Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Regime da autorização da despesa inerente aos contratos públicos a celebrar pelo Estado, institutos públicos, autarquias locais, fundações públicas, associações públicas e empresas públicas

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 40/2011, de 22 de Março, que estabelece o regime da autorização da despesa inerente aos contratos públicos a celebrar pelo Estado, institutos públicos, autarquias locais, fundações públicas, associações públicas e empresas públicas

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As apreciações parlamentares que hoje debatemos podem ser analisadas sob duas perspectivas: a jurídica e a política.
Do ponto de vista jurídico, não queria deixar de levantar aqui um problema, que sei que é controvertido na doutrina mas que, do nosso ponto de vista, configura uma ilegalidade: é que não é aceitável, do nosso ponto de vista, a utilização de uma autorização legislativa que caducou em 31 de Dezembro.
Sei que o Governo vai dizer que aprovou este diploma num dos últimos Conselhos de Ministros de Dezembro, sei também que os governos o que fazem, quando não têm ainda soluções definitivas para os diplomas autorizados, é aprovar e incluir nas conclusões dos Conselhos de
Ministros essa aprovação, mas, depois, muitas vezes, só vários meses após essa aprovação é que o dito diploma vê a luz do dia.
Ora, foi o caso. Sabendo quais são os prazos para promulgação pelo Sr. Presidente da República, dando um prazo razoável para que haja a tramitação entre os vários órgãos de soberania, a referenda e os dias para a publicação, o que é certo é que a tal aprovação, no final de Dezembro do ano passado, só viu a luz do dia três meses depois. Isto não pode acontecer!
Imagine-se, por exemplo, que o Governo legislava sobre esta matéria, como acontece muitas vezes com diplomas que são aprovados em Conselho de Ministros e que só aparecem em Diário da República muitos meses depois, daqui a mais um, dois ou três meses. Isto significaria que continuaríamos a ter de considerar que a autorização legislativa estava vigente? Penso que não e este é um problema que não queria deixar de levantar.
Depois, é preciso também dizer que a parte que tem a ver com a norma invocada do Orçamento para 2010 só cobre a parte das alterações do ponto de vista autárquico. Essa é a sua filosofia, constante do artigo 42.º, salvo erro, do Orçamento do Estado para 2010.
Queria ainda dizer que o problema fundamental aqui é, sem dúvida, político, porque o que o Governo faz neste diploma é aumentar, de uma forma inaceitável, os limites para autorização de despesas, e não vou referir-me a qual é o método para atribuir essas empreitadas, questão essa que não foi levantada pelo PCP.
Sr. Presidente, uma regra básica para a transparência na gestão dos dinheiros públicos é a de que os limites para a autorização, sobretudo por órgãos individuais, sejam razoáveis e não estamos de acordo que os limites sejam elevados, quer para o Sr. Primeiro-Ministro, quer para os Ministros, quer para altos cargos da Administração Pública, quer para presidentes de câmara, sobretudo com aquelas competências que podem ser delegadas pelas câmaras municipais nos presidentes, como, por exemplo, o facto de se permitir que haja delegações nos presidentes de câmara que podem ir até 2,5 milhões de euros — adjudicações de 2,5 milhões
de euros! —, o que está totalmente fora do que são as exigências de transparência.
Aliás, no caso do Sr. Primeiro-Ministro o limite vai até 7,5 milhões de euros…
Sim, 7,5 milhões de euros era o valor anterior. Peço desculpa, tem toda a razão, Sr. Secretário de Estado. É bem mais!
Sabe qual foi a minha confusão, Sr. Secretário de Estado? É que já protestámos contra os 7,5 milhões de euros! Já eram excessivos e o Governo, em vez de corrigir, aumentou ainda esse limite para os 11,250 milhões de euros.
Por isso, Sr. Presidente, a nossa oposição a este diploma tem a ver com o facto de que não podemos ter limites tão altos para a adjudicação de despesas e de que devem ser os órgãos colegiais as entidades que devem ser privilegiadas na adjudicação de despesas com estes montantes. Isso é que favorece a transparência e o justo exercício dos poderes públicos no uso de tão grandes montantes do dinheiro que é de todos nós.
Depois, Sr. Presidente, também não é possível olhar para este decreto-lei sem pensar que estamos a aproximar-nos de um período muito particular da vida política e do funcionamento das instituições de soberania, que é o período em que vamos ter um governo de gestão, e, assim, é ainda mais grave que estes limites entrem agora em vigor.
