Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Relatório Anual de Segurança Interna — 2009

Debate do Relatório Anual de Segurança Interna — 2009

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Os relatórios anuais de segurança interna têm vindo a alterar significativamente a sua natureza. Começaram por ser relatórios factuais sobre a situação da segurança interna, contendo até partes distintas elaboradas sob a responsabilidade de cada uma das forças de segurança, para passarem a ser relatórios justificativos das opções do Governo em matéria de segurança interna.
Com esta «evolução», os relatórios passaram a ter muito mais conteúdo de autojustificação do que propriamente de informação a dar à Assembleia da República e ao País para a construção de um retrato aproximado, factual e rigoroso da situação, em matéria de segurança interna. Estão mais preocupados em camuflar aquilo que está mal do que propriamente em contribuir para que se possam discutir seriamente soluções para os problemas de segurança.
Esta discussão do relatório de segurança interna surge, de certa forma, ensombrada pelo erro que foi detectado e reconhecido na elaboração das estatísticas da justiça, relativas aos
crimes cometidos com armas, ao longo dos últimos cinco anos.
Já foi dito que esses dados errados não serviram de base à elaboração dos relatórios anuais de segurança interna, o que, aliás, se compreende porque essa categoria de crimes cometidos com armas de fogo não é uma categoria que surja autonomizada nos relatórios anuais de segurança interna. Mas, mesmo admitindo que assim foi e que os relatórios de segurança interna não foram utilizados com base nesses dados, temos de presumir que as estatísticas da justiça, que são estatísticas oficiais, hão-de ter servido para alguma coisa.
Assim sendo, pergunto se a consideração que levou o Governo a propor a alteração da lei das armas não teve em consideração as estatísticas da justiça, relativamente aos crimes cometidos com armas.
É porque, se não teve em consideração essas estatísticas, temos de considerar que as mesmas não serviram rigorosamente para nada ou, então, que o Ministério da Administração Interna não liga a mínima importância às estatísticas da justiça. Portanto, as estatísticas da justiça, relativamente aos crimes cometidos com armas, foram «letra morta» para o Ministério da
Administração Interna, que, ignorando-as olimpicamente, fez uma proposta de alteração da lei das armas baseada precisamente no facto de haver um número muito significativo de crimes cometidos com armas que justificavam essa alteração.
Pergunto também se essas estatísticas não influenciaram em nada as propostas do Governo relativamente à definição das prioridades de política criminal. Gostaria de ter uma resposta acerca desta matéria.
Passando a um outro ponto, o Sr. Ministro da Administração Interna, na semana passada, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi questionado sobre o relatório anual de segurança privada, relativamente ao ano anterior, uma vez que a lei determina que esse relatório seja elaborado — e foi-o sempre, até 2008, mas não o foi relativamente a 2009.
O Sr. Ministro afirmou peremptoriamente que o Governo deixou de determinar a elaboração do relatório de segurança privada, um relatório que, em média, tinha cerca de 30 páginas, porque esse relatório surgia integrado no relatório anual de segurança interna.
Pois bem, Sr. Ministro, li o relatório anual de segurança interna, que estamos a discutir, da frente para trás e de trás para a frente, à procura da componente relativa ao relatório de segurança privada, e não o encontrei em lado algum. Portanto, o Sr. Ministro, nos segundos de tempo que lhe restam para intervir, fará a fineza de nos dizer onde está integrado o relatório de segurança privada no relatório anual de segurança interna, tal como afirmou, pois nós não conseguimos encontrá-lo.
Ficamos à espera que o Sr. Ministro nos diga onde está.
Para concluir, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, os dados que são referidos neste relatório relativamente às chamadas «operações especiais de prevenção
criminal», que a população, em geral, designa por «rusgas», reflectem a tendência deste Governo para substituir a política de segurança pela segurança-espectáculo, o espectáculo da segurança. Ou seja, a forma que o Governo encontrou para responder a naturais sentimentos, inquietações dos cidadãos em relação à segurança é realizar mega operações policiais, com a televisão atrás, para poder mostrar perante a opinião pública que o Governo está a obter grandes resultados em matéria de segurança interna.
Porém, devo dizer-lhe, Sr. Ministro que, do nosso ponto de vista, não é essa a política adequada em matéria de segurança, não é isso que garante a segurança das populações, não é isso que conduz a um policiamento de proximidade, que, a nosso ver, é mil vezes desejável ao espectáculo da segurança ou a operações mediáticas destinadas a influenciar o sentimento de segurança junto da opinião pública.
E não podemos, de forma nenhuma, considerar-nos satisfeitos quando verificamos, na Lei de Programação de Infra-Estruturas e Equipamentos das forças de segurança, a qual previa nos seus quadros anexos que no ano de 2009 houvesse um investimento de 74,5 milhões de euros nas forças de segurança, que a execução foi de 34%.
O Governo parece muito satisfeito com estes números. Pela nossa parte, não nos sentimos nada satisfeitos com isso. É evidente que há aqui um incumprimento grosseiro dos objectivos que foram estabelecidos na lei de programação e era bom que o Governo o reconhecesse.

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