Intervenção de

Regime jurídico das comunicações electrónicasIntervenção de Bruno Dias

 

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,

O debate em que nos encontramos volta a colocar este Parlamento perante uma questão central: a questão da defesa do interesse das populações e do país, no quadro da definição de políticas para um sector estratégico da economia.

 

Sabemos que nesta discussão – e nos diplomas que lhe dão origem – há uma importante componente de carácter técnico. Ouvimos (e voltaremos a ouvir) falar em espectros radioeléctricos, em lacetes locais, em interoperabilidade, etc.

Mas não podemos com isso esquecer que os problemas fundamentais aqui suscitados são de ordem política. O que está em causa não é a transposição pura e simples de especificações. É a definição de estratégias e de linhas orientadoras, que vão decidir o futuro do sector das telecomunicações – e por essa via, o nosso próprio futuro colectivo.

Por isso registamos a significativa opção do Governo em traçar um novo quadro legal para o sector, a coberto e “à boleia” da transposição de directivas comunitárias. E isto, ainda por cima, no quadro de um processo marcadamente à margem de um debate que se exigiria aberto, participado, aprofundado.

Com uma conveniente autorização legislativa, que a maioria PSD/CDS não há de regatear, remete-se para os gabinetes ministeriais o centro de todo o processo legislativo. O que faz com que a má consciência transpareça, tanto no processo como no pretexto.

No essencial, as principais novidades que a proposta de lei do Governo apresenta servem para definir a próxima fase de uma estratégia de liberalização dos mercados, que há muito começou a ser aplicada.

Depois de escancarada a porta do que era o sector público, privatizado o operador histórico, trata-se agora de passar à etapa seguinte – isto é, a partilha dos mercados e dos recursos pelos vários operadores e prestadores de serviços. E é essencialmente para isso que servem as novas orientações, designadamente no plano da regulação do mercado; e no plano do acesso dos diversos operadores às infra-estruturas da rede e seus terminais.

A esse propósito, relativamente à entusiástica abordagem que vemos acerca da entidade reguladora, do seu estatuto jurídico, quadro sancionatório, etc., interessa adiantar uma questão central: o Estado não é, nem pode ser, um simples “regulador de reguladores”.

O que temos vindo a verificar – e pela nossa parte, a denunciar – é a degradação da qualidade do serviço público, é o aumento dos preços, são as populações penalizadas, são os interesses accionistas privados sistematicamente a levar a melhor.

Ora, é justamente nesse quadro – e não noutro – que vem colocar-se a questão da regulação dos mercados. No fundo, é a regulação como componente de uma política de liberalização, ou se quisermos, como “seguro de vida” dessa estratégia.

Ora, para o PCP, a questão de fundo é a de serem estas opções políticas pela privatização da economia a raiz mais profunda do problema maior do ataque ao serviço público. Enquanto não questionarmos a raiz do problema, não será certamente pela via da regulação que a questão estrutural terá resposta.

Por outro lado, o diploma do Governo serve na prática, não para introduzir e fazer aplicar uma política que conduza a novos investimentos e a mais desenvolvimento da rede, mas sim para garantir a partilha pelos operadores daquilo que já existe, ou seja, da rede que foi construída pelo serviço público de telecomunicações.

Afinal, que melhorias concretas, que significativos investimentos foram introduzidos na rede básica de telecomunicações, desde que se entrou neste processo de privatização do sector?

Sejamos claros. A verdade, Senhor Presidente e Senhores Deputados, é que dificilmente podemos esperar melhores dias para o investimento. A esse nível, o que está feito foi o que o Estado pagou.

O que se trata neste momento é de atender às reivindicações do “mercado” (entenda-se, dos operadores e prestadores de serviços) e garantir a todos eles o acesso aos consumidores. No fundo, é disso que falamos quando falamos em desagregação e oferta de referência do lacete local.

