Senhor Presidente Senhores Deputados Senhores Membros do Governo:
A Assembleia da República aprovou já na generalidade dois projectos de Lei do P.C.P. sobre reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Com tal aprovação, finalmente obtida depois de goradas três iniciativas legislativas anteriores, os sinistrados do trabalho, ficaram na expectativa de ver o final de uma caminhada dolorosa, pejada de mortes, de sofrimentos, de penúria. Dramas causados normalmente, por uma organização do trabalho de vistas muito curtas, visando apenas o lucro imediato, ainda que à custa de direitos fundamentais dos trabalhadores e suas famílias, como o direito à vida.Esperava-se desta Proposta do Governoque ela tivesse adquirido as críticas feitas à legislaçãovigente, vigente há já 32 anos!
Foi tempo de aprender que quanto mais caro se torna reparar mais se investe na prevenção. E mais se defende o Homem integral, o que trabalha, mas não deixa de ser um Homem social, distinto da máquina porque do seu trabalho nasce a transformação do próprio Homem.
Foi tempo de aprender que havia necessidade de um novo enquadramento jurídico da reparação dos acidentes de trabalho, como o afirmou a UGT na consulta pública sobre os Projectos de Lei do P.C.P. e nas críticas que aos mesmos fez por não serem ainda a revolução jurídica que a U.G.T. defendia. Aliás, e frontalmente, o P.C.P. sempre afirmou que os seus projectos eram apenas um primeiro passo, destinada a pôr cobro de imediato, às pensões de miséria dos sinistrados do trabalho, eram projectos de emergência a que devia seguir-se um sistema social, e não privado, de reparação do infortúnio laboral. O único sistema, que por não visar o lucro à custa de sinistros e doenças, permitirá reformas arrojadas. Desta feita, na consulta públicasobre a proposta de lei do Governo, não pudemos contarcom a opinião da UGT que sobre a mesma não se pronunciou,ficando nós na dúvida sobre se é agora aUGT que dá o seu aval ao Governo nesta Proposta de Lei,ou se por pudor se teve de abster para não repetir em tomagora muito mais crítico, o que disse sobre os Projectosde Lei do P.CP.
Depois do debate e da audição promovida pela Comissão de Trabalho sobre as iniciativas do P.C.P., melhor fora que não se registassem alguns avanços na proposta do Governo.
Regista-se o fim do conceito de retribuição base, e o cálculo das pensões e indemnizações sobre a real retribuição do trabalhador.
Regista-se o alargamento do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente por forma a englobar os acidentes em trajecto; o subsídio por morte no valor de 12 salários mínimos nacionais, o aumento das despesas de funeral, o aumento da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, ainda não caracterizado como reparação pelos danos morais.
Registamos tudo isso. Mas registamos também aspectos profundamente negativos, denunciados pela CGTP e a que julgamos que se associaria com gosto a UGT , face às suas posições anteriores nesta matéria.
Na verdade, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, apenas se atribui aos casos de incapacidade absoluta ou incapacidade igual ou superior a 70%. E não constituindo estes o maior número de sinistrados do trabalho, as seguradoras não viram mal em ceder neste aspecto, fingindo dar resposta à exigência de reparação por danos morais.
Cederam aqui e nos outros casos apontados em troca de outros ganhos que a proposta não disfarça.
Embora a reparação , segundo a proposta, seja calculada com base no salário real do trabalhador, a verdade é que não se propõe a reparação total relativamente à desvalorização sofrida. Apenas se propõe a reparação de uma percentagem dessa desvalorização: 80, 50 ou 65 por cento da desvalorização conforme os casos. Assim, nem sequer os danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador são reparados, quanto mais os danos morais efectivamente sofridos pelos trabalhadores e suas famílias.
Acresce que em relação às desvalorizações inferiores a 30%, aquelas em que se situa o grande número de sinistrados, o Governo propõe que as pensões sejam obrigatoriamente remidas, apenas com base em 50% da redução sofrida na capacidade de ganho e com base numa tabela que por ora desconhecemos, mas que certamente tem a preparação com a prestimosa cooperação das seguradoras e do Instituto de Seguros de Portugal. Se um trabalhador tiver 20% de desvalorização apenas receberá um capital, calculado por uma fórmula que não nos fornece, como se tivesse apenas 10% de desvalorização.
