Projecto de Lei N.º 497/XI-2ª

Regime jurídico da psicologia em contexto escolar

Regime jurídico da psicologia em contexto escolar

Define o regime jurídico da psicologia em contexto escolar, bem como o regime de contratação e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação nos estabelecimentos públicos de ensino
Preâmbulo
A Constituição da República Portuguesa é muito clara na responsabilidade do Estado sobre a Educação. No artigo 73.º podemos ler que é papel fundamental do Estado promover a democratização da educação; contribuir para a igualdade de oportunidades; a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais; “o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva”.
A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) assume que “o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho”.

Na União Europeia existe hoje um consenso generalizado quanto ao impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar (“Education, Training, Professional Profile and Service of Psychologists in the European Educational System; 2010”), nomeadamente nas áreas de acção e intervenção: saúde mental global da comunidade educativa; efectiva educação para a saúde; melhoria das aprendizagens; prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; promoção de competências transversais; processo de tomada de decisão vocacional; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente. Importa salientar que na larga maioria dos países da União Europeia existem, no sistema educativo, equipas de apoio ao trabalho da psicologia em contexto escolar que integram assistentes sociais, profissionais das ciências da educação, animadores sócio-culturais.

Este impacto positivo tem tido expressão no combate ao abandono e insucesso escolar; maior qualidade na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem; maior sinergia de recursos humanos; maior decisão vocacional; mais e melhor saúde sexual e reprodutiva; menor consumo de substâncias psicotrópicas; maior participação dos diversos agentes educativos. Ao reconhecimento e valorização do trabalho dos psicólogos em meio escolar é fundamental que correspondam condições efectivas de estabilidade laboral, pessoal e pedagógica, bem como a possibilidade de ingresso e progressão na carreira.

No entanto, a política educativa dos sucessivos governos do PS, PSD, PSD-CDS/PP tem contrariado a constituição e a LBSE pelo contínuo desinvestimento nas condições materiais, humanas e pedagógicas da escola pública, nomeadamente no que aos psicólogos e outros profissionais das ciências da educação diz respeito.

Apesar da legislação existente reconhecer os Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) como “unidades especializadas de apoio educativo integrados na rede escolar que “desenvolvem a sua acção nas áreas “do apoio psicopedagógico, orientação escolar e profissional e apoio ao desenvolvimento do sistema de relações da comunidade escolar”; e da criação da carreira de psicólogo dos SPO (DL300/97), o último concurso para a admissão na carreira data de 1997. Nos últimos anos os psicólogos têm sido contratados pelo Ministério da Educação para desenvolvimento de projectos de combate ao insucesso escolar, por contratação de escola inserida nos termos do Estatuto da Carreira Docente, Outros Projectos, com Habilitação Própria. Este enquadramento não garante estabilidade laboral, nem reconhece profissionalização para a docência pelo que o seu índice remuneratório é invariavelmente o 126, cujos valores rondam os 900€. Isto, porque o vínculo laboral é na modalidade de contrato a termo resolutivo certo para “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, tendo como limite o termo do ano escolar. Este carácter temporário é exemplo do recurso ilegal à precariedade para dar resposta a necessidades permanentes do sistema educativo.

O PCP entende a psicologia em contexto escolar como um instrumento de reforço da escola pública de qualidade. Por isso apresentámos na anterior Legislatura o Projecto-Lei que cria o Gabinete Pedagógico para a Integração Escolar e que reapresentámos aquando da discussão do Estatuto do Aluno, bem como o Projecto-Lei do Regime Jurídico da Educação Especial. Assim, apresentamos agora esta iniciativa legislativa que pretende dar um contributo para o ingresso e estabilidade na carreira dos Psicólogos com formação na área da psicologia educacional, e na resposta às necessidades das escolas.

No ano lectivo em vigor, a larga maioria de psicólogos contratados para desenvolvimento de projectos nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas nos anos anteriores encontram-se em situação de desemprego, com excepção para os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Se tivermos em conta que, de acordo com dados do Ministério da Educação, existem 408 psicólogos efectivos nas escolas e 1.500.000 alunos o rácio é de um psicólogo por 3676 alunos, muito aquém dos 400 recomendados a nível internacional. A decisão do Governo, nomeadamente na Região de Lisboa e Vale do Tejo, para dar resposta à falta de psicólogos nas escolas foi mesmo degradar ainda mais o trabalho da psicologia em contexto escolar, ao impor que um psicólogo se divida por dois mega-agrupamentos. Significa que nalguns casos um psicólogo terá que acompanhar mais de 2000 alunos num horário de 17 horas e 30 minutos por semana, incluindo o apoio aos alunos com necessidades educativas especiais. A continuidade desta política de degradação das condições de trabalho dos psicólogos em contexto escolar, com consequências gravosas para estes profissionais e para toda a comunidade educativa, põe em causa a qualidade da Escola Pública, de Qualidade, Democrática e Inclusiva para todos.

