Projecto de Resolução N.º 1130/XIII/3ª

Rejeita a associação de Portugal ao Mecanismo Europeu de Cooperação Estruturada Permanente

Rejeita a associação de Portugal ao Mecanismo Europeu de Cooperação Estruturada Permanente

Exposição de motivos

1 - O Governo prepara-se para decidir da associação de Portugal à denominada «Cooperação Estruturada Permanente» (CEP) que se insere no processo de aprofundamento da militarização da União Europeia (UE) e da sua afirmação como pilar europeu da NATO, tendente à criação de um «exército comum» da UE, num quadro de complementaridade com esse bloco político-militar.

2 - A ideia de que a UE tem sido essencial para a defesa da paz, nomeadamente na Europa, é desmentida pelos factos. O que a realidade evidencia é que o militarismo foi sempre uma componente das ‘políticas europeias’, com maior expressão a partir do Tratado de Maastricht, embora por vezes encoberta sob a sigla da NATO ou das forças armadas de grandes potências da UE.

A ausência da guerra no solo europeu, nas décadas após o final da II Guerra Mundial, não se deveu à existência das Comunidades Europeias (embrião da futura UE), mas à correlação de forças que resultou da derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, em que a União Soviética desempenhou o papel decisivo.

A comprová-lo estão os factos históricos. Não esquecendo as guerras que as ex-potências coloniais levaram a cabo contra a luta de libertação nacional dos povos colonizados, o regresso da guerra ao solo europeu, primeiramente nos Balcãs e mais recentemente na Geórgia e Ucrânia, deu-se pela mão das principais potências da NATO, incluindo as grandes potências da UE. O momento mais saliente deste processo foi a guerra da NATO contra a Jugoslávia em 1999, que desrespeitou todas as normas do Direito Internacional, a ONU e a sua Carta.

Mas não foi apenas no continente europeu que se acentuaram as políticas de militarismo e de guerra, após a profunda alteração da correlação de forças mundial que teve lugar no final do Século XX. Os últimos 25 anos ficaram marcados por uma fase de brutais e quase permanentes guerras de agressão, sempre com a cumplicidade e conivência da própria União Europeia e a participação das suas principais potências. Foram guerras que devastaram grande parte do Médio Oriente e regiões importantes na Ásia Central, Norte de África e Europa Oriental, ou seja, que promoveram o caos nas fronteiras dos países que integram a UE. Guerras que espalharam a morte, o sofrimento e a destruição, e provocaram milhões de deslocados e refugiados, transformando o Mediterrâneo num mar de morte, desestabilizando vários países do Sul da Europa (Itália, Grécia), servindo de elemento para alimentar a xenofobia, o racismo, a extrema-direita, o fascismo (como na Polónia, onde as expressões fascizantes da manifestação do ‘Dia da Independência’ de 2017 foram por demais evidentes).

Em algumas dessas guerras o papel de potências da UE foi central: foi o caso da Líbia, um país que foi destruído, fragmentado, colocado a saque e transformado em placa giratória de tráficos de seres humanos, onde segundo a CNN (14.11.17) o ignóbil leilão de escravos negros é prática corrente. Em todas as guerras, foi central o papel da NATO, da qual a União Europeia se assume como ‘pilar europeu’. Na promoção destas guerras de agressão (em particular na Líbia e Síria), grandes potências europeias promoveram, armaram e financiaram criminosos grupos terroristas responsáveis pelos maiores crimes e atrocidades contra as populações locais. Os mesmos grupos terroristas que, significativamente, as autoridades europeias dizem estar por detrás dos atos terroristas em vários países europeus. Pretender justificar (como fez Juncker, no seu discurso do ‘Estado da União’ de setembro de 2016) a necessidade do reforço da componente militar da UE, invocando como pretexto o terrorismo e as guerras nas fronteiras do continente é inverter causas e consequências, e procurar nas tragédias resultantes duma determinada política os pretextos para levar mais longe essa mesma política.

3 - Desde as origens da UE, o acompanhamento da problemática relativa à Defesa evidencia a procura de sintonia com a visão transatlântica (alinhamento da UE por aquilo que os Estados Unidos da América entendem que a Europa deve fazer) e de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) é instrumento fundamental.
Os defensores de tal sintonia insistem sistematicamente na necessidade de incrementar a despesa em meios militares, na ideia de que a padronização de equipamentos militares permitirá mais e melhor “defesa” e a menores custos para centralizadamente decidirem no que gastar e a quem comprar, a expensas dos Estados Membros.

Com a CEP, pretende-se que a UE venha a ser capaz de atuar autonomamente onde e quando assim o entenda e a NATO (isto é, os EUA) não o entenda fazer enquanto tal. Ora para isso tem de ter capacidade (sistemas de informação, recolha e análise de elementos para produção de informações, sistemas de comando e controlo e militares equipados, treinados e logisticamente sustentáveis). A adesão a esse mecanismo obriga o País signatário a comprometer-se com um aumento regular do seu orçamento de defesa em valor real (descontada a inflação) para que se alcancem os objetivos acordados.

