A Reforma da PAC e outros<br />Conferência de Imprensa do PCP,

Na reunião da Comissão Política de ontem foi feita uma primeira abordagem sobre os projectos de Reforma da PAC e outros problemas candentes da agricultura portuguesa. IA concretização da Reforma da PAC proposta pela Comissão Europeia seria um novo e fundo golpe na já débil agricultura portuguesa.1. Está em curso uma nova Reforma da PAC, que na versão da Comissão Europeia significará uma ruptura total com a velha PAC e os seus três princípios fundadores: a unicidade dos mercados com preços garantidos e intervenções regularizadoras; a preferência comunitária; a solidariedade financeira. Independentemente dos possíveis e contraditórios desenvolvimentos da proposta apresentada, face a oposição de países com um peso determinante nas decisões comunitárias (França, Itália, Espanha, etc.) e do resultado das eleições alemãs, é evidente o que move a Comissão e as principais potências europeias.- Como fazer o alargamento da UE e encaixar as agriculturas dos países candidatos sem gastar mais um euro, e, se possível, fazendo inclusive algumas poupanças! Isto é, sem alterar as actuais relações financeiras dos diversos países membros com o orçamento comunitário e sem corrigir as existentes desigualdades na distribuição dos dinheiros da PAC entre produções agro-pecuárias, entre agricultores e entre países membros. - Como dar por parte da União Europeia um novo impulso à liberalização total do comércio agrícola no âmbito da OMC, para maior glória dos lucros das transnacionais da agroalimentar, da agroquímica e da grande distribuição. Pese às “almas bondosas” mas também profundamente ignorantes dos mecanismos do actual comércio mundial de produtos agropecuários, que julgam que a tal Reforma da PAC e correspondente total liberalização do mercado agrícola comunitário (e mundial) será vantajosa para os países menos avançados, que assim teriam possibilidades de desenvolver e exportar as suas produções agropecuárias. Ou ainda, que tal Reforma da PAC se destina a favorecer o ambiente e a garantir a segurança alimentar dos cidadãos da Europa. Ou ainda, a falácia de assim se poupar dinheiro aos contribuintes e se oferecer produtos alimentares mais baratos aos consumidores. Da Reforma da PAC de 1992 até hoje, os preços dos cereais à produção reduziram-se de 50% sem que alguém tenha enxergado qualquer descida do pão na padaria! Bem pelo contrário. No corpo da proposta da Reforma da Comissão consolidam-se como principais objectivos fundamentais de uma nova PAC (?), ideias e mecanismos introduzidos na Reforma de 1992, desenvolvidos com a Agenda 2000 (ultrapassando esta, que só previa para esta reforma intercalar mexidas nas OCM dos cereais, bovinos e leite) e que pretendem ensaiar o caminho para a reforma definitiva e radical da PAC em 2006, aquando do encerramento do actual III QCA. Refiram-se como eixos centrais:- a desvinculação total das ajudas directas ao rendimento da produção; - o desmantelamento progressivo do pilar dos mercados; - a introdução do co-financiamento no apoio aos mercados, de uma forma directa ou de uma forma velada, através da deslocação de verbas para o 2º Pilar, o Desenvolvimento Rural.A desvinculação das ajudas (para compensar descidas de preços) da produção – o conhecido princípio da caixa verde das negociações agrícolas na OMC – com o estabelecimento de uma ajuda ao rendimento única por exploração a ser determinada na base de um referencial histórico (por exemplo, a média das ajudas totais nos últimos 3 anos) acabará por se transformar numa ajuda a quem tem a propriedade da terra, eliminando o seu possível papel na orientação produtiva e facilitando a quebra de produção e o abandono da actividade agrícola – para receber a ajuda não será necessário produzir, mas apenas manter a terra em boas condições para a prática agrícola! Tal princípio manterá a desigualdade na distribuição das ajudas ao rendimento, pois continuarão a ser fixadas na base das produções dominantes no Norte da Europa (cereais, carne, leite), a não abranger as OCM das culturas mediterrânicas (hortícolas, frutas, vinho, azeite) e amarradas ao nível histórico de desenvolvimento e produtividade agrícola de cada País. Este princípio dará uma ajuda significativa ao desmantelamento total da política de mercados. Objectivo este, que tem já na proposta da Comissão novos avanços com a redução dos preços institucionais de diversos produtos agrícolas e a abolição dos mecanismos de intervenção, ao nível das OCMs de cereais e bovinos.3. A proposta da Comissão contém de forma mais desenvolvida a introdução de dois princípios há muito defendidos pelo PCP e as organizações da agricultura familiar: a modulação e o plafonamento das ajudas. Independentemente de se saber se é desta vez que tais princípios além de fazerem parte da propaganda da proposta