Regime de modulação aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da Política<br />

Sr. Presidente, Srs. DeputadosA Cimeira de Berlim introduziu, embora de forma mitigada, a possibilidade de os Estados membros da União Europeia instituírem um regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores, isto é, a aplicação de um tecto nas ajudas ao rendimento com o objectivo de por esta via procurar a começar a alterar-se o escândalo que constituía e constitui a enorme concentração de ajudas nas maiores explorações agrícolas e nos maiores agricultores.Esta é uma matéria que praticamente desde a adesão tem merecido a atenção do PCP, que sempre sublinhou o insólito de, em Portugal, 42% das ajudas serem atribuídas a apenas 1% dos agricultores.A introdução do princípio da modulação permitiria assim, com os excedentes daí resultantes, reforçar as políticas de apoio aos pequenos agricultores, designadamente por via das indemnizações compensatórias.Aconteceu que a Cimeira de Berlim, no entanto, por pressão dos interesses instalados, decidiu pela não obrigatoriedade da medida, deixando-a à discricionariedade de cada Estado membro.O Governo português decidiu, e bem, aplicar a Portugal o respectivo regulamento, aprovado no Conselho de Ministros de 17 de Maio de 1999. Mas decidiu-se posteriormente, e mal, e depois de várias versões e de acordo com as pressões dos grandes proprietários e da sua organização, a CAP, por uma solução minimalista. Se na versão inicial dos estudos do Ministério da Agricultura era estimada em cerca de 8 milhões de contos por ano a redistribuição que a definição dos primeiros escalões permitiria, a versão final do Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, ficou-se pelos 3,5 milhões de contos, abrangendo unicamente 2500 agricultores.Medidas mínimas face à grandeza da questão, mas, em todo o caso, sempre se poderia dizer, parafraseando o ditado, «mais vale pouco que nada». Só que mesmo este pouco tardou a ser posto em execução, novamente por pressão da organização dos grandes beneficiados.Adiando, adiando, o governo do Partido Socialista acabou, com o diploma que temos hoje em apreciação, por adiar por um ano a entrada em vigor do regime das modulações, de Janeiro de 2002 para Janeiro de 2003. Na prática, suspendeu o diploma. Algo parecido com o regime de tributação das mais-valias!Quando se tocam os grandes interessados instalados, o melhor é recuar e suspender!A data em que estamos a discutir esta apreciação torna, por isso, inviável a possibilidade de regressarmos à data original de entrada em vigor das modulações.Mas, apesar de tudo, estando as condições técnicas asseguradas como estão ao nível das entidades pagadoras, então há que fazer um esforço para, tão rapidamente quanto possível, aquele tímido novo regime de ajudas entre em vigor e não continuarmos a defraudar mais as expectativas dos agricultores.É por isso que propomos uma alteração, que entregaremos na Mesa, a esse único aspecto do diploma em apreciação: a alteração da data da sua entrada em vigor de 1 de Janeiro de 2002 para 15 de Junho próximo.Só que, Srs. Deputados, estávamos nós neste processo de apreciação parlamentar quando, há dois dias, o actual Governo, pela voz do Ministro da Agricultura, declarou, em Elvas, que na próxima reunião do Conselho de Ministros iria propor a revogação pura e simples do regime das modulações. É também aqui a repetição da «novela» das mais-valias. O PS suspende, o PSD e o CDS-PP revogam. Se um faz mal, o outro pior faz.Ora, esta atitude do Ministro da Agricultura, se não inviabiliza esta apreciação - porque não inviabiliza -, não pode deixar, contudo, de ter uma séria reflexão e condenação política da nossa parte. É um escândalo que, reconhecendo todas as instâncias oficiais a existência de um sério problema e de injustiça na redistribuição dos apoios ao rendimento, com repercussões sérias no próprio tecido social agrícola, se elimine o único mecanismo, mesmo por mais limitado que ele seja, que poderia «abrir a porta» a alguma redistribuição das ajudas ao rendimento e com isso algum apoio suplementar à pequena agricultura e ao desenvolvimento do mundo rural.O Ministro da Agricultura começa mal! Com tantos problemas estruturais que agricultura portuguesa tem, a sua primeira medida é para satisfazer os amigos, os grandes proprietários fundiários, as estruturas agro-alimentares e a sua organização.É inaceitável e desde já declaramos que chamaremos igualmente à apreciação parlamentar, logo que publicado, o decreto-lei de revogação do regime das modulações.Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal,Suponho que já estará à espera da pergunta que lhe quero fazer.Embora, na nossa apreciação, esta medida tenha um âmbito limitado e bastante insuficiente em relação ao que poderia fazer-se a nível da modulação das ajudas agrícolas para uma melhor redistribuição dos recursos nesta área, a pergunta que se impõe fazer ao Partido Socialista é a seguinte: se esta medida é assim tão justa e tão importante, por que é que a sua aplicação foi suspensa durante um ano? Que factores - que não são os da capacidade técnica para aplicar, porque essa está garantida, e que não são os da justiça, porque essa está mais do que comprovada - é que levaram o governo do partido a que pertence a suspender esta medida até Janeiro de 2003?Não basta dizer agora que ela é justa, é preciso dizer por que é que não foi justo que já estivesse em vigor e a ser aplicada! A não ser que a justificação seja de tal forma que não possa ser reproduzida nesta Assembleia ou que o Sr. Deputado não o queira fazer!…É que, se calhar, a justificação para a não aplicação desta medida é pelo facto de os grandes proprietários, aqueles que mais recebem ajudas, não quererem perder a situação de privilégio que têm no que respeita à distribuição das ajudas agrícolas e o governo do Partido Socialista ter cedido a esses interesses, suspendendo a medida para fingir que a queria aplicar, mas não o fazendo de facto!Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha,O senhor faz bem em elogiar a coerência do PCP nesta matéria. Eu é que já não estou em condições de elogiar a coerência do PSD nesta matéria! Peço desculpa, mas não vai ser possível.Em primeiro lugar, porque a verdade é que, na campanha eleitoral, bem ouvimos, e bem ouviram os agricultores portugueses, o discurso do PSD de grande defesa dos pequenos e médios agricultores, de grande necessidade de protecção dessas explorações agrícolas, coisa que agora, depois de 15 dias de estudo por parte Sr. Ministro da Agricultura, como referem as notícias, vai por água abaixo, porque a primeira medida é a de revogar a suspensa modulação das ajudas agrícolas!Mas a incoerência do PSD não se fica só por aí, nem é só em relação ao discurso da campanha eleitoral. Estive a ler um debate que houve aqui, na Assembleia da República, com o anterior Ministro da Agricultura, relacionado com esta questão da modulação das ajudas, em que um Deputado do PSD dizia, a dada altura: «A modulação, ao nível dos países-membros, poderia constituir um mecanismo de correcção destas disparidades, mas, infelizmente, o Governo português - esta é a verdade -, como outros governos de outros Estados, não conseguiu fazer vingar esta medida.» Repito, «(…) infelizmente, o Governo (…) não conseguiu fazer vingar esta medida.»E, mais à frente, o mesmo Sr. Deputado concluía a intervenção, dizendo: «Sr. Ministro, nós não temos dúvidas quanto à aplicação do princípio da modulação, mas gostaríamos de ver esclarecidas, com rigor e de uma forma bastante fundamentada, as questões que acabei de colocar.»O Sr. Deputado Fernando Penha pensa que é coerente terem defendido isto nesta Assembleia da República, em 11 de Maio de 2000, e agora a primeira medida do Governo do seu partido ser a revogação da suspensa modulação das ajudas agrícolas?O Sr. Deputado referiu-se também à questão da baixa execução dos programas comunitários, invocando o argumento de que não é desejável retirar ajudas às explorações mais competitivas - leia-se: os grandes agrários e os detentores das grandes explorações agrícolas -, porque isso inviabilizaria estas e não ajudaria o suficiente as explorações mais pequenas. Mas, então, explique-me, Sr. Deputado, o seguinte: se os fundos não são suficientemente aproveitados e se eles são, na sua esmagadora maioria, atribuídos às maiores explorações, qual a razão, em termos de eficácia, para estas ajudas serem tão mal distribuídas?Queria ainda colocar a seguinte questão: o Sr. Deputado disse, na sua intervenção, que instituir a modulação na distribuição das ajudas agrícolas significaria reconhecer que os apoios que nos são dados estão além das nossas necessidades?! Mas porquê?! Do que se trata é de, no «bolo» que está distribuído para Portugal, fazer uma repartição mais justa. É que temos de resolver esta inqualificável situação em que 42% das ajudas agrícolas são entregues a, apenas, 1% dos agricultores, sendo esta a realidade que é preciso alterar.Também é preciso alterar a postura do Governo português na União Europeia em relação à Política Agrícola Comum. Mas nada disso esconde a injustiça desta distribuição que é feita no nosso país e que é da responsabilidade do nosso Governo. É isto que queremos alterar com esta apreciação parlamentar.

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