Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados

Aprova o regime de regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados
(projecto de lei n.º 190/XI/1ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Portugal é um país de emigrantes. Ao longo de toda a nossa História, enquanto povo, os portugueses emigraram, legal ou ilegalmente, para outras paragens na luta pela sobrevivência, em busca de condições de vida que não conseguiram encontrar em Portugal. Milhões de portugueses vivem e trabalham além fronteiras e esta qualidade de povo de emigrantes
faz parte da nossa identidade.
Cientes dessa realidade, somos solidários para com os nossos emigrantes e queremos que a sua
dignidade e os seus direitos sejam respeitados pelos países que os acolhem. Nos últimos anos, Portugal, porém, tem sido também um país de acolhimento. Tal como os portugueses
que emigraram, a grande maioria dos imigrantes que procuraram o nosso país vieram para trabalhar — e trabalham — na construção civil, na hotelaria, em diversas actividades comerciais e industriais. Procuram em Portugal a vida digna que não obtiveram nos seus países.
Os imigrantes que vieram por bem são bem-vindos e não são um problema. A imigração ilegal, essa sim, é um grave problema social. Se a imigração é um bem indiscutível para a comunidade nacional, já a imigração ilegal constitui um verdadeiro flagelo social a que urge pôr cobro, através de um combate sem tréguas às redes de tráfico de pessoas e através de uma política que, em vez de penalizar as vítimas, permita a sua justa integração na comunidade, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.
A situação dos indocumentados em Portugal constitui uma flagrante violação de direitos fundamentais dos cidadãos que não pode ser ignorada. Permanecem em Portugal milhares de cidadãos estrangeiros que procuraram o nosso país em busca de condições de sobrevivência e que trabalham em diversos sectores da actividade económica sem quaisquer direitos — em alguns casos mesmo sem direito ao salário —, beneficiando patrões sem escrúpulos que lucram com a chantagem que a situação irregular desses trabalhadores possibilita.
A integração social plena dos cidadãos estrangeiros que se encontram a residir e a trabalhar em Portugal é uma obrigação indeclinável do Estado português. Só por essa via será possível pôr fim à exploração infame a que esses trabalhadores estão sujeitos, respeitar os seus direitos mais elementares e evitar a eclosão, entre nós, de manifestações racistas e xenófobas, que estão tristemente a ensombrar a Europa nos nossos dias.
O racismo e a xenofobia não se combatem com a exclusão social dos imigrantes, cedendo a pressões racistas e xenófobas. Combatem-se precisamente com a integração social, tratando todos os cidadãos com a dignidade a que, como seres humanos, têm direito.
A lei da imigração, que vigora desde 2007, representou um passo positivo nas políticas de integração em Portugal, porque inverteu um ciclo legislativo iniciado em 1993, marcado por sucessivas tentativas de fechar as portas à imigração legal e por restrições drásticas aos direitos dos estrangeiros. Foi um ciclo marcado por sucessivas revisões das leis da imigração que redundaram em clamorosos fracassos e que só contribuíram para fazer aumentar o drama social da imigração ilegal.
Sucede porém que, tal como o PCP oportunamente alertou, permaneceram aspectos negativos, de que são exemplos a manutenção de um absurdo sistema de quotas no acesso dos imigrantes ao emprego e a inexistência de um mecanismo legal permanente capaz de permitir a regularização da situação de cidadãos que, residindo e trabalhando em Portugal desde há muito tempo, permanecem indocumentados por não conseguirem reunir todas as condições exigidas na lei para a obtenção de autorização de residência.
Como é reconhecido por todos, permanecem, em Portugal, muitos cidadãos não nacionais que são pessoas de bem, que trabalham honestamente, que procuram entre nós as condições de sobrevivência que não têm nos seus países de origem e que vivem no nosso País, alguns deles, desde há muitos anos em situação irregular, com todo o cortejo de dificuldades que essa situação implica quanto à sua integração social.
Para o PCP, a solução não passa pela reabertura de processos extraordinários de regularização, limitados no tempo, que repetissem os erros de processos anteriores e que, a prazo, deixassem tudo na mesma. E não passa, tão-pouco, por mecanismos excepcionais e discricionários de regularização.
O que o PCP propõe, através do presente projecto de lei, é que os cidadãos estrangeiros que se
encontrem a residir, em Portugal, sem a autorização legalmente necessária possam obter a sua legalização, desde que disponham de condições económicas mínimas para assegurar a sua subsistência e, em qualquer caso, desde que tenham cá residido permanentemente desde momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Propõe-se, de igual modo, a adopção de processos de decisão dotados de transparência, correcção e rigor, a concessão de autorização provisória de residência aos cidadãos que, tendo requerido a sua regularização, aguardem decisão final, a aplicação extensiva da regularização ao agregado familiar dos requerentes e a adopção de mecanismos de fiscalização democrática do processo, através do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração e, em última instância, pela própria Assembleia da República.
Num momento em que, em vários países da Europa, sopram ventos indesejáveis de xenofobia e de discriminação com base na origem étnica, Portugal, como país de emigrantes, deve dar um exemplo de respeito pela dignidade e pelos direitos de todos os seres humanos e encontrar soluções justas e razoáveis para combater a imigração ilegal. Todos ganhamos com isso.

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