Entretanto, dá-se o passo em frente no caminho de degradação da qualidade e do grau de exigência do serviço universal de telecomunicações. Exemplo mais que esclarecedor dessa opção é o do novo conceito de obrigação de serviço público.

Até agora, a lei obriga o operador de serviço universal a garantir «ligação à rede telefónica fixa, num local fixo, e acesso ao serviço fixo de telefone a todos os utilizadores que o solicitem». Com este diploma, o Governo vem agraciar o operador com a simpática obrigação de «satisfazer todos os pedidos razoáveis de ligação à rede telefónica pública»!

Significará isto que, ao alívio dos interesses privados, corresponde alguma poupança dos dinheiros públicos no seu financiamento? Desengane-se quem assim pensa.

É que a proposta do Governo, relativamente ao financiamento do serviço universal, promove a compensação dos «custos líquidos considerados excessivos» através da repartição do custo pelas outras empresas, mas também (em alternativa ou cumulativamente, mas antes de mais) através do recurso a fundos públicos.

Ou seja, o sector público investiu na rede. O Governo privatizou-a. E agora, os investimentos necessários para a sua manutenção e desenvolvimento são cobrados aos contribuintes – garantindo acima de tudo o lucro dos accionistas!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,

Uma última referência, mas não menos importante, relativamente ao posicionamento a que o Governo remete o Poder Local nesta matéria.

Sabemos que o peso crescente dos investimentos neste sector, ele próprio decorrente da sua importância na administração pública, assume uma dimensão de tal ordem que acaba por constituir um factor de constrangimento à sua própria eficácia e desenvolvimento.

E neste plano, a questão que se coloca é de saber qual a concepção do Governo relativamente ao Poder Local e ao seu posicionamento nas dinâmica deste sector. É a de consumidor entregue às mãos do mercado? Só tem deveres especiais? Serve para financiar os operadores?

Senão, vejamos este exemplo: o Governo, através do POSI, orienta os municípios a garantir pontos de acesso à Internet em banda larga, gratuitamente para os cidadãos. Isto, num quadro de infra-estruturas totalmente privatizadas, com uma lógica, não de serviço público, mas de mercado puro e simples.

Ora vejamos a forma, absolutamente espantosa, como se define a Taxa Municipal de Direito de Passagem.

Perante a antiga reivindicação do Poder Local, no sentido de serem fixadas contrapartidas pelo uso do subsolo por parte dos operadores, eis que o Governo propõe a criação de uma taxa a ser paga, nada menos que na conta do telefone do consumidor final!

Para cúmulo, o valor total da taxa a pagar pelo consumidor não é definido em função da utilização das infra-estruturas, mas sim em função do consumo! E aqui, por piruetas que o Governo dê, não consegue explicar a relação entre o número de horas que usamos o telefone ou a Internet e o valor da utilização de bens do domínio público, neste caso, o subsolo – utilização, recorde-se, que é feita exclusivamente pelo operador, em sua própria conveniência operacional.

O que pomos em causa não é a taxação do uso do subsolo. O problema é que estamos perante uma contraprestação tributária cobrada ao sujeito errado. Tudo isto, com o operador a servir de banco de todos os montantes envolvidos, e com o odioso da decisão remetido para os municípios!

Com opções políticas como estas, por muito que se fale em sociedade de informação, o que vemos é uma carga tarifária cada vez mais acentuada e a penalizar as populações.

Ao fim e ao cabo, o que o Governo pretende é um regime jurídico claramente instrumental, orientado para responder, não à questão central da aplicação das comunicações electrónicas para uma estratégia de desenvolvimento sustentável, mas sim a um escandaloso favorecimento dos interesses privados que dominam o sector.

Perante esta opção política, estamos convictos de que as populações, os consumidores, os trabalhadores do sector saberão mobilizar-se e agir em defesa dos seus direitos. E o PCP, também aqui no Parlamento, continuará a intervir activamente, na denúncia e no combate a esta linha de rumo.

 

 

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