Projecto de Lei N.º 531/XI-2ª

Regime jurídico da segurança social dos trabalhadores das pedreiras

Regime jurídico da segurança social dos trabalhadores das pedreiras

Estabelece o regime jurídico da segurança social dos trabalhadores das pedreiras, antecipando a idade de acesso à pensão por velhice

Exposição de Motivos

Em Julho de 2006, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa, idêntica ao presente Projecto de Lei, que pretendia cria um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores das pedreiras. Nessa altura, o PCP fundamentou a iniciativa legislativa com o facto de estes trabalhadores, devido à exposição à sílica, ficarem com elevado grau de incapacidade para o trabalho. Na verdade, a exposição à sílica provoca doenças pulmonares que, além de incapacitar para o trabalho levam, em muitos casos, à morte prematura.

Acontece que as condições de trabalho e penosidade não se alteraram desde então, antes pelo contrário. Além da diminuição dos salários, a precariedade, o trabalho ilegal ou não declarado e o pagamento à peça, aumentaram os riscos de doença destes trabalhadores. Na verdade, o aumento dos ritmos de trabalho e a introdução de novas máquinas aumentaram os riscos de exposição à sílica e ao ruído. Assim, hoje há mais trabalhadores, e cada vez mais novos, com graves problemas de saúde na coluna, com tuberculose, problemas de audição e com sílica nos pulmões que incapacitam estes trabalhadores e colocam a sua saúde seriamente em risco.

Assim, o PCP retoma a presente iniciativa legislativa, uma vez que o Projecto de Lei 297/X foi rejeitado com os votos contra do PS e a abstenção do PSD e CDS-PP.

Importa relembrar que as condições de especial penosidade e o ambiente nocivo em que se desenvolvem certas actividades profissionais têm sido reconhecidas na legislação portuguesa desde o início da década 70. Foi nessa altura que começou por ser considerado o direito de antecipação da idade de acesso à pensão por velhice para os trabalhadores de interior na indústria mineira, tendo esse regime sido alargado a outras actividades de apoio nessa indústria, desde que exercidas no subsolo com “carácter habitual e predominante”.

Este regime especial foi posteriormente integrado num quadro normativo único (Decreto-Lei nº 195/95, de 28 de Julho) contemplando as disposições indispensáveis à concretização dos direitos reconhecidos aos trabalhadores das minas, o qual veio também permitir que, em casos excepcionais devidamente fundamentados, o regime especial criado pudesse ser igualmente aplicável aos trabalhadores do exterior das minas.

Mais recentemente, o Decreto-Lei nº 28/2005, de 10 de Fevereiro, veio determinar a extensão do regime criado pelo Decreto-Lei nº 195/95, de 28 de Julho, aos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA, e, também por proposta do PCP, veio a Lei n.º Lei n.º 10/2010, de 14 de Junho determinar que Estado assume a antecipação da idade da reforma por velhice mas também a necessidade de acompanhar e apoiar os trabalhadores e as suas famílias em caso de doença.

Desde há alguns anos que se coloca a necessidade de criar um regime legal que beneficie, de forma em tudo semelhante aos regimes até agora referidos, os trabalhadores das pedreiras existentes em Portugal.

É reconhecida a especial penosidade de trabalho dos trabalhadores que desempenham a sua actividade nas designadas “minas a céu aberto” ou “em galeria”. Não obstante a evolução tecnológica registada nas últimas décadas e a atenção que é hoje prestada às condições de trabalho existentes em todas as áreas produtivas, a verdade é que o problema, para os trabalhadores das pedreiras, não tem apenas e directamente a ver com a natureza desgastante ou a dureza da sua profissão. De facto, o que há sobretudo a sublinhar e a atender nesta actividade é o ambiente de trabalho e a perigosidade do ar respirado, em condições que fazem aproximar esta situação daquelas em que trabalham os trabalhadores de interior da indústria mineira.

Isto mesmo foi aliás expressamente reconhecido pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais (CNPRP) desde há bastantes anos. Concretamente, no seio do CNPRP, designadamente do seu Departamento de Avaliação e Prevenção de Risco Profissionais (DAPRP) têm sido produzidos estudos que permitem concluir que, “inerente ao funcionamento das empresas de exploração de pedreiras existe o risco generalizado da silicose” e igualmente o da surdez.

Em 2001 era o próprio Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social quem tornava públicos quadros confirmativos daqueles riscos e que, pela sua relevância, entendemos dever reproduzir no que respeita ao risco da silicose.

