Intervenção de

Regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico<br />Intervenção do Deputado Honório Novo

Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosPode dizer-se que esta era uma decisão anunciada. Só a maioria parlamentar, cega e surda perante argumentos que insistentemente lhe foram colocados, insistindo em soluções manifestamente feridas de inconstitucionalidade, não quis ver o futuro que estava reservado ao conjunto de alterações com que pretendia alterar o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico. A decisão unânime do Tribunal Constitucional, suscitada pela intervenção do Presidente da República, veio assim confirmar a inconstitucionalidade, aliás óbvia, de normas em que a maioria primeiramente insistiu. Uma delas previa que a extensão das margens (das águas do mar) passaria a ser limitada por estradas a construir por mera decisão das autoridades regionais; outra conferia poderes constitucionalmente não regionalizáveis aos órgãos de governo das Regiões autónomas.A maioria não foi apenas insensível à argumentação do PCP e de toda a oposição. Também não considerou as vozes do seu interior, esqueceu argumentos de deputados regionais, designadamente do CDS/PP, esqueceu dúvidas aqui mesmo expressas durante o debate na generalidade. Aliás, Senhor Deputado, não se entende porque é que havendo essas dúvidas, o seu Grupo Parlamentar votou as normas anticonstitucionais.Imposta pelo Tribunal Constitucional a marcha atrás, a maioria não ousa insistir em repor sob formas diversas as normas inconstitucionais que tentara fazer passar. Expurga-as pura e simplesmente do conjunto de alterações que propõe ao Decreto-lei nº 468/71, de 5 de Novembro.Mas não se demite de aqui produzir discurso que constitui uma autêntica mas lamentável profissão de fé contra o Tribunal Constitucional.Só que, para além dessas normas, subsistem outras questões de natureza política que fazem manter as nossas objecções relativamente às modificações que se pretendem aprovar.Antes do mais, as alterações que permanecem, designadamente aquela que impõe uma diminuição – ou até a eliminação completa – das margens do domínio hídrico quando estas atingirem estradas já construídas, ou aquela que pode fazer determinar a sua integral eliminação e subsequente substituição por uma “zona adjacente” mereceram pareceres negativos da Comissão do Domínio Público Hídrico publicado em Janeiro de 2002.Ora, esta sucessão de propostas pode vir a subverter, juridicamente, o sistema de defesa nacional (tal como alude o referido parecer), não parecendo plausível que o Governo, através do Ministério da Defesa Nacional (que de forma absolutamente inaceitável permanece mudo apesar da polémica instalada) possa prescindir das áreas que se pretendem subtrair ao âmbito da defesa do Estado unitário.Pela nossa parte, causa-nos a maior estranheza que parcelas do litoral nacional possam ser juridicamente tratadas de forma tão diferenciada, umas inseridas no sistema de defesa, independentemente das condições concretas aí existentes, outras completamente arredadas dessas obrigações nacionais, mesmo que as condições locais existentes sejam absolutamente idênticas.Só que, neste contexto e perante a controvérsia, o Ministério da Defesa “aos costumes disse (e continua a dizer) nada”. E isto o PCP não pode nem vai aceitar.E que ninguém use o estafado argumento de que, com estas objecções, o PCP está a contrariar ou a limitar a autonomia das Regiões Autónomas. Essa é uma cassete cada vez mais desgastada e que é totalmente contrariada pelas posições intransigentes do PCP em defesa do Estatuto Político e Administrativo das Regiões Autónomas.Mas há ainda outras questões por trás das alterações que a maioria insiste em fazer ao regime do domínio público hídrico. E cujo tratamento, aprovadas as novas delimitações de margem, pretende cometer agora aos departamentos dos órgãos de governo regional.Bem se sabe o que no fundo motiva estas alterações (mesmo que com alcance limitado ou condicionado pela decisão do Tribunal Constitucional): permitir alargar a especulação imobiliária a zonas até hoje condicionadas, designadamente na Região Autónoma da Madeira. Aqui, continua a não haver Planos de Ordenamento da Orla Costeira que determine o usufruto e a preservação do litoral. E sobre isto o Senhor Deputado Carlos Rodrigues disse nada. Aqui, na Madeira, continua a assistir-se a um processo de privatização das zonas costeiras com a apropriação privada dos acessos ao mar. Para a Madeira, e para a maioria, parecem continuar a ser determinantes alterações que, ao arrepio de qualquer ordenamento costeiro, contrariando as necessidades nacionais de preservação do litoral – particularmente sensíveis em ilhas -, podem cair como “sopa no mel” nos vorazes apetites do desregramento imobiliário.São também estas as razões das nossas objecções. São certamente, e no fundamental, essas as razões que determinam a maioria a insistir no conjunto (ainda que mitigado) de alterações. Mas não nos queiram enganar. Nem queiram enganar, por mais retórica que seja a intervenção do Sr. Deputado Carlos Rodrigues, as populações das Regiões Autónomas, particularmente da Madeira. Não nos venham com falsos pretextos para justificar a pressão dos lobbies imobiliários.Não nos venham com falsas especificidades pois para o tratamento e para a resolução dos autênticos problemas de génese regional sempre nos mostramos e continuaremos a estar disponíveis.Não nos venham com a resolução dos problemas de titularidade de pequenos proprietários pois nas alterações que a maioria propõe não há uma única modificação que torne o processo de comprovação de titularidade mais expedito e menos demorado.Não nos venham com conversa fiada pois bem sabemos quem estas alterações querem de facto beneficiar. Mas para isso não contem com o PCP.

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