Intervenção de

Regime jurídico dos manuais escolares e de outro material didáctico<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, O projecto de lei em debate traduz duas matérias que, pela sua importância e diversa abordagem não têm vantagem em serem objecto de uma iniciativa simultânea e de um debate comum. No mesmo texto, o partido proponente pretende tratar do custo dos manuais escolares, não na perspectiva da Constituição da República Portuguesa, mas de acordo com o teor do despacho 13.224 de 7 de Julho de 2003 que ao arrepio dos direitos e deveres constitucionais e da Lei Quadro do sistema educativo nacional cria a figura do empréstimo de longa duração de manuais escolares para as crianças e jovens carenciados, responsabilizando as escolas pela sua concretização. o entanto, nesse prodigioso despacho consagra-se também que “A comparticipação nos encargos com a aquisição de manuais escolares, (…) não ocorre nos casos de insucesso escolar, por disciplina ou grupo disciplinar”. Carenciado mas com sucesso. Insucesso e acesso a manuais escolares sem restrições, só se for isento de dificuldades financeiras. A outra matéria, presente nesta iniciativa remete para a adopção e fiscalização dos manuais escolares, revogando o decreto-lei nº 369 de 26 de Novembro de 1990. Não obstante, se afirmar na exposição de motivos que se apresentam soluções alternativas e mais adequadas, o articulado proposto não o reflecte. Se não. Vejamos. O artigo primeiro começa por diminuir a exigência temporal da divulgação dos programas antes da sua entrada em vigor de 18 para 12 meses, encurtando o tempo para a concepção e produção de manuais escolares com melhor qualidade científica e pedagógica. No que se refere à validade da adopção, dilata-se em dois anos o período existente e uniformiza-se do 1º ciclo do ensino básico ao terminus do ensino secundário uma validade de 6 anos. Porquê a uniformização? Porquê passar de 4 para 6 anos? À adopção da estabilidade do manual, opõe-se a instabilidade do corpo docente e das sistemáticas e permanentes reformas e revisões que os governos têm vindo a produzir, sobretudo ao longo dos últimos 20 anos. E não estando resolvidas, antes agravadas estas instabilidades, não é realista, propor este alargamento. Quanto à decisão pelos docentes da adopção dos manuais escolares para o ensino básico e secundário, propõe-se exactamente o mesmo período do ano lectivo hoje em vigor – as primeiras quatro semanas do 3º período do ano escolar anterior ao início do período de vigência dos manuais escolares. Ora esta questão tem constituído objecto de crítica por parte de muitos docentes, sobretudo porque os manuais escolares chegam às escolas sem o tempo necessário para ser realizada uma selecção criteriosa e rigorosa. O que acontece é que as editoras, conhecendo este espaço de reflexão, o consideram como seu e não como pertença de todos os responsáveis que, no espaço educativo, realizam o trabalho de avaliação e adopção dos manuais escolares. Finalmente, não se entende porque razão as sustentações políticas da iniciativa legislativa traduzidas na exposição de motivos, desaparecem totalmente no articulado do texto. Detenhamos alguns exemplos:

  • Afirma-se que o sistema de avaliação dos manuais “tarda em funcionar”, mas não se altera, aligeira-se.
  • Afirma-se que as famílias continuam a ser um elemento passivo em todo o processo, mas não se propõe nenhuma alteração a este facto.
  • Reconhece-se que as famílias portuguesas gastam muito, e não podem, em manuais escolares. Reconhece-se, que na Europa Comunitária, Portugal está pouco acompanhado neste pesado orçamento a que obriga os portugueses no início de todos os anos lectivos e refere-se a Alemanha, onde os livros são gratuitos para todos e pertencem às escolas, ou a Inglaterra onde não se adoptam manuais e a informação escrita é distribuída de forma gratuita, ou a França, não referida no texto mas cujos manuais escolares são também gratuitos e outros exemplos poderiam ser dados.

