Intervenção

Reforma da segurança social - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre a reforma da segurança social

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Em primeiro lugar, a resposta à questão da antecipação da nova fórmula de cálculo para 2007: sim, nós somos a favor de uma fórmula de cálculo que permita considerar, como regra, toda a carreira contributiva, sendo, assim, mais justa.

Mas pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, qual foi o governo que entendeu, e nós concordámos com isso, que, para não prejudicar aqueles trabalhadores que nos próximos anos se vão reformar e cujas carreiras contributivas têm salários e contribuições muito baixas no início, essa fórmula de cálculo se devia apenas aplicar, de forma plena, em 2017? Qual foi o governo que entendeu que, até lá, deveria haver uma opção entre estes dois regimes, e ainda uma terceira opção, para que os trabalhadores não fossem prejudicados?

E sabemos hoje que, nos últimos anos, mais de 80% dos trabalhadores que se reformam optam ainda pela fórmula de cálculo antiga. Esse governo foi o governo do Partido Socialista.

O Sr. Primeiro-Ministro era ministro desse governo! A não ser que tenha votado contra, no Conselho de Ministros, quando esta nova fórmula de cálculo foi aprovada, com este prazo de aplicação!

Portanto, a resposta à sua pergunta está dada e espero que, agora, esclareça por que razão é que deixou de apoiar esta fórmula de cálculo, com início de aplicação plena em 2017.

É que, Sr. Primeiro-Ministro, isto significa que cerca de 650 000 trabalhadores, que se reformariam até 2017, serão prejudicados na sua reforma, por não poderem optar como sucedia até aqui.

Quanto à questão da nossa proposta do valor acrescentado bruto, que o Sr. Primeiro-Ministro qualifica como penalizadora das empresas que se modernizaram, não confundamos modernização e avanço tecnológico que houve em muitas empresas, e ainda bem, com o facto de, em muitas delas, seja ou não por razões de modernização tecnológica - e, muitas vezes, não o é, é por razões de actividade financeira, do seu ramo de actividade -, haver uma contribuição muito aquém da riqueza criada, muito aquém daquilo que seria proporcional à riqueza criada.

Sr. Primeiro-Ministro, sabe que dados de 2002 dizem-nos que as 500 maiores empresas do País só contribuem para a segurança social com 6% da riqueza que produzem, enquanto que a média nacional é de cerca de 11%?! Pois o que propomos é exactamente a correcção desta desproporção, não é um novo imposto, não é uma absurda imposição sobre estas empresas mas que se equilibre esta desproporção, que as empresas que mais riqueza criam, as empresas de maior dimensão e que, pelo número de trabalhadores que têm, suportam menos contribuições para a segurança social, possam dar uma pequena contribuição adicional, a qual significará muito para a segurança social e, além disso, introduzirá mais justiça no sistema de contribuições, já que deixaremos de penalizar sobretudo as empresas que criam mais emprego.

Aliás, Sr. Primeiro-Ministro, é preciso ter em conta que, por exemplo, de 1975 até 2004, a riqueza criada pelos trabalhadores também aumentou e, portanto, é justo que quem ficou com uma boa parte ou com a maior parte da riqueza criada, que aumentou mais de 40 vezes desde 1975 até agora, possa contribuir um pouco mais para a segurança social. É isto que propomos, não parece nada absurdo nem penaliza as empresas que se modernizaram.

Quanto à questão do factor de sustentabilidade, ela tem a ver com o que o Sr. Primeiro-Ministro disse ser uma alteração no ritmo de crescimento das reformas, isto é, as reformas continuam a crescer mas, agora, crescem a um ritmo mais baixo, porque o Governo entende que a referência para os seus aumentos deixa de ser o aumento do custo de vida, a inflação, e passa a ser o aumento do PIB.

Ora, como estamos a ver pelos últimos anos, e veremos pelos anos seguintes, pelo menos pelos mais próximos, esse é um valor muito inferior, o que significa que, crescendo a um ritmo mais baixo, o custo de vida crescerá a um ritmo superior àquele a que crescerão as reformas, pelo que elas irão, realmente, baixar.

Isto significa que esse abrandamento do ritmo de crescimento de que o Sr. Primeiro-Ministro fala não é mais do que uma diminuição real do poder de compra dos reformados, porque, entretanto, como propõe o Governo, a referência para os seus aumentos mudou.

Termino, dizendo-lhe que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo, neste debate, continuam a recusar-se a olhar para os dois pratos da balança.

O Sr. Primeiro-Ministro, recenseando um problema de sustentabilidade da segurança social - muito bem! -, só olha para o lado da despesa, só olha para o lado da diminuição de direitos, só olha para o lado do corte nas retribuições dos trabalhadores e dos reformados. Recusa-se a olhar para o lado das receitas, e não só para o valor acrescentado bruto mas também para a nossa proposta de uma pequeníssima taxa para as operações bolsistas, para o facto de, por exemplo, havendo 3400 milhões de euros de dívida declarada à segurança social, o Governo só se propor cobrar, este ano, 300 milhões de euros, e ainda para o facto de a economia paralela ser superior a 20%, com prejuízo do sistema fiscal e das contribuições para a segurança social.

Não somos imobilistas, Sr. Primeiro-Ministro, queremos mudanças onde elas são necessárias, a sua mobilidade é que é selectiva!

O Sr. Primeiro-Ministro é muito rápido a diminuir direitos mas mantém-se imóvel se se trata de pedir um pouco mais aos grandes interesses económicos.

 

 

 

 

 

 

 

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