inicial, estarão também na versão final - assinale-se que nesta matéria sempre a montanha pariu um rato e, às vezes, nem um rato, como na Reforma de 1992 –, refiram-se as seguintes críticas à sua forma e dimensão:- Modulação, sendo positivo o ser proposta como obrigatória e efectuada no plano comunitário (o que não deverá impedir a sua existência no plano nacional), é negativa a sua consideração desde um nível demasiado baixo (5.000 euros/1.000 contos) e com o mesmo valor percentual para todos os abrangidos (deveria ser por escalões); - Plafonamento, é negativo que só tenha efeito a partir de um valor demasiado elevado (300.000 euros/60.000 contos) e por exploração, o que permitirá a fuga fácil através da multiplicação do número de explorações. Um agricultor com duas explorações terá um tecto de 600.000 euros!Mais grave é admitir-se que a possível redistribuição dessas poupanças (calculam-se em 500/600 milhões de euros/ano) seja feita através do Pilar Desenvolvimento Rural, em vez do estabelecimento de uma ajuda mínima reforçada aos pequenos agricultores, por exemplo. Dessa forma, não só se acentuarão as necessidades de co-financiamento nacional, como se pode vir a constituir uma espécie de “câmara de compensação” para as grandes explorações agrícolas e as agriculturas mais desenvolvidas, que verão entrar pela janela via Desenvolvimento Rural o que lhes foi cortado à porta pela modulação e o plafonamento.4. Numa síntese breve e olhando fundamentalmente para as consequências para a agricultura nacional, caso se concretizasse a proposta de Reforma da PAC apresentada pela Comissão, pode afirmar-se: - agravar-se-iam as dificuldades do País em assegurar a produção agropecuária sustentada e possível face às nossas condições agrológicas e edafoclimáticas, mantendo-se o desenvolvimento das produções em que somos deficitários ou temos potencialidades de competitividade, limitado quer por quotas de produção inaceitáveis quer por falta de ajudas suficientes, o que significará continuar logicamente a avolumar-se o défice da nossa balança agroalimentar; - manter-se-iam os desequilíbrios na distribuição dos dinheiros da PAC, continuando a agricultura portuguesa, e em particular as culturas mediterrânicas e os pequenos e médios agricultores, como os menos apoiados da União Europeia, agravando-se igualmente as assimetrias no interior do próprio tecido agrícola português - acentuar-se-iam problemas na recepção pelos agricultores portugueses das ajudas comunitárias face ao crescer do co-financiamento e tentativas de renacionalização da PAC no quadro das limitações do Orçamento de Estado Português (Pacto de Estabilidade e políticas de restrições orçamentais).Os propagandeados objectivos de uma maior integração dos problemas ambientais e do desenvolvimento dos espaços rurais, que a Reforma da PAC procuraria, é apenas fogo de vista. Mais uma vez, esses importantes objectivos, usados para “vender” a PAC, serão inteiramente submergidos pelo objectivo central de uma agricultura competitiva no quadro da concorrência desenfreada no mercado mundial. Acentuar-se-ão as lógicas produtivistas, no contexto da defesa das agriculturas mais desenvolvidas e das grandes explorações agrícolas capitalistas mais eficientes e impondo a redução dos espaços agrícolas nos países e regiões com piores condições produtivas ou de mercados (como Portugal) e a expulsão da agricultura familiar para o papel de peça de museus vivos nos espaços turísticos europeus. Ou nem isso. Não é sintomático que a Reforma da PAC da Comissão Europeia não diga uma palavra sobre a produção pecuária industrial (produções sem terra) responsável pelos escândalos da BSE, das dioxinas, do uso de antibióticos e hormonas de crescimento considerados pelos próprios serviços da UE como nocivos à saúde?! Que não haja uma palavra sobre a resposta da UE à ofensiva dos EUA e das transnacionais da agroquímica das produções com OGM?! IIAs contrapropostas de Reforma da PAC do Governo PSD/CDS-PP e da reincidência neoliberal do PS/Capoulas Santos.Os muito breves traços apresentados pelo Ministro da Agricultura do Governo PSD/CDS-PP Sevinate Pinto como eixos da proposta portuguesa para negociação no plano comunitário da Reforma da PAC, tendo como pano de fundo a rejeição – e bem – do fundamentalismo da globalização capitalista dos mercados agrícolas e da renacionalização dos custos da PAC, merecem dois comentários. O primeiro, de que, dando a mão à palmatória, o Ministro confirma a justeza das posições, há muito defendidas pelo PCP – salvaguarda da especificidade da agricultura portuguesa, correcção das desigualdades na distribuição dos dinheiros da PAC com claro prejuízo para os agricultores e a agricultura nacional, a necessidade de libertar o país dos constrangimentos de quotas de produção inaceitáveis, ajudas e quotas congelando o