Intervenção de

Regulamento das custas processuais - Intervenção de João Oliveira na AR

Aprovação de um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, a revogar o Código das Custa Judiciais e alteração do Código de Processo Civil, do Código de Processo Penal e do Código de Procedimento e de Processo Tributário

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Nunca é demais referir a importância das custas no âmbito do sistema da justiça, sobretudo na medida em que as custas representam um factor de obstaculização do acesso dos cidadãos à justiça e aos tribunais.

De facto, a realidade que temos hoje no nosso país é a da confirmação de que tem sido pela via do aumento das custas com o recurso aos tribunais que os sucessivos governos tentam resolver problemas de pendência processual e de sobrecarga do sistema de justiça. A subida brutal do valor das custas processuais levada a cabo pelo anterior governo é o exemplo disto mesmo e, infelizmente, não é resolvida com esta proposta de lei (n.º 125/X) que o Governo, hoje, aqui nos traz.

Deixo aqui um primeiro desafio ao Sr. Secretário de Estado, que é o de poder tornar públicos os estudos que demonstram que, de facto, esta proposta de lei que o Governo se propõe aprovar se traduzirá numa descida generalizada do valor das custas processuais, porque para nós isso não é claro.

Antes de dar alguns exemplos daquilo que, em nosso entender, é o principal problema desta proposta de lei, que é o «abrir a porta» ao aumento do valor das custas em inúmeras situações, quero fazer referência às tabelas que estão previstas no regulamento das custas processuais, proposto pelo Governo.

A tabela I dá-nos, por um lado, a noção do que pode ser a redução do valor das custas relativamente aos recursos e, por outro lado, da abertura do caminho ao seu encarecimento nos processos, sobretudo com o agravamento das custas para os processos de valores mais baixos.

Podemos recorrer a um exemplo prático: com o regime actualmente em vigor, às acções de valor situado no escalão entre 7500 € e 15 000 € corresponde uma taxa de justiça de 3 UC (unidades de conta) paga em duas vezes; com a proposta que o Governo apresenta, passa a aplicar-se a estas situações uma taxa de justiça de 3 UC, paga de uma só vez e que pode ser agravada para 6 UC.

A tabela II significa, antes de mais, Sr. Secretário de Estado, um ganho em complexidade e não em simplificação. E há uma situação que traduz um evidente agravamento das custas, que é a que diz respeito às execuções. De facto, conseguimos encontrar aqui uma justificação para este agravamento - que será, certamente, uma preocupação que tem o Governo em reduzir o universo de acções de execução, actualmente, a correr nos tribunais portugueses -, mas este é um factor de preocupação, Sr. Secretário de Estado.

É que esta preocupação de diminuir o número de acções executivas nos tribunais não pode ser resolvida à custa da inviabilização do exercício dos direitos por parte dos cidadãos, sobretudo quando isso significa a frustração com a qual, todos os dias, milhares de portugueses são confrontados, que é a de terem um título executivo que, muitas vezes, é uma sentença judicial, sem terem depois mecanismos para a fazer executar.

A tabela III do regulamento, que diz respeito aos processos penais, é o exemplo de como o Governo dá com uma mão e parece tirar com a outra.

Reduz-se a taxa de justiça de constituição de assistente de 2 UC para 1 UC, mas prevê-se a possibilidade do seu agravamento até 10 UC!

Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, nesta tabela III fica também demonstrado o carácter, de alguma maneira caricato, do conceito de simplificação que o Governo propõe.

Nos processos penais, onde havia lugar ao pagamento de taxas de justiça apenas em três momentos - e eram três momentos concretos com taxas de justiça fixadas exactamente no mesmo valor -, agora passa a haver uma tabela que se vai aplicando ao longo do processo, numa série de situações no âmbito dos processos penais.

E há um exemplo complicado da perspectiva da aplicação de uma taxa de justiça nos processos penais: no caso de uma contestação num processo penal, com acusação deduzida pelo Ministério Público, há lugar ao pagamento de uma taxa de justiça entre 2 UC e 6 UC.

A tabela IV do regulamento, Sr. Secretário de Estado, estabelece a obrigatoriedade de pagamento de taxas de justiça em situações que, até agora, não estavam abrangidas por este regime, dando conta de mais um sinal de agravamento e de encarecimento do recurso à justiça e aos tribunais.

Há, ainda, outros aspectos que eu gostaria de referir, muito rapidamente.

Por um lado, a fixação das taxas de justiça em função da complexidade e do valor da causa significa, Sr. Secretário de Estado, que quem não tem recursos económicos não pode recorrer aos tribunais para ver decididas questões de maior complexidade.

Por outro lado, resulta desta proposta do Governo um carácter sancionatório e punitivo de quase todo o regime, em que se tenta quase empurrar à força os cidadãos para os sistemas de resolução alternativa de litígios. Um exemplo disto é o artigo 11.º do regulamento ou o regime de isenções agora previsto para os trabalhadores, que faz depender essa mesma isenção do recurso ao sistema de resolução alternativa de litígios, o que, em nosso entender, não é uma boa solução.

Por outro lado, também relativamente a esta questão das isenções de custas, há uma objectiva diminuição do âmbito de aplicação das situações de isenções de custas. Destaco, apenas, aquele que existia até agora para as associações de imigrantes.

Além disso, institui-se uma espécie de justiça de «perde/paga», em que uma decisão judicial pode determinar, para a parte vencida, o pagamento de todas as despesas suportadas pela parte vencedora, o que para nós não é, de todo, compatível com a noção do exercício de direitos a que os cidadãos devem ter acesso.

Por fim, Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei coloca os mandatários como participantes directos na definição da conta do processo, o que não nos parece que seja uma função que lhes deva ser acometida, sobretudo com a necessidade de apresentarem uma nota justificativa de custas, passados cinco dias.

Concluindo, não se cumpre, em nosso entender, o objectivo de simplificação do regime de custas processuais; não se altera a realidade de obstaculização do acesso ao direito e aos tribunais por motivos económicos e de insuficiência económica dos cidadãos; abrem-se novas perspectivas de encarecimento e de agravamento dos custos que os portugueses devem suportar com os processos judiciais.

Nesta medida, a proposta de lei procura combater a morosidade da justiça da pior maneira e não aponta no sentido de garantir o direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais e por isso merecerá a nossa rejeição.

 

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