Intervenção de

«A Reforma dos Portos» - Intervenção de Ruben de Carvalho

1997

 

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados:

Os relatórios e documentos com as características do livro branco sobre política marítima-portuária têm uma especial qualidade sob o ponto de vista do esclarecimento em concreto das situações, do resultado concreto das políticas e do concreto dos projectos e planos.

Este debate -- que visa claramente a promoção dos projectos do Governo PS nesta área (e há que convir que é discutível utilizar agendamento de urgência para estas operações roçando a propaganda) -- não permite obviamente nem pormenorizar os aspectos polémicos dos projectos, nem aprofundar o que parece ter cabimento e sustentação.

Entretanto, há duas afirmações contidas no Livro Branco que entendemos merecerem de facto destaque nacional. Valem por si mais que dezenas de discursos, programas e entrevistas.

Escreve-se na página 44:

"De 1982 a finais de 1986, a frota (portuguesa) reduziu-se a menos de metade em número de navios e a menos de 1/3 em arqueação e porte."

Significa isto que no curto período de 14 anos se abateram quatro barcos por ano correspondente a 67.000 toneladas de arqueação bruta.

Isto quando o mesmo Livro Branco indica que pelo contrário, a frota da União Europeia tem crescido desde 1980 a um ritmo de 2,9% atingindo em 1995 15% da arqueação mundial. A frota portuguesa corresponde hoje a 0,5% da União Europeia -- "em contraste (como diz o livro branco) com países de peso demográfico da mesma magnitude como a Dinamarca, a Holanda, a Suécia e mesmo a Finlândia".

Daqui se conclui que:

"O rápido declínio da marinha mercante portuguesa, devido às causas apontadas, afecta negativamente a presença de Portugal nos mercados globais de bens e de tráfego, coarctando-lhe alguma liberdade de procurar e oferecer os produtos que interessam à nossa economia nas origens e destinos mais convenientes, e acarretando perda de oportunidades geradas pela internacionalização do tráfego de outros países, nomeadamente da União Europeia."

A segunda afirmação que entendemos merecer todo o destaque figura a página 130 e tem já a ver com a forma como o actual Governo pretende inverter a tendência destruidora relativamente à marinha mercante portuguesa e às infraestruturas portuárias.

Escreve-se:

"O Estado encontra-se confrontado com os problemas resultantes dos critérios de convergência emanados da união Europeia, que implicam alguns constrangimentos macro-económicos que acabam por dificultar ou impossibilitar a mobilização dos fundos públicos necessários para projectos que sejam dinamizadores do desenvolvimento económico e social."

Esta é apenas uma das várias afirmações que se fazem neste sentido e que, note-se bem, coincidem com outras que revelam que já o quadro de devastação da frota mercante - e de pesca - portuguesas resultar em grande medida de imposições comunitárias ás quais igualmente se imputam responsabilidades no envelhecimento das nossas infraestruturas portuárias.

Acrescente-se que as receitas aplicadas (privatizações no sector privado, etc) que o Governo PS advoga relevam da mesma opção do PSD e do cavaquismo.

Este Livro Branco esclarece assim uma coisa e lança uma dúvida que fica sem resposta:

- em primeiro lugar, saibam os portugueses que a política de obediência a Bruxelas seguida pelo Governo de Cavaco Silva destruiu a nossa frota mercante e gravemente empobreceu os nossos portos;

- em segundo lugar, saibam os portugueses que o Governo de António Guterres pretende resolver esta situação no quadro da sua política de obediência a Bruxelas.

Parece tratar-se não de pretender curar o resultado das dentadas da Comunidade com o pêlo da mesma Comunidade, mas sim curar as dentadas comunitárias com mais dentadas comunitárias...

Não se vê que assim se possa chegar onde se anuncia que se quer ir.

Disse,

 

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