(projeto de lei n.º 308/XII/2.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresenta, hoje, um projeto de lei que visa regular o cultivo de variedades agrícolas geneticamente modificadas, proibindo o cultivo e a libertação em meio não controlado dessas variedades em território nacional. Abre, contudo, um conjunto de exceções, nomeadamente para o cultivo de variedades agrícolas geneticamente modificadas em meio controlado para
fins de investigação científica, para fins medicinais ou terapêuticos ou para outros fins de relevante interesse público.
Reconhecendo a crescente importância da biotecnologia e o impacto muito positivo que o conhecimento sobre os processos biológicos pode ter para o desenvolvimento económico, em particular nas áreas da agricultura e da produção de alimentos, o PCP não pode deixar de pugnar por uma criteriosa aplicação do princípio da precaução.
Na realidade, subsistem muitas dúvidas e interrogações, sustentadas cientificamente, relativamente à utilização de organismos geneticamente modificados, no plano da segurança alimentar e da biodiversidade, em particular no que diz respeito à possibilidade de contaminação de produções agrícolas convencionais ou biológicas por variedades geneticamente modificadas.
Acresce ainda que estudos científicos têm mostrado a existência de potenciais riscos para a saúde humana de espécies transgénicas, como, por exemplo, aquelas referidas nos projetos de resolução de Os Verdes e do BE, também hoje aqui em discussão.
A atual legislação portuguesa sobrepõe o direito a cultivar sementes transgénicas ao direito a não as cultivar, responsabilizando o produtor de agricultura convencional ou biológica pela tomada de precauções que limitem a contaminação das suas explorações pelas transgénicas vizinhas, enquanto os produtores de variedades transgénicas são apenas responsabilizados pela notificação dos produtores convencionais adjacentes. Além disso, a atual legislação hierarquiza de forma invertida os direitos de cultivar ou não cultivar organismos geneticamente modificados, ao permitir que um único produtor de variedades transgénicas inviabilize a declaração da sua região como zona livre de organismos geneticamente modificados. Estamos, assim, perante um quadro legislativo que favorece a generalização das produções transgénicas.
Às preocupações no plano da segurança alimentar e da biodiversidade, acresce ainda uma outra preocupação, não menos relevante, com a soberania alimentar nacional. O cultivo de variedades vegetais de organismos geneticamente modificados significa uma relação comercial de forte dependência dos agricultores nacionais face às multinacionais das indústrias biotecnológicas agroalimentares, que detêm a patente das variedades transgénicas. Esta dependência permite que estas multinacionais reforcem o seu domínio sobre áreas importantes da agricultura portuguesa, pondo em risco a soberania alimentar nacional.
A agricultura dominante, em Portugal, é a das explorações agrícolas familiares, de pequena e média dimensão, de pendor policultural, e não a de explorações empresariais de grandes dimensões, centrada em produções intensivas e de massa. Assim, a agricultura nacional só tem a ganhar com a defesa e a promoção da qualidade de um produto nacional, de espécies regionais e tradicionais, ao invés da padronização da produção. A agricultura convencional ou a agricultura biológica constituem objetivamente modos de produção bastante mais adequados às características do próprio mercado nacional e ao mercado externo em que Portugal pode competir.
É, pois, do interesse de Portugal, quer no que diz respeito à segurança alimentar e à proteção da biodiversidade, quer ainda no que diz respeito à defesa da soberania alimentar nacional, que a agricultura convencional e biológica seja a regra da agricultura nacional e que o cultivo de organismos geneticamente modificados seja a exceção. É este o objetivo do projeto de lei que o PCP apresenta aqui.
Hoje, em nome do princípio da precaução, admitimos a exceção para a investigação científica para fins medicinais ou terapêuticos ou para outros fins de relevante interesse público. Amanhã, face ao desenvolvimento científico e tecnológico, os portugueses decidirão o que é melhor para a agricultura nacional e para o País.