Intervenção de

Regulamento de Disciplina Militar - Intervenção de António Filipe na AR

Regime especial dos processos relativos a actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O Sr. Ministro da Defesa Nacional veio dizer que o Governo traz uma resposta pronta para um problema que terá sido colocado à disciplina militar por via de alterações legislativas recentes em matéria de tribunais administrativos e de justiça militar, mas eu queria dizer que o Sr. Ministro está enganado porque, efectivamente, o recurso de decisões punitivas em matéria de disciplinar militar para os tribunais administrativos faz-se desde 1985, quando foi aprovada a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em Julho desse ano.

Portanto, a existir o problema, ele existe há 22 anos!... Aliás, em 1988, até há jurisprudência constitucional sobre esta matéria, reconhecendo as competências dos tribunais administrativos para se pronunciarem sobre esta matéria. Assim, o que acontece é que há 22 anos que se recorre de actos punitivos de disciplina militar para os tribunais administrativos.

Em 1997, a revisão constitucional determinou a extinção dos tribunais militares em tempos de paz. A reforma do contencioso administrativo, por seu turno, foi feita por um governo do Partido Socialista, em Fevereiro de 2002, ou seja, há cinco anos e meio, e a reforma da justiça militar foi feita em 2004. Agora, em 2007, o Governo percebeu que havia um problema de compatibilização entre estas várias disposições legais.

A razão para esta súbita descoberta é simples, Sr. Ministro: na verdade, não há qualquer incompatibilidade!!

O que há é um falso problema que o Governo criou única e exclusivamente a partir do momento em que decidiu instrumentalizar a disciplina militar para fins estritamente políticos! Esta é que é a nova questão que existe agora e que não existia!!

O que o Governo propõe (proposta de lei n.º 135/X) é que, mesmo que seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, não haja suspensão da execução desse acto, ou seja, não haja proibição automática de execução do acto.

O Governo pretende impor limites à capacidade de intervenção dos tribunais administrativos na adopção de providências cautelares; pretende afastar estas matérias da jurisdição dos tribunais administrativos de primeira instância; e permite a introdução de juízes militares e de assessores militares do Ministério Público nos tribunais administrativos, como se estes fossem tribunais criminais, aqueles para os quais a reforma da justiça militar introduziu esta regra.

O que o Governo propõe vem contrariar princípios basilares que presidiram à reforma do contencioso administrativo feita, lembro mais uma vez, por um governo do Partido Socialista! É o caso do princípio da unificação do sistema de impugnação dos actos administrativos e da regra de que todos os actos administrativos devem passar pelos tribunais administrativos de primeira instância. Esta lei vem criar um precedente grave e vem introduzir uma gravíssima distorção no sistema de garantia que os cidadãos podem exercer perante os tribunais administrativos. Por outro lado, esta iniciativa vem violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que está consagrado inequivocamente no artigo 20.º da Constituição, ao tornar inócua a intervenção dos tribunais em matéria de providências cautelares.

O que isto significa é que o Governo não quer aceitar sujeitar-se à jurisdição dos tribunais administrativos, ou seja, se as decisões dos tribunais não convêm ao Governo acaba-se com as decisões dos tribunais e passa a decidir o Governo.

Os tribunais são impedidos de intervir em determinadas matérias.

O Governo vem dizer que há um problema com a disciplina militar, que os actos de disciplina militar não são actos administrativos como os outros, mas, Sr. Ministro, os tribunais sabem disso! Julga que um juiz de um tribunal administrativo que seja chamado a decidir sobre uma matéria destas não sabe que está a tratar de matéria disciplinar e de matéria militar?! Os juízes não são néscios, Sr. Ministro!! Sabem muito bem do que estão a tratar, sabem o que é a instituição militar e sabem, evidentemente, que o seu dever é o de salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos em qualquer circunstância, sejam eles civis ou militares!

O problema do Governo não é com a disciplina militar. Na verdade, o que o Governo quer é, pela mão da hierarquia militar, instrumentalizar a disciplina para fins que lhe são estranhos. O Governo não quer impor a disciplina. O que o Governo quer é proibir o exercício de direitos associativos, usando o arsenal punitivo da disciplina militar como arma de punição política para quem conteste as suas decisões políticas.

E para tal, Sr. Ministro, o Governo parece não recuar perante nada!!

Numa das última reuniões em que o Sr. Ministro compareceu perante a Comissão de Defesa Nacional, perguntei-lhe directamente se tinha sido por ordem do Ministério da Defesa que alguém tinha sido encarregado de fotografar os participantes no chamado «passeio do descontentamento», por forma a que essas fotografias pudessem ser utilizadas na instrução de processos disciplinares. O Sr. Ministro, lembro-me perfeitamente, fez um ar incrédulo perante esta pergunta, estranhando-a, e negou peremptoriamente.

Nós sabemos que as reuniões da Comissão de Defesa Nacional não são públicas, mas estão aqui muitos Srs. Deputados que não me deixam mentir e que se lembram de ouvir o Sr. Ministro afirmar que o Ministério da Defesa Nacional não tirava fotografias, ponto final!

Pois bem, Sr. Ministro, eu tenho provas documentais de que V. Ex.ª ou ignorava o que o seu Ministério andava a fazer ou que faltou à verdade perante a Comissão. Tenho aqui uma cópia de um ofício que, fazendo parte de um processo disciplinar concluído com a punição do militar através de detenção disciplinar, foi acompanhado por um CD com fotografias utilizadas no processo disciplinar que conduziu a essa punição.

Este ofício, que tem como assunto o «Visionamento de fotos enviadas à Força Aérea pelo Ministério da Defesa Nacional» diz o seguinte: «As fotos em epígrafe foram enviadas através do grupo WISE para todos os comandos funcionais e unidades da Força Aérea. Depois de analisadas pelos mesmos, foram identificados os seguintes militares em efectividade de serviço». A seguir a isto, vem uma lista dos militares identificados com base nessas fotografias.

Ou seja, o Ministério da Defesa Nacional enviou fotografias à Força Aérea para que os fotografados fossem identificados, tendo as fotografias sido enviadas pelo tal grupo WISE. Pelos lesados foi, aliás, apresentada uma queixa-crime contra o Ministério da Defesa Nacional, porque, de facto, este procedimento configura um ilícito criminal.

Ora, eu não gostaria que o Sr. Ministro saísse daqui sem nos explicar o que é o grupo WISE. Será que existe alguma polícia secreta dentro do Ministério da Defesa Nacional? Será que o Ministério tem um departamento que se dedica a acções delatórias através da prática de ilícitos criminais ou será que isto é um outsorcing do Ministério da Defesa Nacional que se dedica a actos delatórios?

Gostaria que o Sr. Ministro da Defesa, tendo em conta a gravidade que entendemos que este documento encerra, não saísse daqui sem nos explicar cabalmente o que é que o seu Ministério tem vindo a fazer nesta matéria e sem nos dar uma explicação cabal sobre o conteúdo deste ofício, que reputamos de extrema gravidade.

 

 

 

 

 

 

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