Apreciação Parlamentar N.º 31/XI

Regime jurídico da urbanização e edificação

Do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que «Procede à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de Maio»
(publicado no Diário da República n.º 62, 1.ª Série, de 30 de Março de 2010)

O Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, veio fazer uma revisão profunda do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE).

I) Entre as alterações realizadas destacam-se as que revêem o processo de aprovação de projectos e de inspecção das instalações de todas as especialidades de engenharia de urbanizações e edificações – n.º s 8 e 9 do artigo 13.º. Ou seja, a revogação dos procedimentos actualmente em vigor na legislação aplicável, sendo dispensáveis as apreciações prévias dos projectos e as inspecções às instalações, nomeadamente às instalações eléctricas e de gás de edifícios e de urbanizações, bastando a apresentação dos termos de responsabilidade dos técnicos autores dos projectos e da execução das instalações.

As alterações realizadas terão as seguintes consequências:

(i) A extinção de um conjunto de entidades e dos postos de trabalho qualificado associados, cujo principal objectivo de actividade era exactamente a realização dos serviços de aprovação e certificação de projectos e inspecção de instalações de gás e electricidade de edifícios e urbanizações.

(ii) A ausência de inspecções das instalações não permitirá controlar os requisitos de segurança e de qualidade dos materiais e equipamentos utilizados, conforme prevê actualmente a lei vigente, não sendo assim possível dar aos utilizadores uma real garantia da segurança e da qualidade de tais equipamentos.

Não havendo vistoria às instalações, os Distribuidores de Energia não têm qualquer garantia de que as instalações estão conformes com o Regulamento de Segurança, desconhecendo portanto se têm condições técnicas indispensáveis para assegurar a qualidade de serviço da rede de serviço público, pondo assim em risco a qualidade de serviço prestado às restantes instalações ligadas à rede.

II) Mas o que é particularmente estranho nesta revisão do enquadramento legislativo das instalações de electricidade e gás é que o departamento da Administração Pública – a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) – com responsabilidade e autoridade técnica e administrativa sobre a matéria, não tenha participado activamente na sua elaboração. Como refere, justamente, a posteriori, o Parecer da DGEG, «Não pode deixar de se estranhar que um Ministério (no caso, o Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento) que detém competências numa determinada área, não legisle sobre a matéria dessa área»!
Mas pior, é que a DGEG tem uma opinião crítica e negativa relativamente às alterações produzidas. E, comungando da sua Direcção de Serviços de Energia (DSE), considera como consequências directas da nova regulamentação:

(i) a eliminação dos postos de trabalho que estão na dependência da Certiel, Entidades Inspectoras e das próprias Direcções Regionais de Economia;

(ii) uma diminuição da qualidade e segurança das instalações;

(iii) um procedimento inaceitável para a interface com a rede de distribuição;

(iv) uma perda irreparável na área da formação e informação técnica para o sector;

(v) uma perda de conhecimento da área técnica, controlada pela DGEG;

(vi) uma perda de capacidade de intervenção a nível internacional e, em particular, com os países de expressão oficial portuguesa.

O Parecer da DGEG desmonta igualmente a pouca razoabilidade de alguma argumentação invocada no Preâmbulo do novo Decreto-Lei, nomeadamente da necessidade de reduzir prazos e custos dos processos de aprovação, certificação e inspecção das instalações.

III) Por outro lado, no caso das instalações de gás, o processo de revisão do enquadramento legislativo pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, é incompreensível sem a simultânea revisão de outra legislação existente, salvo haver intenção de ainda a vir a realizar (o que não é declarado) no prazo que decorre até à sua entrada em vigor.

De facto, o Decreto-Lei n.º 521/99, de 10 de Dezembro, estabelece as normas a que ficam sujeitos os projectos de instalações de gás a incluir nos projectos de construção, ampliação ou reconstrução de edifícios, bem como o regime aplicável à execução da inspecção das instalações e a Portaria n.º 362/2000, de 20 de Junho, aprova os procedimentos relativos às inspecções e à manutenção das redes e ramais de distribuição e instalações de gás e o estatuto das Entidades Inspectoras das redes de distribuição e instalações de gás.

Ora, de acordo com o novo RJUE, a dispensa da certificação, quer do projecto quer da sua execução, é a antítese do conteúdo dos diplomas acima referidos (Decreto-Lei n.º 521/99 e Portaria n.º 362/2000).

Passamos, assim, a ter dois decretos - leis com disposições contrárias.

Relativamente à certificação ou aprovação dos projectos, o Decreto-Lei n.º 521/99 prevê a obrigatoriedade de verificação da conformidade do projecto de gás com a legislação aplicável, por uma Entidade Inspectora, devendo um dos exemplares por ela visados «ser apresentado na entidade competente para o licenciamento do edifício, sem o que a respectiva licença de obras não pode ser concedida».
Também no que diz respeito à verificação da conformidade da execução da instalação de gás com o projecto, a legislação em vigor define a obrigatoriedade de realização de inspecção.

Quer o Decreto-Lei n.º 521/99 quer a Portaria n.º 362/2000 definem que a Empresa Distribuidora de Gás só pode dar início ao abastecimento «depois de a Entidade Inspectora ter procedido a uma inspecção das partes visíveis, aos ensaios da instalação e à verificação das condições de ventilação e de evacuação dos produtos da combustão, por forma a garantir a regular utilização do gás em condições de segurança».

IV) A EDP, seguindo a avaliação geral negativa da DGEG e das associações de profissionais do sector, releva ainda os impactos das alterações introduzidas, antecipando, pela sua aplicação, um clima de «indefinição e de litigiosidade em prejuízo de todos os intervenientes no processo».

Face às considerações expostas,
Ao abrigo do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que «Procede à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de Maio» (publicado no Diário da República n.º 62, I Série, de 30 de Março de 2010).

Assembleia da República, em 29 de Abril de 2010

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