Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Regulação dos horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição

(projeto de lei n. 158/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados: Tem um ano de aplicação o decreto-lei do governo PS/Sócrates que liberalizou os horários de funcionamento das unidades da grande distribuição com mais de 2000 m2. A votação do PS, PSD e CDS inviabilizou a sua revogação, proposta numa apreciação parlamentar do PCP.
Aquele decreto-lei tinha uma justificação fraudulenta, mas o grande argumento era a criação de uns milhares de postos de trabalho, como ainda se lembram, certamente, alguns Deputados desta Casa.
No entanto, não só não foram criados como se esqueceram dos efeitos destruidores de emprego e de liquidação do comércio tradicional.
Os números do INE não dão lugar a dúvidas. Entre o terceiro trimestre de 2010 e o terceiro trimestre de 2011, o ano em que vigorou o decreto-lei, perderam-se 30 900 postos de trabalho no comércio!
Acentuou-se também o peso dominante dos grupos de distribuição, por captura das quotas de mercado perdidas pelo comércio tradicional. São outros, hoje, os queixosos: os produtores agrícolas e as empresas da indústria agroalimentar. E algumas «lágrimas de crocodilo» foram derramadas sobre os desequilíbrios na distribuição das margens nas cadeias de valor.
A liberalização do sector e a crise do País tornam imprescindível esta regulação.
A crise, onde convergem a política do PSD/CDS e o pacto de agressão também subscrito pelo PS, traduz-se numa brutal redução do poder de compra, no afundamento do mercado interno e em múltiplos e graves estrangulamentos nas pequenas empresas.
Entre janeiro e setembro de 2011 desapareceram mais de 39 000 empresas, sendo um quarto dessas empresas do sector do comércio, sendo 15% do comércio de retalho e 10,5% do comércio por grosso. Ora, 10 000 empresas em nove meses é uma destruição colossal, Srs. Deputados!
Há razões mais do que suficientes para o PCP reapresentar o seu projeto.
É incontornável a existência de uma regulação diferente e equilibrada do horário de abertura do comércio! É incontornável não para «fechar tudo», como falsificam os adversários da regulação, mas para fazer do encerramento ao domingo a regra, com todas as exceções necessárias à vida da sociedade de hoje.
É necessário e possível responder com equilíbrio e flexibilidade, nomeadamente com horários de abertura próximos das práticas mais habituais na Europa, em particular na vizinha Espanha.
A história deste debate é bem ilustrativa dos interesses que têm guiado a política de direita do PS, do PSD e do CDS-PP, de como esses interesses económicos e sociais, encabeçados pelos grupos monopolistas, capturaram o poder político e asseguraram que os «seus governos» fossem regulamentando o comércio — é o caso do licenciamento e dos horários — à medida das suas necessidades de expansão e acumulação capitalistas, com total subordinação do comércio tradicional e de proximidade.
Para o PCP, há que defender o direito ao descanso semanal, uma regulação do mercado de bens de consumo e o ordenamento do comércio, o que exige a regulação dos horários.
Trata-se de elementos que enformam o projeto de lei reapresentado pelo PCP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Gostaria de começar por registar, mais uma vez, que estamos a falar de uma questão que respeita a 297 000 empresas, 27% das empresas portuguesas das quais 286 000 (um quarto das empresas portuguesas) são do comércio e são micro e pequenas empresas que têm até 10 trabalhadores.
Sobre a instabilidade legislativa, esse tema é muito interessante, mas todos os governos têm ao longo destes anos feito alterações, à média de duas por cada governo, incluindo governos do PSD mas sempre para pior e esse é que é o problema. Nunca é para melhor; é sempre para pior!
Não basta alterar a lei dos horários, Sr. Deputado Nuno Encarnação — aliás, já dissemos isso várias vezes! É preciso alterar a lei do licenciamento, é preciso dar crédito, é preciso criar condições para que os portugueses tenham poder de compra que é aquilo que vocês estão a liquidar neste momento, restringindo, assim, a capacidade de o comércio tradicional sobreviver!
Quanto ao facto de serem as autarquias a decidir isso, trata-se de uma mistificação, porque vocês sabem que uma grande parte, por exemplo destes 74, que foram liberalizados pelo PS, a sua área de influência é claramente superior à do município e, portanto, não têm nenhumas condições para regular esse horário.
Sobre o fomento do emprego, Srs. Deputados do PS, tive pena de que a intervenção não tivesse sido feita pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, que, na altura do anúncio do decreto-lei, prometia milhares de empregos…! E o que tivemos foi menos 30 900 postos de trabalho durante 12 anos de aplicação deste decreto-lei!!
E vou terminar dizendo mais uma vez ao Sr. Deputado Hélder Amaral e ao CDS-PP que não é o PCP que está contra o mercado e a concorrência; são vocês ao permitirem que alguns grupos de distribuição assumam uma posição monopolista, oligopolista, (oligopsónica, se quiserem…), relativamente a este mercado.
O que vocês permitem é que dois grupos em Portugal tenham mais de 50% do mercado de retalho alimentar e se considerarmos os cinco primeiros têm mais de 80% do mercado.
Isto é que é a destruição do mercado de retalho alimentar em Portugal e a destruição do pequeno comércio em Portugal.

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