A materialização da CEP far-se-á em dois domínios de atividades: empenhamento de forças militares em teatros de operações com regras estabelecidas pela UE e desenvolvimento e aquisição de equipamento militar.

No primeiro domínio, e como alguns desde já começam a apontar, a adesão de Portugal à CEP obrigaria à revisão dos mecanismos de decisão nacional para acomodar o requisito de grande celeridade na tomada de decisão da UE a menos que Portugal abdique do seu direito soberano de sobre isso decidir, o que se afigura de todo inaceitável.
No segundo domínio, desenvolvimento e aquisição de equipamento militar, se, em tese, pode ser vantajoso participar em programas comuns de levantamento de capacidades é, altamente improvável que essas capacidades e os meios em que elas se materializarão sejam compagináveis com a definição do que adquirir e da prioridade que deve ser dada a meios que nos habilitem a exercer a nossa soberania sob o território e recursos nacionais.

4 – Para o Estado Português, é essencial preservar a liberdade de decisão sobre as prioridades de empenhamento de recursos financeiros em programas que temporalmente se podem estender por muitos anos, como a construção e entrada ao serviço dos navios de patrulhamento oceânico ou a aquisição e entrada ao serviço de meios aéreos para capacitar o Estado a dar combate aos incêndios.

É importante preservar a liberdade de decisão sobre o ritmo de execução desses programas e sobre a flexibilidade que o planeamento deve acomodar para responder à incerteza do futuro, incerteza que cresce tanto mais quanto mais demorados são os programas a realizar.

Na ordem jurídica portuguesa vigora a Lei de Programação Militar cujo âmbito é o dos programas de reequipamento das nossas Forças Armadas e com revisão prevista para 2018. Neste contexto, a CEP representa uma usurpação das atribuições soberanas da Assembleia da República.

A CEP é, em tudo, contra aquilo que é prioritário e essencial para Portugal. O que a UE considerará como prioritário pouco ou nada terá a ver com o que são as prioridades do País atento o uso que Portugal precisa de dar aos meios a adquirir.

5 – Os acordos alcançados nas reuniões do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros de 6 de março, 22 e 23 de junho de 2017, referem uma CEP a realizar por módulos em que poderão participar os países membros que se comprometam em assumir compromissos obrigatoriamente compagináveis com os critérios da CEP orientados para o levantamento de forças com capacidade para missões de espectro largo. Assumidos esses compromissos, a sua realização passa a ser imperativa.

A CEP é um quadro jurídico europeu vinculativo. Os seus resultados beneficiarão a NATO pois os participantes responderão às repetidas exigências de aumento da sua participação no pagamento da fatura que a NATO constitui.

A natureza vinculativa dos compromissos da CEP será assegurada por uma avaliação anual realizada pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança com o apoio, em particular, da Agência Europeia de Defesa (EDA) e estruturas da União que lhe são conexas.

O principal motor da CEP vai ser o negócio do complexo militar e industrial europeu onde preponderam a França, a Alemanha, o Reino Unido (que sai da UE, mas poderá eventualmente integrar a CEP) e, em fatia não desprezável, a Itália, a Espanha e a Suécia.

6 – As linhas-força de promoção da CEP são definidas em cinco áreas a que corresponde uma lista de compromissos comuns e vinculativos.

A primeira área explicita que os objetivos aprovados para suprir necessidades na área da Defesa devem ser revistos com regularidade. Para essa finalidade foram adotados referenciais estabelecidos em 2007 e são estabelecidas cinco linhas de compromisso: aumento gradual da despesa na área da defesa com 20% da despesa a aplicar em investimento e nos programas da CEP sujeitos a revisão anual; aumento de projetos "colaborativos" eventualmente a financiar pelo Fundo Europeu para a Defesa; financiamento de investigação e desenvolvimento no valor mínimo de 2% da despesa em Defesa e revisão periódica do cumprimento dos objetivos e comunicação de resultados ao Conselho Europeu.

A segunda área projeta o objetivo da padronização de equipamentos através da harmonização de necessidades e da especialização, estimulando o treino e logística comum.

A terceira área refere-se à tomada de medidas que melhorem a disponibilidade, interoperabilidade, flexibilidade e tempo de reação e emprego das forças militares, em particular identificando objetivos comuns em relação ao compromisso de forças a empenhar. Ainda nesta área, os Estados Membros empenhar-se-ão no financiamento das operações e missões da Politica Comum de Segurança e Defesa em acréscimo ao que está definido como custo comum na decisão do Conselho.

A quarta área dá destaque às medidas de articulação entre os Estados Membros para potenciar as melhorias decorrentes de programas multinacionais e sem prejuízo da articulação desses programas com a NATO e as lacunas identificadas ao nível do desenvolvimento de capacidades. Aqui se estabelece que para ser membro da CEP há que participar em pelo menos um projeto considerado estrategicamente relevante pelos Estados Membros.

Na última área constam três linhas de intervenção para promover a participação no desenvolvimento de equipamentos (aviões, navios, carros de combate, grandes conjuntos) no âmbito da Agência Europeia de Defesa (EDA).