Consequências destes factos enunciados não existem no articulado da iniciativa. Continuamos tão sozinhos como estávamos na exposição de motivos. Senhor Presidente Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, De facto, as duas matérias merecem a nossa reflexão mas com consequências e diferentes avaliações. Relativamente aos manuais escolares, cada novo ano lectivo representa um atentado aos orçamentos das famílias portuguesas. O Grupo Parlamentar do PCP apresentou em Junho de 2000, quando o partido socialista afirmava defender a gratuitidade dos manuais na escolaridade obrigatória e protelou a decisão para 2003, um projecto de lei que só contou com os votos contra do PS e o voto favorável do CDS que, entretanto, pelo que propõe hoje, voltou atrás. O artigo 74º assegura que “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. E acrescenta que incumbe ao Estado “Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuíto” e ainda “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”.Claro que a gratuitidade dos manuais escolares consagrada em muitos países da Europa, não em Portugal, não significa que a frequência da escolaridade obrigatória deixe de ter um enorme peso monetário na vida das famílias portuguesas. Porque estamos a excluir à partida todo o restante material didáctico, obrigatório e o facultativo, cuja aquisição por parte dos encarregados de educação dependerá das capacidades económicas ou da ausência delas. Estamos a excluir todas as modalidades especiais e actividades de ocupação de tempos livres que, apesar de constituírem parte da organização geral do sistema educativo, funcionam a expensas próprias das famílias. Estamos a excluir, as despesas de transporte, de alimentação e alojamento, cujos apoios económicos só se concretizam quando as dificuldades do agregado familiar tocam os limiares da sobrevivência. Estamos a excluir o acréscimo da despesa familiar que decorreu da política anti-pedagógica, mas sobretudo economicista, da criação dos agrupamentos, particularmente quando as decisões ignoraram o contingente de alunos obrigatoriamente deslocados e não ouvidos dos seus locais de residência. A gratuitidade dos livros escolares para toda a escolaridade obrigatória enquadra-se plenamente nos instrumentos legislativos que ordenam o nosso sistema educativo. Depende, exclusivamente da vontade política de quem governa e o partido socialista deve mais essa promessa por cumprir aos portugueses desde 1995. Tem agora a oportunidade de o fazer. Seria um passo muito importante para e democratização do acesso e do sucesso educativos. Seria um passo indispensável na criação de melhores condições de igualdade real de oportunidades. Seria um passo claro no não acolhimento de medidas de caridade que estigmatizam sócio-económica e sócio-culturalmente as crianças e jovens que a elas tiveram que recorrer. Relativamente à produção de manuais, a qualidade, a adopção, a certificação e as medidas de avaliação precisam de ser melhoradas e asseguradas. E nesta área, os mecanismos em vigor começaram por não ser cumpridos principalmente pelos diferentes governos e pelas editoras. Às escolas coube sempre suprir ora as omissões da administração, ora os erros veiculados pelos livros escolares. Aos docentes coube sempre a tarefa inglória de dizer às famílias que agora os programas eram outros, que agora não havia programas, que agora tinham sido produzidas alterações inesperadas e que era preciso comprar outro livro ou mais um livro. Senhor Presidente Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, Entendemos o manual escolar como mais uma fonte de informação, de saber e não tem que ser, na nossa opinião, a fonte privilegiada. Parece-nos importante relativizar a supremacia, no processo de ensino aprendizagem de um instrumento pedagógico. A actividade pedagógica deve socorrer-se particularmente da experiência do docente e do aluno, no processo de conhecimento e descoberta do real. Consideramos que princípios como:

  • Qualidade científica e pedagógica;
  • Inovação e estabilidade dos manuais escolares;
  • Autonomia das escolas e dos projectos educativos;
  • Critérios de avaliação e selecção objectivos e rigorosos, quer prévios ao lançamento, quer posteriores à publicação;
  • Preços de produção controlados;
  • Intervenção do Ministério da Educação, quando necessário, na produção de manuais escolares;

 Devem configurar o regime jurídico da adopção dos manuais escolares.  Os normativos em vigor têm fragilidades de operacionalidade (quer pelo conteúdo, quer pela ausência de regulamentação posterior) que dificultam a consecução de objectivos que são consensuais. texto proposto pelo CDS enferma das mesmas lacunas e acresce-lhe o não cumprimento do texto constitucional. s propostas não são, na nossa opinião, as soluções que as matérias exigem. Disse.

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