Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Regime de acesso e de exercício da actividade funerária

Do decreto-Lei n.º 109/2010, de 14 de Outubro, que estabelece o regime de acesso e de exercício
da actividade funerária, revogando o Decreto-Lei n.º 206/2001, de 27 de Julho
(apreciação parlamentar n.º 72/XI/2.ª)

Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Com o Decreto-Lei n.º 109/2010, de 14 de Outubro, o Governo avança com o que muitos julgariam impensável, a privatização dos cemitérios.
Simultaneamente, põe em causa a sobrevivência de centenas de pequenas empresas, de empresas familiares, oferecendo de bandeja o monopólio da actividade a uma — eu diria a única — grande empresa do sector.
É sob o alto patrocínio da Directiva Volkenstein, que tem como principal objectivo a liberalização e privatização de serviços públicos, que se enuncia o «credo» neoliberal: mercado de serviços mais competitivo, crescimento económico, criação de emprego, garantias aos consumidores de uma oferta mais ampla e diversificada de qualidade superior.
A pergunta que se deve fazer é a seguinte: quando o País chegou ao estado de desastre económico e social em que se encontra, por que razão noutros sectores estas orientações avançaram e tal não se concretizou?!
De facto, a liberalização e privatização da actividade funerária irá produzir uma concentração de operadores à custa da liquidação de dezenas de empresas familiares, hoje, predominantes no sector, e sem que daí advenha qualquer vantagem para os consumidores; irá produzir a desigualdade e deslealdade concorrencial, nomeadamente abrindo a actividade às associações mutualistas, quando não se salvaguarda a exigência de iguais obrigações em matéria fiscal, por exemplo, quando não se questiona as suas incompatibilidades pelo facto de desempenharem outras actividades — em lares de terceira idade, clínicas médicas, hospitais e transporte de
doentes —, e vai reforçar-se as posições das grandes empresas ao legalizar a gestão e a exploração privada de cemitérios mediante a concessão pública, o que já hoje sucede com as
posições da Servilusa.
É uma evidência que a generalidade das pequenas empresas hoje em actividade não preencherá
requisitos para aceder a esta gestão. É para travar tais consequências que o PCP apresentou esta apreciação parlamentar e apresenta hoje um conjunto de propostas de alteração.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado:
A situação é má para a generalidade das pequenas empresas do sector, empresas familiares, e, por aquilo que o senhor acabou por dizer no início da sua intervenção, o Governo acha que é necessário pô-la pior, com as medidas que estão no decreto-lei.
O problema das associações mutualistas não é se estas têm ou não direito a fazer funerais, o problema é se o fazem nas mesmas regras das outras empresas, cumprindo as regras fiscais e assumindo um conjunto de incompatibilidades. Ou o senhor acha que os agentes funerários são proibidos de estar em hospitais, por exemplo, e as IPSS, as associações mutualistas, podem lá estar? Acha que isto não tem nenhuma incompatibilidade, Sr. Secretário de Estado?
Em relação a este problema da privatização, o senhor não respondeu e ele foi aqui referido por várias bancadas relativamente à grande empresa do sector, a Servilusa.
Mas gostava que o Sr. Secretário de Estado fosse muito claro na resposta a esta matéria. Os senhores fizeram quanto ao sector eléctrico aquilo que se costuma chamar, no palavrão inglês, unbundling, ou seja, segmentaram a cadeia de valor do sector electroprodutor português com a ideia de aumentar a concorrência no sector, concretamente entre produção, transporte e distribuição. Ora, neste sector, fazem exactamente o contrário e acham que a Servilusa pode gerir cemitérios, organizar funerais e gerir também centros funerários.
Não há nenhuma incompatibilidade nisto? Não há nenhuma contradição nisto, Sr. Secretário de Estado?
Relativamente à privatização em Sesimbra, gostaria de lhe dizer que, se fosse verdade, éramos da mesma forma contra a privatização e concessão de cemitérios…
Mas não é verdade! O que foi privado, o que está concessionado foi apenas o forno crematório e não o cemitério, Sr. Secretário de Estado.
Há alguma diferença! Os senhores distinguem, aí na intervenção.
Julgo que o Sr. Secretário de Estado se enganou mais uma vez, em defesa das posições de privatização e liberalização, que só podem beneficiar uma única empresa no sector.
Sr. Presidente, gostaria de terminar referindo apenas uma questão ligada àquilo que foi dito pela bancada do CDS.
Percebemos a importância da defesa da concorrência, Sr. Deputado Raúl de Almeida, mas gostaria de lhe dizer que, infelizmente, a experiência deste País em matéria de concorrência vigiada, fiscalizada e penalizada, quando for caso disso, pela Autoridade da Concorrência, é o que nós sabemos, tanto na electricidade, no gasóleo e na gasolina…
Não há sector nenhum onde a Autoridade da Concorrência consiga intervir no sentido de assegurar, de facto, a concorrência, a igualdade e a transparência do mercado, com igualdade de tratamento de todos.
Neste sector, a Autoridade da Concorrência tem uma queixa de agências funerárias há dezenas de meses sobre este problema da concessão de espaços cemiteriais a empresas privadas, à margem da lei portuguesa, à margem da Constituição Portuguesa, e ainda não tomou qualquer medida até hoje. Até hoje, ainda não «mexeu uma palha», apesar de ter inclusive pareceres de constitucionalistas a dizer que tal é proibido, face à ordem jurídica portuguesa.

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