Intervenção de Carlos Carvalhas, membro do Comité Central, Encontro Nacional do PCP - «A situação nacional, as eleições para o Parlamento Europeu e a luta por uma política patriótica e de esquerda»

A renegociação da dívida

A renegociação da dívida

Caros amigos e camaradas,

Portugal não sairá da crise nem terá taxas de crescimento significativas sem dar resposta ao aumento da produção, à competitividade e à dívida externa.

Aumento da produção de bens e serviços de elevado valor acrescentado em todos os sectores, para a exportação e para o mercado interno, substituindo importações o que implica também a questão da reindustrialização que alguns descobriram agora, como o actual governo e o Presidente da República, dando razão ao PCP que há anos o vem afirmando.

Mas não se dá resposta ao aumento da produção de bens e serviços sem investimento1 e com um mercado interno extremamente deprimido pelos sucessivos cortes nos salários, pensões e prestações sociais, nem com uma banca que concede crédito caro e limitado porque o canaliza para as actividades especulativas sempre mais rentáveis.

Não se dá também resposta ao necessário aumento de competitividade, descarregando sobre os salários os custos energéticos e de crédito que estão bem acima dos principais correntes e os custos de uma moeda sistematicamente sobreavaliada em relação à estrutura da nossa economia, como cada vez mais o reconhecem economistas e comentadores dos diversos quadrantes políticos, ao afirmarem que foi um erro termos entrado para o Euro dando também aqui, embora tardiamente, razão ao PCP.

Não se promove o desenvolvimento, nem se dá resposta aos problemas financeiros e sociais com o actual serviço da dívida, verdadeira sanguessuga e garrote sobre a nossa economia. Só em juros da dívida pública estamos a pagar mais de 7 mil milhões de euros por ano, o equivalente ao que gastamos com a saúde!

Afirmámos há muito e fomos os primeiros a tornar posição pública sobre este assunto, que o serviço da dívida é insustentável pelo que uma política de relançamento da economia exigia a sua renegociação nos prazos, juros e montantes. Hoje são cada vez mais os que assim o entendem e mesmo o governo embora diga o contrário, a verdade é que à boleia da Grécia e da Irlanda tem vindo a reestruturá-la em relação a prazos e aos juros, mas em termos muito limitados.

Mesmo o anterior Ministro da Economia, veio recentemente afirmar que os chamados países da periferia se deviam juntar para defenderem a renegociação da dívida. É sabido também que a Grécia que tem actualmente a presidência da União Europeia pressiona para uma nova reestruturação da sua dívida e que o governo português, hipocritamente, espera vir a beneficiar dessa reestruturação isto é, de igual tratamento dado aos gregos. Só a troika, que está aqui para defender os interesses dos credores e extorquir o máximo do nosso país é que diz que a dívida é sustentável apresentando condições e não previsões de taxas de crescimento e saldos orçamentais miríficos e irrealizáveis!2 Mas mesmo em relação a previsões a troika não acerta uma, mas enquanto vai afirmando que a dívida é sustentável vai sugando através de um governo submisso os trabalhadores e o povo e prestando um bom serviço aos usurários a quem serve. Também no nosso país há um outro burocrata que o afirma. Seria bom que quando o declaram dissessem que taxas de crescimento e que níveis de saldos orçamentais Portugal teria de ter para pagar a dívida e, ao mesmo tempo apresentassem a folha do seu nível de rendimentos, pois tais personagens sabem muito bem que com esta dívida e respectivo serviço o povo português estará condenado à espiral de medidas ditas de austeridade - o que certamente pouco lhes toca – por muitos e muitos anos com uma economia em letargia e com sucessivas vendas de património.

O serviço da dívida é económica, social e financeiramente insustentável.

Afirmámos em 2010, que só tínhamos a ganhar quanto mais cedo fizéssemos a renegociação da dívida pois nessa altura a relação de forças era-nos favorável. Infelizmente, como agora é reconhecido, os factos mais uma vez nos deu razão. Desde a entrada da troika no país, as condições e a relação de forças modificaram-se negativamente para o nosso País, pois nessa altura muitos dos credores eram estrangeiros e privados, 64% e hoje a dívida está em mãos de credores oficiais com maior poder de retaliação (BCE, FEEF, FMI...) e em bancos nacionais.

A troika estrangeira não só criou as condições que levaram a que a dívida pública aumentasse e muito, como permitiu que os credores privados internacionais se livrassem da dívida pública portuguesa. Prestou um bom serviço aos ditos mercados, isto é, aos mega bancos e fundos de aplicações financeiras!

Mas o facto da composição dos credores se ter alterado e da banca nacional ter aumentado a sua participação não significa que a renegociação da dívida não se deve realizar. Aumentou a sua complexidade, o Estado teria de tomar medidas em relação à banca, mas as poupanças públicas que se poderiam obter com a diminuição dos juros extensão de prazos e diminuição de montantes (entre 50 a 60% da dívida) seriam superiores às ditas perdas tidas pela banca nacional.

O serviço da dívida não pode estrangular o nosso crescimento. O serviço da dívida mesmo depois da reestruturação da dívida, terá que ficar indexado às taxas de crescimento económico e às exportações, tal como foi concedido à Alemanha no pós-guerra.

Virá o dia em que até um conhecido conselheiro Acácio dos factos consumados, dirá com este ou com outro nome, que a renegociação da dívida é necessária e mais à frente afirmará: «eu bem avisei! eu bem avisei!»

