Intervenção de

Regime jurídico do divórcio - Intervenção de António Filipe na AR

 

Mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 232/X, que altera o regime jurídico do divórcio

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Considerámos atentamente os  fundamentos do veto político do Sr. Presidente da República ao texto aprovado nesta Assembleia sobre o regime jurídico do divórcio.

Há uma questão suscitada pelo Sr. Presidente da República a que, em termos gerais, somos, e sempre fomos, sensíveis: a indesejável desprotecção do cônjuge, ou ex-cônjuge, em situação economicamente mais fraca. Por isso dissemos, e reafirmamos, que, se nos demonstrarem que de alguma disposição do texto aprovado decorrem necessariamente consequências patrimoniais injustas, estaremos inteiramente disponíveis para aprovar a sua alteração. Fique claro, contudo, que estamos a falar de injustiças patrimoniais que possam decorrer de um divórcio decretado contra a vontade de um dos cônjuges.

Acontece, porém, que o Sr. Presidente da República, nos fundamentos do seu veto político, se refere a consequências negativas que a lei poderia ter, que, a nosso ver, a ocorrerem, não decorreriam do texto legal aprovado mas de uma interpretação errónea e forçada das suas disposições.

O Sr. Presidente da República reconhece que os deveres conjugais subsistem no Código Civil e que, cito, «a culpa não desaparece de todo da vida conjugal: deixa de existir para efeitos de subsistência do vínculo matrimonial, mas reemerge no momento do apuramento de responsabilidades». Ora, se assim é, as objecções segundo as quais o desaparecimento da culpa como causa de divórcio deixaria desprotegida a parte economicamente mais fraca deixam de fazer sentido.

Havendo situações de maus tratos, é evidente que, no momento da decisão judicial sobre as consequências patrimoniais do divórcio, essas situações não poderão deixar de ser ponderadas devidamente pelo juiz.

O facto de poder haver um divórcio baseado em causas diversas da culpa não significa que as consequências patrimoniais do divórcio sejam decididas de forma unilateral.

Para isso, há um juiz que decide, com base na lei e na justiça.

Não vemos nada na lei que aprovámos que imponha soluções injustas, e mal de nós se presumirmos que os juízes, podendo decidir bem ou mal, decidem forçosamente mal.

Mas insurge-se o Sr. Presidente da República contra a possibilidade de um cônjuge que viole os deveres conjugais, designadamente agredindo a mulher, poder obter o divórcio independentemente da vontade da vítima e afirma, ainda, que o novo regime poderia fazer com que um cônjuge em situação económica mais débil se sujeite a uma violação reiterada dos deveres conjugais, sob a ameaça de o outro poder requerer o divórcio.

Salvo o devido respeito, quer parecer-nos que a consequência lógica desta observação seria a constatação de que o interesse da vítima de maus tratos seria continuar casada com o agressor. E aí temos de dizer claramente que, em situações de maus tratos ou de violência doméstica, nos parece que um divórcio justo é mil vezes preferível a um casamento tormentoso.

E também não nos parece ter fundamento bastante a ideia de que o regime aqui aprovado conduzisse à redução do número de divórcios por mútuo consentimento e a um correlativo aumento dos divórcios não consensuais.

O veto político do Sr. Presidente da República assenta numa concepção segundo a qual, salvo mútuo consentimento, a cessação do vínculo conjugal só pode ocorrer com base na culpa de um dos cônjuges. É uma concepção legítima, mas não é a nossa. Defendemos um regime jurídico do

divórcio que contemple soluções justas e que proteja a parte economicamente mais fraca da relação que se desfaz, mas entendemos que não faz sentido obrigar duas pessoas a permanecer casadas por decisão unilateral de uma delas, mesmo que tenha havido uma ruptura de facto da relação conjugal.

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