Projecto de Lei N.º 765/XIV/2.ª

Regula o regime de trabalho em teletrabalho

Exposição de Motivos

O desenvolvimento científico e tecnológico é uma realidade com incidência em todos os planos da vida e da sociedade, e também no trabalho. Ele pode servir os trabalhadores ou, no quadro da sua apropriação pelo capital, ser posto ao serviço do seu objetivo de agravamento da exploração e de ataque aos direitos dos trabalhadores.

Sabemos que hoje com a crescente automação do processo produtivo que alia, nomeadamente, inteligência artificial e computação a organização do trabalho permite, em muitas situações, a separação física em diversas das unidades de produção de componentes, fora do mesmo espaço e até do mesmo país, dissociadas da unidade de produção que finaliza um determinado produto.

Sabemos também que a informática e o processo de digitalização de muitas atividades desmaterializaram a base de informação para o trabalho e abriram a possibilidade de uma separação física, presencial, do local a partir do qual se opera essa informação.

O grau de informatização nos processos produtivos, máquinas e equipamento tornam possível também a sua manutenção e mesmo manejo à distância.

A cada vez maior capacidade e velocidade de comunicação a partir das redes eletrónicas permite tecnicamente que, mesmo com separação física de centenas ou milhares de quilómetros, as condições de acesso não sejam muito diferentes das que tem quem acede, por via do mesmo tipo de redes, a escassas dezenas de metros.

É neste contexto que é referido o teletrabalho. No entanto no conceito de teletrabalho misturam-se realidades muito diferentes: trabalho à distância em instalações da empresa; o trabalho à distância em espaço comum a várias empresas e o trabalho a partir da residência dos trabalhadores que é, afinal, o que pretende ser promovido e endeusado.

Para o PCP não está em causa o aproveitamento das novas tecnologias ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida. O que está em causa, como várias vezes a vida tem demonstrado, é o aproveitamento por parte do grande capital, para criar ilusões e fragilizar os trabalhadores ou reduzir direitos.

O atual contexto epidémico favoreceu uma mais larga utilização de formas de teletrabalho a partir de casa, facto que alguns pretendem aproveitar para uma generalização acrítica, promovendo ilusões sobre vantagens para os trabalhadores e omitindo-se as consequências negativas, que aliás este período claramente evidenciou.

São muitos os riscos de perda, atropelo de direitos e consequências negativas para os trabalhadores em teletrabalho designadamente:

  • Pressão para alargamento de horários, ritmos de trabalho, disponibilidades permanentes, com a dificuldade acrescida de definir, controlar e fiscalizar os tempos de trabalho;
  • Transferência para os trabalhadores de custos de instalações, sua manutenção e acomodação, comunicações, água, eletricidade, consumíveis e material de escritório, bem como a pressão para o uso de instrumentos de trabalho do trabalhador ao serviço da empresa;
  • Invasão da privacidade e intimidade da vida dos trabalhadores, confusão entre o espaço de trabalho, o espaço familiar, o espaço pessoal e privado;
  • Fazer caminho para acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores, no imediato ou a prazo – como o subsídio de refeição, de transportes e outros, que estejam relacionados com a deslocação para o local de trabalho;
  • Desresponsabilização das questões de segurança e saúde no trabalho e da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais, estabelecendo a confusão entre o que é esfera privada e individual e a que é do trabalho em condições de teletrabalho, para fugir às responsabilidades que cabem às empresas, num quadro em que se potencia o desenvolvimento e agravamento de doenças do foro psicossocial resultantes do isolamento e da solidão, bem como da não diferenciação do ambiente do trabalho e da residência;
  • Separação física e maior isolamento dos trabalhadores uns dos outros, em seu prejuízo, negando a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal, com a promoção da fragilização (se não mesmo uma rutura) na construção de laços de sociabilização e de afirmação de espaços de solidariedade coletiva, com impactos negativos no esclarecimento, na unidade, na organização e na luta dos trabalhadores.

Para o PCP é claro que os trabalhadores em teletrabalho têm de ter os mesmos direitos e segurança no trabalho que os restantes trabalhadores, conforme prevê o Código do Trabalho.

Também nos parece evidente que a entidade empregadora tem a obrigação de criar as condições de trabalho que protejam o trabalhador das implicações do trabalho em visor, designadamente com observância a pausas, ergonomia e características técnicas do material, atenção especial na saúde.

