Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

As reformas que o Governo está a levar a cabo no âmbito do sistema judicial e sua importância para o crescimento económico

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Francisca Almeida,
A sua declaração política de hoje talvez tenha vindo para emendar a mão, depois do debate que tivemos com o Primeiro-Ministro, na sexta-feira passada, e daquela atrapalhação, quando foi confrontado pelo PCP com o facto de, afinal de contas, o Código da Insolvência não ser bem aquilo que o Primeiro-Ministro queria fazer, e depois da audição de ontem, da Sr.ª Ministra da Justiça, que também não terá corrido muito bem à maioria. A Sr.ª Deputada vem fazer uma declaração política procurando justificar alterações, em matéria de política da justiça, que vão ao encontro de uma estratégia de colocar a justiça ao serviço da economia.
A pergunta que lhe quero fazer, Sr.ª Deputada, vai no sentido de saber se a Sr.ª Deputada não se enganou, se não queria, antes, dizer a justiça ao serviço de interesses económicos? É que ao serviço da economia é uma coisa, ao serviço de interesses económicos é outra. E explico-lhe porquê, com exemplos concretos, Sr.ª Deputada.
Um exemplo: Lei da Arbitragem. Os senhores aprovaram, nesta Assembleia da República, uma Lei da Arbitragem que retira dos tribunais do Estado todos os litígios em que estejam envolvidos grandes interesses económicos, nomeadamente as parcerias público-privadas. Para o vulgar cidadão, há os tribunais normais, para os grandes interesses económicos, há uns tribunais que ninguém sabe bem como são constituídos, com juízes árbitros que ninguém sabe bem quanto ganham, com decisões que, não se sabe bem porquê, prejudicam sempre o interesse público.
Outro exemplo: Código da Insolvência. Os senhores aprovaram, nesta Assembleia da República, um Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, primeiro, não resolve o eterno problema de os créditos dos trabalhadores serem sempre os últimos a serem satisfeitos, segundo, não resolve o problema dos privilégios creditórios, pelo contrário, introduz um novo privilégio para a banca e para os grupos económicos, acima dos créditos dos trabalhadores, e, ainda por cima, institui um processo de revitalização das empresas que não será mais do que um adiamento das insolvências.
Terceiro exemplo: mapa judiciário. Para os grupos económicos e as grandes empresas, com batalhões de advogados e grandes condições económicas, não haverá dificuldade em aceder aos tribunais, mas para o vulgar cidadão são encerrados tribunais e ficam com a justiça mais longe.
Outro exemplo: custas processuais. Os senhores aprovaram, na Assembleia da República, alterações ao Código das Custas Processuais, agravando os custos com a justiça, o que, obviamente, para as grandes empresas não terá grande impacto, mas, para o vulgar cidadão, impede o recurso aos tribunais, impede o acesso ao direito.
Falam da corrupção, mas deixam a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária sem diretor e com uma nomeação interina, o que, independentemente da competência de quem lá está, que, obviamente, não pomos em causa, não é forma de resolver um problema, com a importância que tem a corrupção.
Outro exemplo: em relação às prisões, anunciam mundos e fundos, mas continuamos com prisões sobrelotadas, com poucos guardas, com condições de trabalho desumanas e horários de trabalho sobre-humanos.
Por isso, Sr.ª Deputada, concluo com a pergunta que já lhe fiz: tem a certeza de que era mesmo isso que queria dizer, ou seja, «pôr a justiça ao serviço da economia»?! É que parece mais que aquilo que o Governo faz é pôr a justiça ao serviço dos interesses económicos.

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