Tipo de trabalho ou operação N C
-mg/m3- VLE
-mg/m3- C/VLE
Perfuração com “ROC DRILL” 22 1,04 0,1 10,4
Taqueio (com martelos pneumáticos) 21 1,51 0,1 15,1
Pá carregadora 12 0,33 0,1 3,3
Britador primário 30 0,56 0,1 5,6
Britador secundário 16 0,68 0,1 6,8
Britador terciário 4 0,40 0,1 4,0
Crivagem 10 0,83 0,1 8,3
Moinho 7 1,07 0,1 10,7
Silos 4 0,84 0,1 8,4
Cabina de comando 16 0,33 0,1 3,3
Máquina de bujardar (em pedra) 4 0,77 0,1 7,7
Martelo picador (em pedra) 4 0,78 0,1 7,8
Trabalho manual em pedra (a fazer cubos, guias, picar pedra) 6 0,34 0,1 3,4

em que:

N – é o número de amostras colhidas de poeiras respiráveis em cada situação;
C – é a concentração média em quartzo (sílica livre cristalina) encontrada para cada situação, expressa em mg/m3;
VLE – é o Valor Limite de Exposição para as poeiras respiráveis de quartzo, estabelecido pela Norma Portuguesa (NP-1796, de 1988) que, actualmente, é de 0,1 mg/m3. Este valor não deve ser ultrapassado;
C/VLE – é a relação (quociente) entre a concentração de quartzo (c) encontrada e o respectivo Valor Limite de Exposição (VLE).

Face aos elementos fornecidos pelos estudos realizados pelo Departamento de Avaliação e Prevenção de Riscos Profissionais, plasmados neste quadro, o Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais concluía que, no que respeita à silicose, foi “detectado um risco muito elevado em todas as situações estudadas, variando de um mínimo de 3,3 até um máximo de 15,1 vezes superior ao valor limite de exposição legalmente estipulado”.

Também no que respeita à surdez, todas as situações estudadas pelo mesmo Departamento, com excepção de uma, apresentam igualmente valores superiores ao Valor Limite de Exposição.

Para os trabalhadores dos tipos de
Trabalho ou operações N Lep,d
-dB(A)- VLE
-dB(A)- Lep,d-VLE
-dB(A)-
Perfuração com “ROC DRILL” 19 101,9 90 11,9
Taqueio (com martelos pneumáticos) 24 101,3 90 11,3
Pá carregadora 3 93,0 90 3,0
Camião (transporte da pedreira para a britagem) 4 91,4 90 1,4
Britador primário 18 98,1 90 8,1
Britador secundário 12 98,7 90 8,7
Britador terciário 10 91,0 90 1,0
Crivagem 10 95,6 90 5,6
Moinho 7 95,4 90 5,4
Silos 2 98,3 90 8,3
Cabina de comando 11 84,7 90 - 5,3
Máquina de bujardar (em pedra) 3 99,0 90 9,0
Martelo picador (em pedra) 3 97,5 90 7,5
Trabalho manual em pedra (a fazer cubos, guias, picar pedra) 4 94,2 90 4,2

em que:
N – é o número de medições de ruído efectuadas em cada situação;
LEP,d – é o valor de ruído médio encontrado em cada situação, designado por Nível de Exposição Pessoal Diária de cada trabalhador durante um dia de trabalho, expresso em dB(A);
VLE – é o Valor Limite de Exposição que, segundo o Dec. Regulamentar nº 9/92, de 28 de Abril é para o LEP,d = 90 dB(A). Este valor não deve ser ultrapassado;
LEP,d-VLE – é a diferença entre estes dois parâmetros, em dB(A).

De acordo com as respostas dadas ao Grupo Parlamentar do PCP, em Março de 2008 existiam, de acordo com o CNPRP, 903 beneficiários de pensão devido a doença profissional decorrente da sílica ou surdez.

Reconhece-se que a implantação de medidas adequadas de prevenção de segurança, higiene e saúde no trabalho, a par de uma nova atitude laboral e de uma fiscalização mais eficiente, pode contribuir para um combate eficaz às condições que determinam a existência de riscos de surdez tão elevados como os detectados na indústria das pedreiras em Portugal. Mas, necessariamente, uma coisa é intervir no sentido de controlar e diminuir os valores limites de exposição, outra bem diferente é eliminá-los.

Este facto contribui, no plano do ruído e dos seus efeitos sobre a audição, para o agravamento de uma situação laboral particularmente penosa que tem o seu máximo expoente na falta de qualidade permanente do ar respirado pelos trabalhadores.

A realidade mostra e confirma ser manifestamente impossível alterar o ambiente de trabalho próprio deste tipo de unidades industriais. A existência permanente de concentrações muito elevadas de quartzo no ar respirado nas diferentes situações de trabalho constitui um facto absolutamente incontornável que em princípio nunca poderá ser eliminado nem reduzido a limites adequados e legais através da utilização de técnicas ou condições especiais de exercício das diversas tarefas desempenhadas nas pedreiras. Mais e pior do que isso é que a concentração de sílica livre cristalina em suspensão aérea existe não só nas zonas directas de trabalho, como igualmente em todas as imediações, mesmo quando os trabalhadores não estão a operar, incluindo os tempos e horários de pausa.

Este é sem qualquer dúvida, um ambiente perigoso para a saúde dos trabalhadores, entendendo-se facilmente a existência de altíssimos níveis de graves doenças respiratórias, em especial a silicose, que atingem a generalidade dos trabalhadores e que fazem com que muitos deles, em especial os que sempre trabalharam nas pedreiras, não sobrevivam até á idade normal de reforma.