desenvolvimento agrícola do País. Mas esta avaliação do Sr. Ministro da Agricultura exigiria, no mínimo, que reconhecesse e condenasse sem subterfúgios a Reforma da PAC feita em 1992 pelo Governo PSD de Cavaco Silva, que concretizou exactamente as orientações e regras da PAC que agora condena e quer revogar. O segundo de que são evidenciadas demasiadas “preocupações” com os cereais (apenas 10% do produto agrícola vegetal e localizados os cereais de sequeiro sobretudo na região latifundiária do Sul, onde as condições edafoclimáticas regionais apresentam fortes limitações à evolução das suas produtividades) e insuficientes preocupações com as culturas mediterrânicas (hortícolas, frutas, azeite e vinho) que representam 70% do produto vegetal, e que necessitam de ter reformuladas as suas OCMs garantido-lhes um nível adequado de ajudas (ou mesmo a criação de uma OCM como deverá acontecer com a batata de consumo). Preocupações que se acentuam quando se verifica que o Sr. Ministro reclama uma “modulação moderada”, posição aliás coerente com a sua decisão de classe de acabar com a “Lei da modulação suspensa” de Capoulas Santos em vez de a pôr em prática. Mas a principal objecção à proposta da PAC do Ministro da Agricultura é que não é esclarecido como vai fazer vingar os seus pontos de vista, face às orientações dominantes e bem presentes na proposta da Comissão. Vai propor que o Governo Português use o direito de veto? Ou prepara-se para aceitar algumas migalhas ou propor alguma daquelas negociatas como a que foi aceite pelo Governo PSD em 92, vendendo a segunda etapa do período de transição e a especificidade da agricultura portuguesa por dez reis de mel coado? Relativamente à posição do PS, anunciada pelo actual deputado Capoulas Santos, basta dizer que é a repetição pura e simples da proposta de liquidação da agricultura portuguesa apresentada pelo ex-Ministro da Agricultura do ex-Governo PS Capoulas Santos. Não inova nada, hoje como ontem, é a defesa da liberalização total dos mercados agrícolas, o crescimento sem limites da competitividade, o desligar as ajudas à produção e perfeitamente coincidente com a proposta agora apresentada pela Comissão Europeia. Se não é abuso adivinhar, o que está à vista, Capoulas Santos preparava-se para ter mais uma “grande vitória” em Bruxelas à custa de mais uma derrota da agricultura portuguesa! O PCP não tem qualquer dúvida sobre a necessidade de uma rápida e radical reforma da PAC. Sobre os principais objectivos e orientações para essa Reforma apresentámos desenvolvidas propostas no quadro do Encontro Nacional realizado no Porto a 14 de Julho do ano passado e que então tornámos pública. Uma justa e necessária reforma da PAC que privilegie a defesa da Soberania Alimentar, da Segurança Alimentar, dos interesses dos pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar, as especificidades agrícolas dos diversos estados-membros e um justo reequilíbrio das ajudas agrícolas entre países, produções e produtores. Uma Reforma da PAC que salvaguarde a agricultura portuguesa. IIIOutros problemas candentes da agricultura portuguesaNão é possível falar da agricultura portuguesa sem deixar de referir o drama que novamente assola a floresta e muitas zonas rurais do País. Multiplicam-se os fogos florestais e as áreas ardidas com todas as gravosas consequências para as populações e os agricultores atingidos. Sem querer afastar factores incontornáveis que nenhum poder político evitará, não podem deixar de se fazer duas anotações críticas. No plano da prevenção, para relembrar que apesar de aprovada por larga maioria na Assembleia da República uma proposta do PCP que se transformou na Lei de Bases da Política Florestal (Lei 33/96 de 17 de Agosto), o ex-Governo PS mostrou-se completamente incapaz de concretizar as medidas de ordenamento florestal nela contida, quer por falta de regulamentação total e adequada da Lei quer pela não disponibilização dos meios financeiros e técnicos necessários para esse objectivo. No plano da vigilância e combate aos incêndios, consideramos completamente inaceitável a decisão do Governo PSD/CDS-PP de mexer em plena época de fogos florestais nas estruturas da CNEFF, incluindo na sua Direcção Nacional e de deixar, ao que é divulgado, cerca de 50% dos postos de vigia sem condições de funcionamento por motivo de restrições orçamentais. No passado dia 19, o Grupo Parlamentar do PCP requereu com urgência a presença dos Srs. Ministros da Administração Interna e da Agricultura para a abordagem do problema. Não podemos ainda deixar de referir mais uma vez as nossas preocupações pela situação dos mercados de vinhos, em particular em algumas regiões demarcadas (Vinhos Verdes e Douro), onde em vésperas de nova vindima ainda se encontram por escoar largos milhares de pipas.

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