Camaradas,

Não desconhecemos as dificuldades e complexidades de uma reestruturação da dívida e sabemos também que uma tal opção exigiria um governo patriótico que não cedesse a chantagens, que procurasse possíveis aliados e que defendesse intransigentemente os interesses do povo e do país e não os interesses usurários e oligárquicos nacionais e internacionais!

Ao contrário do que diz enfaticamente o ministro do submarinos e da propaganda, Portugal não recuperará a sua soberania com a saída da troika e ficando com uma troika à espanhola isto é, com a continuação das suas medidas. Portugal não recuperará a sua soberania com os montantes que nos são exigidas para o serviço da dívida, nem recuperará a soberania, alienando empresas estratégicas e os “melhores anéis” ao estrangeiro, como se verificou com a EDP, Seguros da Caixa, REN e ANA, CTT.

Talvez o ministro dos submarinos e da propaganda não saiba, mas talvez o seu colega de partido na economia lhe possa fazer as contas. O que sai hoje de Portugal de lucros, dividendos e juros é superior às entradas liquidas que entram na União Europeia! Um absurdo que tem sido silenciado.(ver anexo I) Mas esta é infelizmente a realidade, a realidade da colonização, da dominação a que estamos sujeitos, resultante das privatizações e da alienação da nossa soberania e independência nacional.

A dívida pública, porque da privada e da banca ninguém fala, tem servido ás mil maravilhas, para liquidar o chamado Estado Social e conduzir uma política forçada de centralização e concentração de capitais, de acumulação, de concentração de riqueza com o eufemismo de políticas de austeridade. São tanto de austeridade que não só tem aumentado o número de ricos, como os ricos são cada vez mais ricos!

A direita e os seus comentadores serventuários passam a vida a imputar a dívida ao excesso da despesa pública, ao Estado gastador. Há gastos inaceitáveis, vencimentos em gabinetes ministeriais escandalosos, encomendas de estudos e pareceres ao exterior pagos a peso de ouro, viagens e mais viagens ao estrangeiro. Tudo isto é verdade mas não é o grosso da questão.

Em relação à dívida do país em primeiro lugar é preciso recordar que a dívida privada é superior à dívida pública, coisa que esses senhores sempre escondem.

Segundo, é preciso também lembrar que em relação à dívida pública Portugal em 2007, ano em que a crise rebentou tinha uma dívida de 68,4% do PIB, ao nível da zona Euro, inferior à de países como a Itália, Bélgica, praticamente igual à da França e da Alemanha.(ver anexo II)

O que se passou então para a dívida subir em flecha?

Foi porque o Estado passou a gastar muito mais na saúde, no ensino, na investigação?

Não! A subida em flecha da dívida pública deu-se devido à quebra de receitas provocadas pela crise, porque se deu uma errada resposta a esta e porque no essencial o Estado tomou nas suas mãos o desendividamento e a capitalização da banca3. Os trabalhadores, os pensionistas e os pequenos e médios empresários têm estado a pagar o desendividamento da banca ao serviço dos banqueiros e dos grandes accionistas. Não é só o caso dos milhões e milhões enterrados no BPN, no BCP, no BPP, no Banif, são também os milhões que a banca ganha com o Estado, comprando dívida pública que lhes rende juros de 4,5,6% e que depois os deposita no BCE como colaterais, recebendo iguais montantes a 0,25%, os milhões que recebem em benefícios fiscais, os milhões que têm ganho com as PPP's e até com as rendas excessivas, pois no final são eles que estão por detrás de tais operações e empresas!

Um regabofe à custa do Orçamento de Estado!

Um regabofe que ainda serve para exibir o dito “despesismo do Estado” e avançar com outro eufemismo, o da reforma do Estado, isto é, o da privatização de tudo o que é mais rentável ou possa vir a sê-lo com a subsidiação do Estado, na saúde, no ensino, na Segurança Social, com os respectivos seguros e subordinação do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública aos interesses privados.

Um grande festim à mesa do Orçamento com magníficas negociatas cozinhadas e abençoadas pelos sapientes “chef's Academy” que se sentam no governo.

Por sua vez o garrote dos credores vai continuar enquanto Portugal for um bom negócio para os ditos mercados. Por isso, nas colocações da dívida pública, a procura tem sido sempre superior à oferta, como aconteceu com a recente, com juros de 5,1%, quando a taxa de inflação está quase a zero a indiciar uma perigosa deflação e quando a taxa directora da BCE está nos 0,25% e a taxa de juros dos empréstimos da troika se situam nos 3%! Um belo negócio para os usurários.

Camaradas,

É tempo de dizer basta!

Basta de corrupção, de negociatas, de roubarem o povo, basta de esquemas à D. Branca. Basta de hipotecarem o futuro e afundarem o país. Por isso a luta continua e continuará no Parlamento Europeu, na Assembleia da República e fora das instituições.

Viva Portugal

Viva o PCP

Notas:

(1) Em 2013 o investimento total (público e privado) representou 14,8% do PIB! Em 2010, antes da troika, representou 19,6% do PIB. Em 1995, o investimento representava 23,1% do PIB. Estamos ao nível anterior a 1995. (ver anexo III)

(2) Ver 8.ª e 9.ª avaliação da troika e a intervenção de Octávio Teixeira, nas Jornadas Parlamentares do PCP, no Seixal -17e18/02/2014.

(3) Segundo um estudo da OCDE, divulgado em Janeiro deste ano,os bancos da zona Euro terão necessidade de se recapitalizar em cerca de 400 milhares de milhão de euros, ou seja 4,25 do PIB da zona Euro.

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