a extinguir o par pedagógico em EVT…
Assim se vê também como a mentira vos é útil para disfarçar a vossa política e as vossas verdadeiras intenções.
Sr. Deputado Michael Seufert, do CDS-PP, se modernização para si — e compreendo que tenha essa perspectiva, porque se enquadra no seu partido — é recuperar a escola bafienta do regime fascista, então não podia estar mais de acordo, porque estão num rumo de «modernização» extraordinário…!
Se essa é a sua perspectiva de futuro, deixe-me dizer-lhe que está em contraponto com aquilo que a sociedade portuguesa preconiza para si própria, que é o progresso, que é o largar essas amarras do passado e do bafio rumo à emancipação individual e colectiva dos portugueses, para que todos possam dar o seu contributo, independentemente de serem pobres ou ricos, para o desenvolvimento económico e social do País.
Isso só pode ser feito, Sr. Deputado, com a escola pública, não é sem a escola pública nem é contra a escola pública!
Deixe-me dizer-lhe, ainda, Sr. Deputado, que a concepção que o senhor tem de sindicalismo também é bafienta. Aliás, essa tentativa de acantonar os sindicatos a corporações também há-de ter alguma raiz no seu pensamento… Mas deixe-me dizer-lhe que não é dessa maneira que concebemos as organizações sindicais, nenhumas delas, pois todas elas têm um contributo a dar em todas as áreas!
Também não entendemos, Sr. Deputado, que o sistema de ensino seja apenas uma bolsa de emprego. Aliás, o CDS e o PSD é que entenderam que a revisão curricular é apenas uma forma de destruir o emprego.
E aí é que está a questão.
Sr. Deputado Acácio Pinto,
Quero agradecer-lhe por ter trazido, embora um pouco ao lado do âmbito da intervenção, a questão dos Centros de Novas Oportunidades, a educação e formação de adultos e os CEFP, porque, como bem sabe, o PCP tem uma divergência com alguns dos métodos que foram postos em prática nas Novas Oportunidades, mas também aí se demonstra o que o PSD e o CDS querem para tudo o que é sistema público de ensino.
Aliás, ainda hoje estão por começar cursos de educação e formação de adultos, estão CNO sem saberem o que vai ser da vida deles e dos seus formadores, porque este Governo entende que a formação e a educação são um gasto supérfluo, são um luxo, provavelmente para quem possa pagar nas escolas do ensino particular, do ensino privado…!
Queria ainda dizer ao Sr. Deputado Acácio Pinto que, da nossa parte, nem há grande paradoxo entre a extinção da Formação Cívica e o seu reforço, porque nós sabemos bem que tipo de formação cívica quer a direita: quer uma formação cívica para a submissão, para a obediência e para a exploração.
Para isso nada melhor do que acabar com todas as disciplinas que sirvam para formar o carácter do indivíduo e a formação da sua cultura integral, numa perspectiva abrangente, tocando todas as áreas do saber, do lazer, do desporto e do conhecimento.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
Queria dizer-lhe que, subscrevendo, na prática, todas as palavras que aqui nos deixou e saudando a sua intervenção de hoje no período de declarações políticas, estou particularmente de acordo com a última frase do seu pedido de esclarecimento: é preciso mobilizar a população, particularmente aqueles que são directamente afectados por estas políticas, para que percebam que é chamando às suas próprias mãos o seu destino que poderemos derrotar o pacto de agressão imposto aos portugueses, que destrói a escola pública pelas mãos do PSD e do CDS, mas sem disfarçar o papel que o PS teve na sua assinatura e na consolidação dessas políticas enquanto esteve no governo.

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