Artigo 1º
Objecto

A presente lei define o regime jurídico da psicologia em contexto escolar, bem como o regime de contratação e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação nos estabelecimentos públicos de ensino.

Artigo 2º
Âmbito

A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário.

Artigo 3º
Conteúdo funcional

O Governo fixa o conteúdo funcional do trabalho dos psicólogos com formação na área da psicologia educacional em contexto escolar e os termos da sua concretização, através de legislação própria, assegurando:

a) A capacidade de intervenção do psicólogo com formação na área da psicologia educacional junto da comunidade escolar;

b) A capacidade de prestar um acompanhamento psicológico à comunidade escolar no plano da orientação vocacional; aconselhamento psicológico; mediação de conflitos; organização e execução de projectos que visem a melhoria e o aprofundamento dos projectos escolares; do aproveitamento dos estudantes e da convivência em meio escolar; educação para a saúde; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente

c) A possibilidade de colaboração ou participação em equipas multidisciplinares constituídas nas escolas e de apoio à comunidade docente, para efeitos pedagógicos;

d) Outros serviços de psicologia, que possam ser definidos no âmbito da autonomia escolar.
Artigo 4º
Psicologia em meio escolar

1- Os estabelecimentos públicos de ensino, básico ou secundário, são dotados de um quadro de pessoal para apoio à comunidade escolar, durante todos os tempos lectivos diurnos, que assegura o funcionamento do serviço de psicologia e acompanhamento vocacional, nos seguintes termos:

a) Em escolas agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes inscritos.

b) Em escolas do segundo ciclo do ensino básico não agrupadas: um psicólogo.

c) Em escolas do terceiro ciclo do ensino básico não agrupadas: um psicólogo.

d) Em escolas secundárias não agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes.

e) Em escolas básicas integradas, ou secundárias com ensino básico não agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes.

f) Em escolas básicas integradas, escolas do segundo e terceiro ciclo do ensino básico e em escolas secundárias com número inferior a 800 estudantes inscritos ou os agrupamentos de escolas com número inferior a 800 estudantes inscritos: um psicólogo por cada estabelecimento de ensino.

2- No caso de frequência de alunos com necessidades educativas especiais é assegurada às escolas a possibilidade de reforço do número de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e da psicologia da saúde, de profissionais das Ciências da Educação, nos termos de regulamentação específica.

3- Aos estabelecimentos públicos com ensino secundário e aos agrupamentos de escolas é assegurada a possibilidade e garantidos os meios para contratação, se for essa a sua opção no âmbito da autonomia escolar, de um profissional de Ciências da Educação, para apoio a toda a comunidade escolar.

Artigo 5º
Recrutamento e colocação de Psicólogos com formação na área da psicologia educacional e Profissionais das Ciências da Educação nos estabelecimentos públicos de ensino

1- O recrutamento e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação nas escolas, de acordo com o artigo anterior, são concretizados através de concurso nacional de colocação por lista graduada, a realizar anualmente, nos termos da legislação aplicável à contratação em funções públicas.

2- O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional, de acordo com as necessidades identificadas no sistema educativo e com o disposto no presente artigo.

3- O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de profissionais da educação, de acordo com as necessidades identificadas por cada estabelecimento de ensino ou agrupamento escolar, nos termos presente artigo.

Artigo 6º
Mobilidade

Aos psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais de ciências da educação é assegurado um regime concursal de mobilidade, nos termos de legislação específica.

Artigo 7º
Multidisciplinariedade

1- Os psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação em meio escolar e colocados nos termos do artigo anterior, podem desenvolver a sua actividade em conjunto com equipas multidisciplinares, Serviços de Psicologia e Orientação nas escolas.

2- Sem prejuízo do conteúdo funcional específico do papel definido na presente lei, os psicólogos com formação na área da psicologia educacional colabora na definição e execução de projectos da comunidade escolar e da escola ou agrupamento.

Artigo 8º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado do ano seguinte ao da sua publicação.

Artigo 9º
Norma Transitória

O Governo regulamentará a presente lei 60 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 14 de Janeiro de 2011

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