Mas num momento em que o teletrabalho está imposto, em que há empresas que, de forma oportunista, pretendem tornar definitiva uma realidade transitória e temporária por força da situação sanitária, impondo aos seus trabalhadores o teletrabalho de forma permanente (como fez a Seguradora Liberty, recentemente) e aproveitando o teletrabalho para atropelar e retirar direitos, o PCP apresenta propostas que fixam e garantem os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo teletrabalho:

  • Propomos que seja fixado um valor de ajudas de custo para compensar o trabalhador pelos gastos acrescidos, nomeadamente, com comunicações, eletricidade, água, entre outros, rejeitando que as responsabilidades da entidade patronal sejam transferidas para os trabalhadores.
  • Garantimos que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação, o economato, equipamentos de trabalho como cadeira, secretária e demais mobiliário afeto à atividade laboral, sua instalação e acomodação, bem como todos instrumentos e equipamentos utilizados pelo trabalhador no local de trabalho são fornecidos pela entidade patronal, cabendo a esta arranjos e manutenção dos mesmos.
  • Garantimos que um trabalhador em teletrabalho tem um posto de trabalho seu na empresa, rejeitando a ideia de que a casa do trabalhador seja um posto de trabalho ou local de trabalho – casa, habitação, espaço familiar são da esfera privada do trabalhador, não podendo ser encaradas ou definidas como uma “extensão” da empresa.
  • Garantimos a possibilidade de, a qualquer momento, o trabalhador poder regressar ao posto de trabalho na sua empresa, assegurando a preservação de uma lógica temporária e transitória do trabalho a partir do domicílio.
  • Garantimos que o trabalhador tem o poder de rejeitar a proposta de teletrabalho, quando considere que não estão reunidas as condições para que preste a sua atividade com dignidade, privacidade e respeito pelas condições de Segurança e saúde no trabalho.

O PCP, rejeitando a transformação do domicílio do trabalhador num local de trabalho da empresa e a generalização do teletrabalho como uma panaceia para todos os males, não abdica de intervir e apresentar propostas que salvaguardem os direitos dos trabalhadores em situação de teletrabalho.

Nestes termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º e da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à 16.ª alteração à Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho, com vista à garantia dos direitos dos trabalhadores em regime de teletrabalho.

Artigo 2.º

Alteração ao Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho

O artigo 166.º, 167.º, 168.º, 169.º e 170.º do anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, Lei n.º 69/2013 de 30 de agosto, Lei n.º 27/2014, de 08 de maio, Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto, Lei n.º 8/2015, de 14 de Abril, Lei n.º 120/2015, de 1 de Setembro, Lei n.º 8/2016, de 01 de abril, 2 Lei n.º 8/2016, de 23 de agosto, Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, Lei n.º 14/2018, de 19 de março, Lei n.º 90/2019, de 04 de setembro e Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

[…]

Artigo 166.º

Regime de teletrabalho

  1. O trabalhador pode excecionalmente exercer a atividade em regime de teletrabalho mediante a celebração de acordo com a entidade empregadora.
  2. (...).
  3. (...).
  4. (…).
  5. O acordo está, obrigatoriamente, sujeito a forma escrita e deve conter:
    1. (…);
    2. Indicação da atividade a prestar pelo trabalhador, com menção expressa do regime de teletrabalho, o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicável, a retribuição, incluindo o subsídio de refeição e demais valores a pagar nos termos da alínea f);
    3. Indicação do período normal de trabalho, bem como, do horário de trabalho diário e semanal;
    4. O período previsto para a prestação de trabalho em regime de teletrabalho, após o qual o trabalhador regressa ao seu local e posto de trabalho;
    5. A identificação dos instrumentos de trabalho, todos da propriedade da entidade empregadora, conforme previsto no artigo 168.º;
    6. (Novo) Valor a pagar, mensalmente, pela entidade empregadora a título de abono de ajudas de custo por conta do acréscimo de despesas realizadas ou a realizar, nomeadamente, com os consumos de água, eletricidade, internet e telefone;
    7. (Anterior al.f)).
  6. Na prestação de trabalho, em regime de teletrabalho, o horário de trabalho não se pode iniciar antes das 8 horas e terminar depois das 19 horas.
  7. (…).
  8. Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n.º 3 e 5 e constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 4.

