Intervenção de

Reforma da segurança social - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre a reforma da segurança social

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Chegados a este momento do debate poderíamos tirar já uma conclusão óbvia: a de que está esgotado o papel instrumental da proposta do PSD, já que permitiu ao Sr. Primeiro-Ministro, de uma forma brilhante, branquear e dar o sentido da virtude do meio, do mal menor, a uma proposta que é má para os trabalhadores e para os reformados.

Curiosamente, sobre as propostas que existem, algumas já entregues na Assembleia da República, no caso concreto sobre as apresentadas pelo meu grupo parlamentar, nem uma palavra, nem uma referência, mesmo crítica que fosse, porque, naturalmente, era preciso dar destaque à proposta do PSD. E não significa que subestimemos as propostas da direita política e social, que, naturalmente, tem pressa e que, como se viu naquele conclave do Beato, quer pressa para fazer regredir socialmente o nosso país.

Apesar da linguagem e da adjectivação moderna, nem muitos litros de Armani conseguiriam disfarçar esse carácter retrógrado, esse carácter de retrocesso social, que o PSD, naturalmente, também subscreve.

Mas tal fica para a história.

O importante é discutir a proposta do Partido Socialista e do seu Governo.

Importa saber, em primeiro lugar, o que é que propõe o Governo do PS. Importa saber quem atinge e quem fica intocável com esta proposta.

Querem penalizar, a partir de 2007, todos os trabalhadores que se reformem com a diminuição do valor das suas reformas num processo de redução contínua que penalizará mais os jovens trabalhadores. Querem, com a sua dita reforma, introduzir um novo factor para calcular as reformas, o chamado factor de sustentabilidade, que liga o valor futuro das reformas à esperança de vida, ao mesmo tempo que vem impor a antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo que considera toda a carreira contributiva e que só deveria entrar em vigor em 2017.

Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de deixar aqui uma primeira nota. Para um Governo socialista, para um Governo que tem tradição social-democrata em relação a esta matéria, considerar a esperança de vida como um mal que tem de ser punido tendo em conta que os trabalhadores ou continuam a trabalhar depois dos 65 anos ou ficam com uma reforma mais baixa é inaceitável, mesmo do ponto de vista da tradição social-democrata e socialista, pois muitas vezes, a ajudar a construir o próprio processo da segurança social pública, o próprio Partido Socialista teve uma contribuição positiva.

Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, é que são muitos os homens e as mulheres com profissões desgastantes e que se encontram desgastados. Não estou apenas a pensar na operária têxtil, no metalúrgico, no mineiro, no trabalhador da construção civil. Estou também a pensar no técnico de informática, no jornalista, naquele que pensa que vai ter de continuar a trabalhar depois dos 65 anos e se questiona se tem capacidade física para o fazer.

O seu Governo está a ser injusto com esta proposta, explorando a questão do factor da sustentabilidade.

Poder-se-ia dizer que estamos perante uma dificuldade real, perante uma situação insustentável e que, portanto, seria necessário encontrar caminhos e convocar os interessados. Mas o que fizeram o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo do Partido Socialista? Convocaram todos os interessados, é verdade, mas só puseram uma das partes a pagar, ou seja, os trabalhadores e os reformados. Por que razão o capital, as empresas, o grande patronato ficam intocáveis?! Claro, não hão-de concordar com o acordo feito na concertação social! Não lhes custa nem um cêntimo!

Nesse sentido, é lógico que eles subscrevam de cruz essa concertação social.

Sr. Primeiro-Ministro, não diga que não temos propostas alternativas. Apresentámo-las na Assembleia da República, designadamente a proposta em relação ao valor acrescentado bruto das empresas.

Nós propomos uma receita através das empresas que tenham mais de meio milhão de euros de lucros. Não estamos a pensar nas pequenas e médias empresas, mas naquelas altamente rentáveis.

O Sr. Primeiro-Ministro gosta de dizer que é da esquerda moderna. Então não sabe que, ao longo de 50 anos, houve mudanças, novas realidades com os avanços da ciência e da técnica e que deixou de haver uma forte exploração da mão-de-obra para, através do capital intensivo, as empresas conseguirem lucros fabulosos? Não considera ser esta uma altura boa para se prestar solidariedade se essas empresas e esses lucros vierem também a terreno comparticipando na vida da segurança social?

Sr. Primeiro-Ministro, não considera escandaloso que a banca, só este ano, tenha tido 1300 milhões de contos limpos de lucros, limpinhos, «sem osso», e que não tenha sido convocada para este processo da segurança social? A nossa proposta para apenas 0,25% relativamente a todas as operações bolsistas para poderem ajudar o financiamento da segurança social.

O Sr. Primeiro-Ministro dirá que são propostas singelas, vai dizer que isto assustará os investidores. Não pense assim, Sr. Primeiro-Ministro, porque o «bife» é muito grande para eles o largarem.

Ajude também, com a sua proposta, para que esta gente deixe de ser intocável e para que estes lucros sejam considerados inaceitáveis.

Sr. Primeiro-Ministro, falou de coragem da sua proposta. Pois fique sabendo que coragem não é bater nos mais fracos, nos mais enfraquecidos. Ter coragem seria afrontar os poderes egoístas do grande capital que neste processo e com a sua proposta vão continuar cada vez mais intocáveis, com um Partido Socialista a ficar com mais uma «nódoa» na sua conduta e na sua história política, tal como aconteceu em relação a outras matérias. Com franqueza, que pena!

Por isso, com sentido de responsabilidade, lhe digo que temos outro caminho alternativo: o de não serem os mesmos do costume a pagar e que também outros contribuam para a resolução dos problemas da segurança social.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

V. Ex.ª põe-me a dizer coisas que eu não disse! Eu não falei em destruição. Peço-lhe que faça essa correcção.

De qualquer forma, vou dizer-lhe qual é a nossa posição. Por exemplo, a nossa crítica de fundo é que hoje a sua proposta tem como expressão a lei de bases aprovada pela direita PSD/CDS, abdicando da vossa proposta aqui aprovada há cinco anos.

Como ponto de partida, isso é preocupante.

Quanto a mudar, estamos de acordo que é preciso mudar, mas não estamos de acordo que se mude para pior. Essa é a diferença.

Quando referi, concretamente, que quem vai pagar são os trabalhadores e os reformados e que quem fica intocável são os grandes interesses, o grande capital financeiro, os grandes grupos económicos, as empresas com lucros fabulosos, o Sr. Primeiro-Ministro não foi capaz de me dar uma resposta clara.

Quanto à questão do imobilismo, imobilista é a vossa proposta, designadamente em relação à concepção em que prevalece o mesmo modelo de financiamento da segurança social de há 50 anos atrás, quando aquilo que propomos tem em conta os avanços da ciência e da técnica. Ou será que, neste caso, esses tais avanços da ciência e da técnica já não valem, Sr. Primeiro-Ministro? Há que pô-los a pagar também a sua quota parte na responsabilidade da segurança social.

Sr. Primeiro-Ministro, quando fazemos estas acusações muitas vezes até usamos, por exemplo, uma declaração, não desmentida, do Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social. Quando um jornalista lhe pergunta «Então, as reformas assim vão baixar?», o Sr. Ministro Vieira da Silva responde, reconheço com sinceridade e frontalidade: «Pois, ou era isso, ou era o aumento da idade da reforma ou era o aumento das contribuições.» Isto é, seja o plano a, b ou c são sempre os mesmos a pagar! É disso que discordamos, Sr. Primeiro-Ministro.

 

 

 

 

 

 

 

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