Para ilustrar a gravidade do que se está aqui a passar, podia referir, entre outros casos, o caso de uma escola em Cabeceiras de Basto, que tinha uma obra anunciada de 4 milhões, com dísticos colocados junto à escola; depois do contacto com uma empresa que estava interessada na obra, foi aberto um concurso em três dias e essa obra foi adjudicada por 3,8 milhões de euros com a justificação de que as obras já estariam feitas e era preciso andar com este concurso.
É este tipo de negócio que não podemos aceitar e aumentar os limites para decisões individuais só vai abrir mais campo à desconfiança, à falta de transparência e à pouca transparência do exercício dos cargos públicos e da aplicação dos dinheiros do Estado.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Este debate já teve, pelo menos, dois momentos muito interessantes.
O primeiro foi quando — imagine-se! — o Governo veio acusar o PCP de enganar voluntariamente os portugueses. Imagine-se: o Governo a acusar o PCP de enganar voluntariamente os portugueses. É preciso ter descaramento.
O segundo, mais à frente, foi quando o mesmo Governo disse — imagine-se, mais uma vez! — que o Governo procedeu e procede com total lealdade nos procedimentos institucionais.
Ó Srs. Deputados, se o assunto que estamos a debater não fosse tão sério, era quase caso para darmos aqui todos uma sonora gargalhada.
Mas, sobre a questão que está em cima da Mesa, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, quero dizer-lhe o seguinte: a autorização legislativa que os senhores invocam tinha caducado. Portanto, na parte relativa às autarquias locais, que é aquela que depende desta autorização legislativa — bem sei que o resto não depende —, há uma ilegalidade. Se o Sr. Ministro acha que não foi dito há pouco com toda a clareza, é dito agora, porque, se não fosse dessa maneira, atribuíamos ao Governo um poder discricionário de protelar as autorizações legislativas invocando o desenvolvimento do processo legislativo. Isso não é aceitável, e nós não
aceitamos essa interpretação da lei!
Em relação ao artigo do Orçamento, sabe, Sr. Ministro, é preciso ver as coisas com atenção: em primeiro lugar, ele é só sobre as autarquias; em segundo lugar, é mais uma das dezenas de autorizações legislativas que os senhores puseram no Orçamento do Estado.
É certo que o PCP se absteve, não votou a favor, mas este artigo não dizia que se iriam aumentar desta forma os limites, estabelecia um limite máximo e continha também outras normas com as quais até estávamos de acordo. Por exemplo, no que respeita à possibilidade de poder haver, pelas assembleias municipais, órgão deliberativo, aprovação de verbas que tinham incidência em vários anos, porque, às vezes, há projectos que implicam essas autorizações. E, no cômputo geral destas várias normas, muitas delas vagas, o nosso resultado foi a abstenção.
Mas é curioso que o Sr. Ministro não tenha querido falar do problema fundamental, que é sabermos o que justifica que a autorização para despesas no que respeita ao Sr. Primeiro-Ministro aumente, neste momento, 50%. O que justifica isto, Sr. Ministro? É essa a resposta que o senhor tem que dar ao País e não perder-se aqui com acusações que não têm qualquer sentido.
É de 50% o aumento da autorização de despesas por parte do Primeiro-Ministro.
(…)
Sr. Presidente,
Porque tenho pouco tempo, passo a abordar duas questões muito rápidas.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro pode invocar o que quiser, mas o que é certo é que o Conselho de Ministros se realizou em 23 de Dezembro, que o Sr. Presidente da República tem 40 dias para promulgar os decretos do Governo e que, para além desses 40 dias — imaginando que eram usados na totalidade —, sobram ainda outros 49 dias. Explique-nos lá, Sr. Ministro, onde andou o Decreto-Lei, que demorou 49 dias para aparecer à luz do dia, e se isto não é um subterfúgio para prolongar abusivamente as autorizações legislativas. É por isso que é uma ilegalidade.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro pode falar à vontade dessas coisas todas, dessas declarações
grandiloquentes. O que o Sr. Ministro não explica é a razão deste aumento dos limites. Qual é a razão? Dê-nos uma razão, Sr. Ministro, só uma, para percebermos porque nesta altura se tem que aumentar em 50% o limite de autorização de despesas do Primeiro-Ministro! Dê-nos uma razão, Sr. Ministro! Ao fim de todo este tempo, acho que já era tempo de nos dar essa razão. Pelos vistos, até agora, ainda não foi apresentada pelo Governo.

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