Artigo 167.º

Duração do teletrabalho

  1. A duração inicial do acordo para prestação de trabalho em regime de teletrabalho não pode exceder três anos, podendo, este período, ter a duração até cinco anos quando estabelecido em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
  2. Qualquer das partes pode fazer cessar, a todo o tempo, o acordo referido no número anterior.
  3. Cessando o acordo para prestação de trabalho em regime de teletrabalho, o trabalhador retoma a prestação de trabalho, no local e posto de trabalho definido no contrato de trabalho.
  4. Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no número anterior.

Artigo 168.º

Instrumentos de trabalho e pagamento de despesas em regime de teletrabalho

  1. Os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação, economato e qualquer instrumento ou mobiliário eventualmente necessário, pertencem ao empregador e são por este cedidos, devendo ainda assegurar a instalação e manutenção dos mesmos e o pagamento das inerentes despesas.
  2. [Novo] A entidade empregadora assegura ainda o pagamento do acréscimo de despesas que o trabalhador tenha pela execução do trabalho em regime de teletrabalho, nomeadamente, com os consumos de água, eletricidade, internet e telefone cujo valor diário não poderá ser inferior ao correspondente a 2,5% do valor do Indexante dos Apoios Sociais, sem prejuízo da aplicação de disposições mais favoráveis ao trabalhador em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
  3. (Anterior n.º 2).
  4. (Anterior n.º 3).

Artigo 169.º

Segurança e saúde no trabalho e Igualdade de tratamento

  1. (…).
  2. (…).
  3. (…).
  4. [Novo] O empregador deve promover, com a periodicidade de 3 meses, a realização de exames de saúde adequados para avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício do trabalho em regime de teletrabalho, bem como a repercussão deste e das condições em que é prestado na sua saúde.
  5. [Novo] O empregador deve assegurar:
    1. A adequação dos meios de proteção e prevenção em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores em regime de teletrabalho, bem como, que os mesmos se encontrem disponíveis a qualquer momento;
    2. A atualização dos seguros de acidentes de trabalho considerando o exercício da atividade laboral em regime de teletrabalho, seja qual for o local onde este seja prestado.
  6. [Novo] Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

Artigo 170.º

Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho

  1. (…).
  2. [Novo] Os instrumentos de trabalho eletrónicos, de imagem e som destinam-se exclusivamente ao exercício da atividade laboral não podendo ser usados para vigilância e controlo do trabalho e do espaço em que o trabalhador se encontra, por parte da entidade empregadora.
  3. Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local tem que ter a concordância do trabalhador e só deve ter por objeto a instalação, reparação e manutenção dos instrumentos de trabalho, devendo ser marcada por acordo e apenas pode ser efetuada, entre as 10 e as 17 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
  4. [Novo] O controlo da atividade laboral do trabalhador em regime de teletrabalho só pode ser efetuado no local e posto de trabalho do mesmo, nas instalações da entidade empregadora.
  5. Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

Artigo 171.º

Participação e representação coletivas de trabalhador em regime de teletrabalho

  1. O trabalhador em regime de teletrabalho, mantém os direitos sindicais e integra o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva, podendo candidatar-se a essas estruturas.
  2. É garantido ao trabalhador, pela entidade empregadora, a utilização de tecnologias de informação e de comunicação afetas à prestação de trabalho para participar em reunião ou plenários sindicais promovidos por estrutura de representação coletiva dos trabalhadores, assim como o tempo necessário à sua deslocação até ao máximo de 1 hora e 30 minutos.
  3. Qualquer estrutura de representação coletiva dos trabalhadores pode utilizar as tecnologias referidas no número anterior para, no exercício da sua atividade, comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, através de listagem dos contactos eletrónicos dos trabalhadores em teletrabalho, cedida pela entidade empregadora, nomeadamente divulgando informações a que se refere o n.º 1 do artigo 465.º
  4. [Novo] O trabalhador pode ainda, nos termos do número anterior, receber toda a informação sindical por comunicação eletrónica ou através dos portais reservados aos trabalhadores, cuja publicação deve ser garantida pela entidade empregadora.
  5. Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no presente artigo.

(…)

Artigo 231º

Registo de trabalho suplementar

  1. (…).
  2. (…).
  3. [Novo] O trabalhador em regime de teletrabalho só pode realizar trabalho suplementar desde que o mesmo seja solicitado por escrito pela entidade empregadora.
  4. (Anterior n.º 3).
  5. (Anterior n.º 4).
  6. (Anterior n.º 5).
  7. (Anterior n.º 6).
  8. (Anterior n.º 7).
  9. (Anterior n.º 8).
  10. (Anterior n.º 9).

[…]

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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