Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Regime jurídico da urbanização e edificação

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que procede à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de Maio (apreciação parlamentar n.º 31/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
É difícil escolher por onde começar na abordagem do novo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. É um processo tortuoso, equívoco, incompreensível, à mistura com propaganda demagógica, cheia de imprecisões e manipulações.
As alterações revêem o processo de aprovação de projectos e de inspecção das instalações de gás e electricidade. As consequências já foram referidas e são fáceis de prever: a extinção de um conjunto de entidades e postos de trabalho; a ausência de controlo dos requisitos de segurança e de qualidade dos materiais e equipamentos.
Mas extraordinária é a forma como o Governo concebeu a participação das entidades que, há muitos anos, com competência e diligência, desempenhavam essas funções, violando, frontalmente, do ponto de vista formal e material, a própria legislação. O Governo «faz ouvidos de mercador» às suas opiniões, e de outras entidades, abrangidas pela legislação em causa.
A isto acresce um estranho e perturbante mistério: mesmo conhecendo nós as dificuldades da
«interministerialidade», a ausência do Ministério da Economia é um mistério, algo que deveria ser suficiente para que o processo legislativo não avançasse e o Decreto-Lei não fosse promulgado. Aliás, o Governo informou o Presidente da República de que a DGEG não tinha sido ouvida e tinha uma opinião negativa, em face do seu questionamento sobre se a alteração oferecia garantias adequadas à segurança dos projectos.
Mistério!
De facto, como é possível, que, na revisão do enquadramento legislativo das instalações de electricidade e gás, o departamento da Administração Pública — a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) — com responsabilidade e autoridade técnica e administrativa sobre a matéria não tenha participado activamente na sua elaboração?!
Como refere, justamente, o parecer, a posteriori, da DGEG, «Não pode deixar de se estranhar que um Ministério (no caso, o Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento) que detém competências numa determinada área não legisle sobre a matéria dessa área»!
Com a agravante de que a DGEG tem uma opinião crítica e muito negativa relativamente às alterações produzidas, opinião que reproduz a voz autorizada de Martins de Carvalho, o Sr. Director dos Serviços de Electricidade da DCEG.
Mas para quem tenha dúvidas, temos, depois, as escusas do Sr. Secretário de Estado da Energia — foi pena que tivesse abandonado a Sala do Plenário —, para responder em sede de Comissão de Assuntos Económicos.
O Director-Geral de Energia e Geologia veio à mesma Comissão, para ser ouvido, mas avisou, na véspera, que não se pronunciaria sobre o diploma, dado que o mesmo ainda não tinha sido publicado em Diário da República. Extraordinário!
Depois, foi a vez de o Ministro da Economia também não esclarecer a questão, em sede de Comissão de Assuntos Económicos. E, quando se lê o parecer da DGEG, na mesma audição, onde se diz que são «Consequências directas da implementação do novo sistema: 1 — Uma diminuição da segurança e da qualidade das instalações eléctricas em Portugal», é o Secretário de Estado que faz a afirmação pífia de que não é verdade, porque a segurança está garantida.
De facto, a Assembleia da República só pode fazer uma coisa: corrigir o que tem de ser corrigido! O Governo não merece o mínimo de confiança para tratar do assunto.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
É notável esta concepção de largo consenso da bancada do Partido Socialista e do Governo, uma vez que, para lá das entidades inspectoras e certificadoras, estiveram contra a DECO, a Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), os empreiteiros, a EDP, a Associação de Distribuidores de Propano Canalizado (ADPC) e, fundamentalmente – uma questão que o Sr. Secretário de Estado não esclarece! –, a Direcção-Geral de Energia e Geologia, com responsabilidade total, técnica e administrativa, sobre o assunto!
Isto é consenso?! Não tem uma opinião?!
Há-de esclarecer-me essa questão.
Estava convencido de que o Sr. Secretário de Estado vinha aqui invocar aquele argumento que utilizou em alguns textos de que estas medidas eram para pôr fim à fiscalização de engenheiros por engenheiros! Estava à espera! «Volta Maria de Lurdes Rodrigues, que estás perdoada!»
Mas o Sr. Secretário de Estado atreve-se a falar em legislação complementar para existir mais segurança e mais qualidade.
Sr. Secretário de Estado, vou ler-lhe, mais uma vez, aquilo que consta do parecer da Direcção-Geral de Energia e Geologia: «consequências directas da implementação do novo sistema: uma diminuição da segurança e da qualidade das instalações eléctricas em Portugal; um procedimento duvidoso para a interface com a rede distribuição, uma perda na área da formação e informação técnica para o sector; uma perda de conhecimento da área técnica tutelada pelo Ministério da Economia; uma perda de capacidade de intervenção a nível internacional, em particular com os países de expressão oficial portuguesa; a eliminação de postos de trabalho qualificados»!
Sr. Secretário de Estado, não utilize outros argumentos nem invente legislação posterior, porque isto não tem solução que não seja a sua correcção em sede da Assembleia da República.

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