É bom que se diga que nesta área, na das desvalorizações inferiores a 30% se situam as pensões mais degradadas, aquelas que segundo a actual legislação nunca puderam ter qualquer actualização. O quadro da remição assenta assim, numa base de cálculo baixa, para a grande maioria de sinistrados do trabalho. E com a remição obrigatória, as seguradoras livram-se de uma penada da obrigação de terem constituídas as provisões matemáticas, libertando-as para as utilizarem como lhes aprouver.
Isto é inadmissível.
Como inadmissível é que num diploma que pretende ser o que não é - um novo regime jurídico de reparação do infortúnio laboral - se não preveja actualização anual das pensões. A aprovação deste diploma tal como está, produziria a curto prazo a degradação das pensões, principal queixa dos sinistrados do trabalho. Importa também denunciar quea alteração do que se encontra previsto no nº2 da actual lei 2.127, parece redundar num manifesto prejuízopara os trabalhadores, e num benefício para as seguradoras.
Efectivamente, o artigo 2º da proposta de lei exclui da sua aplicação aqueles que em conjunto ou isoladamente, trabalhem na dependência económica da pessoa servida.
A actual lei equipara-os a trabalhadores por conta de outrem, obrigatoriamente segurados pela entidade recebedora do serviço.
Com a alteração, o que vai suceder é que as pessoas em determinados regimes, ilegais, como os trabalhadores com recibo verde, vão ter que provar a subordinação jurídica, para conseguirem da entidade patronal a reparação pelo sinistro.
Mas a situação é ainda mais grave. É que estes trabalhadores vão ser instados a fazer seguro como trabalhadores independentes, facto que já se passa hoje na função pública, ma administração hospitalar.
Com o que se enchem as carteiras de clientes das seguradoras privadas.
Esta proposta surge ao arrepio da evolução que na prática vem sucedendo acerca dos elementos característicos do contrato de trabalho. É que nestes dias, em que a precarização laboral assume formas cada vez mais sofisticadas, o que verdadeiramente caracteriza o trabalho por conta de outrem já não é a subordinação jurídica, mas a subordinação económica.
Deve ainda assinalar-se um artigo emblemático desta Proposta de Lei - o artigo 29º.
Se é verdade que este artigo tem de coordenar-se com a proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, a verdade também é que a redacção do nº2 do artigo 29º, não reafirmando a proibição, aqui tanto mais necessária quanto é certo que as entidades empregadoras se desfazem dos trabalhadores sinistrados como de um trapo velho e sem uso, esse dispositivo é de uma maneira infeliz a aceitação de despedimento sem justa causa, de trabalhadores sinistrados.
E passando por cima do artigo 38º da Proposta, onde se anuncia a fusão do Fundo de garantia e Actualização de pensões com o Fundo de actualização de pensões tão desejada pelas seguradoras para através dessa fusão exigirem do Estado o financiamento das actualizações das pensões pagas e ainda a pagar, far-se-á um convite aos senhores Deputados: enumerem os assuntos que ficam para regulamentação. Ele é a regulamentação do conceito de familiar a cargo, das tabelas de remições de pensões, do conceito de trajecto para o trabalho, da ocupação dos trabalhadores em caso de incapacidade temporária parcial, do tal Fundo de Garantia, da ocupação dos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho...
Como é que é possível, depois de tantas iniquidades produzidas para a legislação em vigor, chegar a esta altura sem ter tudo definido por forma a resultar claro o sentido da Proposta de lei.
Senhor Presidente senhores Deputados Senhores Membros do Governo:
Compreende-se pelo exame da Proposta, por que motivo, desde a aprovação na generalidade dos Projectos de lei do P.C.P., tantos trabalhadores se nos dirigiram insistindo pela aprovação dos mesmos na especialidade.
É que as nossas iniciativas legislativas, apesar de serem ainda um primeiro passo, consideram já o trabalhador como um homem social.