Apreciação Parlamentar N.º 121/XII/4.ª

Regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração da REFER e das Estradas de Portugal

Regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração da REFER e das Estradas de Portugal

Do Decreto-Lei n.º 160/2014 de 29 de Outubro, que estabelece o regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração da REFER e das Estradas de Portugal, para efeitos da concretização do processo de fusão das duas empresas
(publicado na 1.ª Série, n.º 209 do Diário da República)

O Governo está a tentar impor ao país, em marcha acelerada, a fusão entre as Estradas de Portugal e a REFER, entre o gestor das infraestruturas rodoviárias e o gestor das infraestruturas ferroviárias.
Esta fusão é das medidas mais controversas e menos discutidas de quantas o Governo tentou impor no sector dos transportes. E é uma medida que ao ser implementada no final do mandato trará custos importantes em indemnizações quando for revertida.
A política de direita tem crescentemente esvaziado estas empresas e transferido saberes, competências e equipamentos para o sector privado, com custos cada vez maiores para o erário público e colocando o Estado na dependência dos grandes grupos da construção civil e obras públicas que monopolizam e cartelizam o sector.
Cada vez mais estas empresas são reduzidas à condição de gestoras de concessões, subconcessões, subcontratações e dívidas. O facto de os custos com o pessoal pesarem apenas 2 por cento (na EP) e 6,4 por cento (na REFER) na estrutura de custos das duas empresas é bem significativo do caminho já trilhado.
Este modelo desastroso carregou as empresas com encargos financeiros e provocou a paralisia do investimento nas infraestruturas – seja por via dos encargos com as subconcessões, onde a EP tem compromissos de 1200 milhões em 2015, seja por via do serviço da dívida, onde a REFER terá custos de 146,6 milhões em 2015, como pode ser visto no Orçamento de Estado.
Esta fusão é um salto desesperado nesta direção suicida. Como já ficou patente através das declarações de António Ramalho, e consta no despacho que cria o Grupo de Trabalho que prepara essa fusão, o Governo projeta realizar «ganhos rápidos» para ajudar a pagar estes compromissos com as PPPs, com as subconcessões e com a banca. Esta é a verdadeira prioridade, e esta não pode ser a prioridade quando se trata do gestor das infraestruturas nacionais.
Para «vender» esta sua ideia o Governo tem falado em sinergias e no modelo «sueco» ou «finlandês». Mas quando questionado, nunca mostrou que estudos comparados foram realizados sobre essas experiências, não esclareceu as profundas diferenças entre o que na gestão das infraestruturas se passa na Suécia e na Finlândia e o que quer impor para Portugal. E principalmente, não explicou porque escolheu rejeitar o modelo seguido na esmagadora maioria dos países do mundo.
Se a questão da obtenção de sinergias fosse de facto uma prioridade, o Governo teria um caminho que o PCP reivindica há anos, e que está a ser seguido na Alemanha e na França, e que a Espanha decidiu implementar depois do acidente de Vigo: trata-se da reconstrução de uma única empresa ferroviária que reúna o operador da infraestrutura e o da circulação, fazendo regressar CP, CP Carga, EMEF e REFER a uma mesma empresa ferroviária, nacional e pública.
Mas as sinergias também são fundamentalmente propaganda e pretexto. O que o Governo pretende é realizar as «quick wins» e privatizar e concessionar tudo o que puder para conseguir pagar as PPPs e afins.
O Governo quer vender a Refer Telecom e a importante rede de comunicações propriedade da REFER (a quem o Governo atribuiu o ano passado a responsabilidade pela rede de comunicações de fibra ótica e pelo centro de processamento de dados em backup da Autoridade Tributária e Aduaneira).
O Governo quer vender a Refer Engineering, colocando o Estado português numa ainda maior dependência dos grandes grupos monopolistas da construção e obras públicas; quer vender o vasto património ferroviário; quer fazer reverter para esta empresa as receitas da concessão da exploração das linhas rentáveis hoje atribuídas à CP (Urbanos de Lisboa e Porto, Longo Curso); quer concessionar o Controlo de Circulação; quer receber e privatizar os terminais de mercadorias ainda na posse da CP Carga; quer concessionar terminais rodoviários; quer entregar novas concessões na rede viária, etc..
No caso ferroviário, este modelo que agora querem impor é ainda uma completa irresponsabilidade do ponto de vista da fiabilidade e segurança do sistema. Muito mais que na rodovia, a circulação ferroviária implica uma perfeita articulação entre material circulante e infraestrutura e entre os homens que operam uma e outra.
Aliás, o Governo nem tenta negar esta realidade. Em lado nenhum dos despachos e decretos se lê que a solução que querem impor é para melhorar a segurança e fiabilidade da circulação ferroviária. Se a separação entre CP e REFER já é negativa, o afastamento que se desenha e a pulverização de agentes que se projeta seria desastrosa. E não será um regulador que resolverá o problema, como não o foi noutros países, e como não foi noutros sectores em Portugal.
Esta medida destina-se ainda a aprofundar o processo de destruição de postos de trabalho, precariedade e subcontratação nestas empresas, substituindo os trabalhadores do quadro por trabalhadores subcontratados por subconcessionários.
É um processo onde se transferem oportunidades de acumulação da mais-valia para os grandes grupos económicos, que cresceram à custa desta política e saqueando o Estado, que prejudica diretamente os trabalhadores, mas não prejudica menos o desenvolvimento social e económicos do país.
É natural que os grandes grupos económicos e o capital financeiro aplaudam este processo, e até que se façam representar no Conselho de Administração que este decreto-lei cria. Mas o que a estes grupos serve não serve ao país, não serve aos trabalhadores, não serve ao povo português.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 160/2014 de 29 de Outubro, que estabelece o regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração da REFER – Rede Ferroviária Nacional, E. P. E. (REFER, E. P. E.), e da EP – Estradas de Portugal, S. A., para efeitos da concretização do processo de fusão das duas empresas, publicado no Diário da República n.º 209, 1.ª Série.

Assembleia da República, em 13 de novembro de 2014

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