Torna-se assim bem claro que se está perante um quadro laboral onde imperiosamente têm que ser aplicados, por razões de elementar equidade e justiça, os dispositivos legais previstos no Decreto-Lei nº195/95, de 28 de Julho, para os trabalhadores das minas.

A situação dos trabalhadores das pedreiras motivou a apresentação, de uma Petição dirigida à Assembleia da República, subscrita por mais de cinco mil cidadãos, e que precisamente propunha a “criação de um regime especial de acesso antecipado à pensão por velhice aos 55 anos para os trabalhadores das pedreiras”.

No âmbito da elaboração do relatório a que essa Petição deu origem, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social remeteu à Assembleia da República uma informação onde sublinha o quadro legal existente para situações do tipo das que são alvo da referida Petição e recorda que a respectiva resolução é possível e deverá constar de lei própria, em obediência ao artigo 24º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro.

No contexto desta informação, foi também sublinhada a necessidade de justificar as características penosas e desgastantes da actividade profissional em questão, em função das características específicas do respectivo desempenho, que, com esta iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP, fica suficiente e largamente demonstrada, sendo certo que esta situação é, há muito, do conhecimento das instâncias e departamentos governamentais competentes na matéria e reconhecida pelos parceiros sociais envolvidos.

Pode dizer-se que o Governo, não obstante todo um conjunto de medidas para “promover o envelhecimento activo” (sic) e para “desincentivar a passagem dos trabalhadores à situação de reforma” (sic) continua a considerar, pelo menos em tese, válidos os pressupostos que garantem a antecipação da idade de reforma nas situações como as dos trabalhadores das minas, que em tudo são semelhantes às dos trabalhadores das pedreiras.

Com a presente iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP, estará envolvido um universo global não superior a quinze mil trabalhadores que desempenham a sua actividade profissional nas pedreiras, sendo que a antecipação da idade de acesso à pensão de velhice para os 55 anos poderia levar à saída do mercado de trabalho de um número não superior a três mil trabalhadores.

Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma estabelece o regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice dos trabalhadores das pedreiras.

Artigo 2º
Âmbito pessoal

O presente diploma aplica-se a todos os trabalhadores das indústrias das pedreiras, nomeadamente no desempenho de funções de perfuração com “roc drill”, de taqueio, com martelos pneumáticos, britador secundário, britador terciário, de crivagem, em moinho, em silos, em cabina de comando, como manobrador de máquina de bujardar, de martelo picador, ou, genericamente, no desempenho de qualquer trabalho manual em pedra.

Artigo 3º
Idade legal de reforma

1- A idade normal de pensão de velhice fixada no regime geral de segurança social é reduzida em um ano por cada dois de serviço efectivo na indústria de pedreiras, desempenhado ininterrupta ou interpoladamente.
2- O disposto no número anterior tem como limite os 55 anos, idade a partir da qual pode ser reconhecido o direito daqueles trabalhadores à pensão por velhice.

Artigo 4º
Montante da pensão

1- O montante da pensão por invalidez é calculado nos termos do regime geral da segurança social, com um acréscimo à taxa global de formação de 2,2% por cada dois anos de serviço efectivo nas indústrias de pedreiras prestado ininterrupta ou interpoladamente.
2- O montante da pensão calculada nos termos do número anterior não pode ultrapassar o limite dos 80% da remuneração de referência.
3- O disposto no nº 1 é aplicável ao cálculo da pensão de sobrevivência a que tenham direito os familiares dos trabalhadores.
4 – À pensão calculada nos termos dos números anteriores não é aplicável o factor de sustentabilidade.

Artigo 5º
Princípio de não acumulação de pensões

As pensões de invalidez e de velhice atribuídas nos termos da presente lei não são acumuláveis com rendimentos de trabalho auferidos por exercício de actividade no mesmo sector, sendo suspensas enquanto se mantiver o exercício dessa actividade remunerada.

Artigo 6º
Requerimento

1- O requerimento para atribuição das pensões referidas no número anterior deve ser instruído com o documento comprovativo do exercício da actividade nos termos do artigo 2º.
2- O requerimento a que se refere o número anterior deve ser entregue no centro distrital de segurança social da área de residência do beneficiário, com expressa indicação do diploma ao abrigo do qual a pensão é requerida.

Artigo 7º
Responsabilidade pelos encargos financeiros

Os encargos financeiros com as pensões de invalidez e de velhice atribuídas nos termos da presente lei, serão suportados pelo Orçamento da Segurança Social.

Artigo 8º
Regime Subsidiário

Em tudo o que não se encontre expressamente previsto neste diploma é aplicável o regime estabelecido no Decreto-Lei nº 195/95, de 28 de Julho.

Artigo 9º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no início do exercício orçamental da Segurança Social subsequente à sua aprovação.

Assembleia da República, em 23 de Fevereiro de 2011

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