7 – Em matéria de funcionamento e gestão da CEP, os Estados Membros, detendo o poder de decisão, articulam-se com o Alto Representante da UE para a Segurança e Ação Externa. O Alto Representante realizará, com o apoio da EDA e do EUMS (Estado Maior Militar da UE) e outras estruturas afins (para as questões operacionais), uma avaliação anual a apresentar ao Conselho Europeu.

Cada projeto pode ser apresentado por um ou mais Estados Membros e deve ser delineado por fases (2018 a 2021 e 2021 a 2025) com definição rigorosa e vinculativa das condições de inicio e resultado a alcançar.
Haverá projetos (em número limitado) de alto nível - orientados para missões tipo e o nível de ambição estabelecido, e haverá projetos subsidiários dos de alto nível (facilitadores ou potenciadores dos resultados a alcançar com os projetos de alto nível). A lista de projetos a executar é apresentada para decisão do Conselho de Ministros Europeus pelo Alto Representante, ouvido o Comité Militar da UE (EUMC) e a sua calendarização financeira será delineada para 2018-2021 e 2021-2025. Em 2025 será feita uma avaliação de resultados e prospetiva futura.

8 – Em síntese, com o objetivo de avançar na direção da ambicionada criação do «braço militar» do «superestado europeu» dirigido pelas suas grandes potências e determinado pelos seus interesses – particularmente a Alemanha –; superar o insucesso anterior de reiteradas iniciativas no sentido do avanço do processo de militarização da UE; condicionar e determinar a política de defesa de Estados Membros, num dos últimos redutos de soberania; e de dar resposta aos anseios do complexo militar e industrial da França, Alemanha e outras grandes indústrias de armamento – a CEP convoca os Estados Membros para aumentar as despesas com a Defesa para servir a NATO e as grandes potências UE, centralizar e agilizar o empenho de forças e o comando de operações; e investir na investigação e desenvolvimento e aquisição de material de guerra que permita o empenhamento em qualquer tipo de operação.

O que se pretende construir é uma mega eurocracia na área da gestão do desenvolvimento e aquisição de material de guerra e um mega Estado Maior Militar da UE habilitado ao planeamento e condução de operações de espectro amplo. Aqui chegados, as grandes potências decidirão da condução da política externa e de defesa da UE (inclusive o emprego de forças militares) segundo os seus interesses, numa situação em que os Estados Membros deixaram de possuir capacidade para autonomamente ajuizarem da situação.

9 – A questão que para o PCP se coloca é:

Se Portugal deve aceitar que o cumprimento do que a Constituição prescreve no domínio das relações Internacionais e do que constitui a missão prioritária das Forças Armadas Portuguesas seja condicionado pela necessidade de articulação obrigatória com outros Países e abdicar do poder decidir do que é prioritário para o nosso país e que melhor serve o nosso Povo.

Se Portugal deve aceitar que o reequipamento das nossas Forças Armadas seja sacrificado pelas prioridades de investimento intrínsecas às capacidades requeridas pelas operações de largo espectro decididas no âmbito da CEP.

Se Portugal deve aceitar especializar as nossas Forças Armadas de acordo com objetivos alheios ao interesse nacional.

Para o PCP a resposta é clara: Portugal não pode nem deve aceitar este perigoso passo na deriva militarista da UE que é também uma reação aos seus problemas internos, à crise ‘na’ e ‘da’ União Europeia. Ao longo da História, o uso da força no plano externo andou sempre de mão dada com o reforço do autoritarismo no plano interno. Até porque (e os objetivos proclamados pela CEP aí estão para o demonstrar), a militarização da UE exige um grande complexo militar-industrial, com expressão nas Universidades, na investigação científica e noutros sectores.

O reforço do pilar militarista da UE assume contornos particularmente preocupantes. É urgente e necessário cortar o passo a este perigoso salto no escuro.

10 - O PCP manifesta a sua mais viva discordância com a intenção manifestada pelo Governo de aderir à CEP, que a concretizar-se, conduzirá à perversão das missões constitucionalmente definidas para as Forças Armadas portuguesas, comprometendo a prazo capacidades nacionais, e diminuindo desta forma a capacidade de decisão soberana e a independência nacional.

A política de defesa nacional deve ser determinada pelos interesses nacionais e não por outros interesses que, não só nada têm a ver com os interesses do povo português e do país, como são contraditórios com estes.

Portugal, o povo português, está interessado numa Europa de efetiva cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, favorável à paz e ao progresso social, e que contribua para promover a paz, a desmilitarização das relações internacionais, o desarmamento universal, simultâneo e controlado, a criação de um sistema de segurança coletivo que respeite e assegure a soberania dos Estados e a livre opção dos povos em todo o mundo – ao contrário de uma UE que se afirma como um bloco político-militar.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, rejeitar a associação de Portugal ao Mecanismo Europeu de Cooperação Estruturada Permanente.

Assembleia da República, 24 de novembro de 2017

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