Projecto de Resolução N.º 1158/XIV/2.ª

Reforço da Capacidade do Serviço Nacional de Saúde

Exposição de Motivos

A realidade comprova que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a solução para assegurar o direito constitucional à saúde para todos, por isso a prioridade deve ser o reforço da sua capacidade de resposta, em proximidade e com qualidade para garantir que todos os utentes têm acesso à saúde, independentemente da sua condição económico-social.

Não existisse em Portugal um SNS com carácter público, universal e geral e a resposta na epidemia do Sars-Cov-2 seria seguramente diferente. Viu-se como os grupos privados da saúde reduziram ou encerraram a atividade na primeira fase, recusaram a entrada de doentes com covid 19 nas suas instalações, revelando que o que lhes verdadeiramente interessa é o negócio da saúde. Viu-se igualmente a campanha desenvolvida por setores reacionários e pelos partidos de direita, na tentativa de descredibilização do SNS, com o objetivo de transferir a prestação de cuidados para os hospitais privados dos grandes grupos económicos.

O SNS enfrenta há mais de um ano a epidemia do Sars-Cov-2, com insuficiências e limitações que não são de hoje, mas que a epidemia evidenciou e agravou. As insuficiências e limitações com que o SNS se confronta são consequência das opções políticas de sucessivos Governos, de desinvestimento público, que se traduz no subfinanciamento crónico, na carência de profissionais de saúde, na redução de serviços e valências, nos elevados tempos de espera nas consultas, cirurgias, exames e tratamentos.

Não obstante o aumento do financiamento do Serviço Nacional de Saúde nos últimos anos, este continua aquém das necessidades, ao não assegurar a adequada dotação financeira dos estabelecimentos de saúde do SNS. A transferência de verbas do Orçamento do Estado para o SNS é inferior às despesas realizadas pelo SNS, de onde se concluí que o subfinanciamento crónico persiste.

O subfinanciamento do SNS tem reflexos nas dificuldades existentes na prestação de cuidados nos centros de saúde e nos hospitais, na obsolescência dos equipamentos, na degradação das condições de trabalho e das instalações, no número insuficiente de trabalhadores da saúde, entre outros. Portanto a dotação dos estabelecimentos do SNS dos meios financeiros necessários é condição para reforçar o investimento, melhorar as condições de prestação de cuidados e assegurar o acesso de todos os utentes aos cuidados de saúde.

Por outro lado, é igualmente necessário pôr fim à promiscuidade entre o setor público e privado e canalizar os recursos públicos para reforçar o SNS e investir no SNS e não para aumentar os lucros dos grupos privados da saúde.

A Lei de Bases da Saúde determina a existência de um Plano Plurianual de Investimentos no SNS, enquanto instrumento de planeamento e programação dos investimentos necessários para reforçar a capacidade no SNS. Importa por isso dar concretização a esta norma e elaborar o Plano Plurianual de Investimentos que tenha em consideração a necessidade de remodelar, ampliar e construir novas instalações de centros de saúde e hospitais, a internalização dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, a recuperação das cerca de 4000 camas perdidas nos últimos anos nos hospitais públicos e que hoje, está mais do que comprovada a sua necessidade.

Importa também proceder à inovação e modernização tecnológica, que permita mais eficácia e eficiência na prestação de cuidados de saúde, colocando como objetivo a dotação de 2,5% do orçamento das instituições para este fim.

Os cuidados de saúde primários podem e devem ser valorizados e assumir maior relevância na prestação de cuidados de saúde, deixando os hospitais para os cuidados de saúde mais diferenciados. Os cuidados de saúde primários têm uma enorme importância na prevenção da doença e da promoção da saúde. Para que seja uma realidade, o investimento nos cuidados de saúde primários é absolutamente prioritário, através da atribuição de médico e enfermeiro de família a todos os utentes; do alargamento das suas valências, nomeadamente na saúde mental, saúde visual, saúde oral, na reabilitação e na alimentação saudável; da existência de respostas para a doença aguda e da existência de uma cobertura de proximidade em todo o território, da reabertura das extensões e centros de saúde encerrados. Os cuidados de saúde primários conheceram um acréscimo da sua atividade, com o acompanhamento de doentes assintomáticos ou com sintomas ligeiros, ou na elaboração das listagens e convocatória dos cidadãos no âmbito do plano de vacinação. Não faz sentido que, perante a necessidade de recuperar a prestação de cuidados em atraso e acompanhar os utentes, devido à epidemia tenham sido encerradas extensões de saúde e que ainda não tenham sido reabertas, deixando as populações à sua sorte.

A Lei de Bases da Saúde também prevê a criação dos Sistemas Locais de Saúde. Avançar neste modelo de organização no SNS permite a otimização dos recursos e a articulação entre vários níveis de cuidados, eliminando ineficiências. Os Sistemas Locais de Saúde não podem continuar apenas no papel, é preciso implementá-los, com o objetivo de robustecer a estrutura e organização do SNS e ao mesmo tempo assegurar melhores cuidados aos utentes.

O reforço do número de trabalhadores de saúde constitui outro elemento central para o reforço do SNS. Apesar de nos últimos anos o número de trabalhadores da saúde no Ministério da Saúde ter aumentado, continua ainda aquém das necessidades. O aumento do número de trabalhadores de saúde é fundamental para assegurar o adequado funcionamento dos serviços, para reduzir as listas de espera e para que os cuidados de saúde sejam prestados com qualidade e atempadamente.

Melhorar as condições de acesso aos cuidados de saúde passa pela melhoria das condições de prestação de cuidados de saúde, passa pelo investimento na modernização e inovação tecnológica, passa pelo investimento nas instalações e no aumento da capacidade de resposta dos centros de saúde e hospitais, passa pelo reforço do número de trabalhadores da saúde, e passa também pela eliminação dos obstáculos que continuam a criar dificuldades e a impedir o acesso dos utentes à saúde, como são exemplo as taxas moderadoras. Neste sentido propomos em definitivo a eliminação das taxas moderadoras, garantindo assim a gratuitidade do acesso à saúde; e a atribuição dos transportes de doentes não urgentes a todos os utentes que dele necessitem para aceder aos cuidados de saúde a que têm direito.

Neste momento estão colocadas enormes exigências no SNS, com a necessidade dar resposta ao combate à epidemia, de não deixar ninguém para trás, e recuperar a atividade assistencial em atraso, por isso é fundamental o reforço do SNS. É neste sentido que o PCP apresenta esta iniciativa onde propõe medidas concretas que permitem reforçar a capacidade do SNS e dotá-lo das condições necessárias para dar a resposta que se exige e que os portugueses têm direito.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição a adoção de medidas para o reforço da capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), como solução para assegurar o direito constitucional à saúde para todos, incluindo designadamente:

  1. O reforço do financiamento do SNS, de forma a dotar os serviços públicos de saúde das condições necessárias e do investimento para a prestação de cuidados de saúde com qualidade, bem como para a melhoria da sua organização.
  2. A exclusão do SNS da aplicação da Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso, com o objetivo de eliminar os obstáculos na aquisição de bens essenciais na prestação de cuidados, nomeadamente de medicamentos, material clínico ou equipamentos e na realização de investimentos que permitem melhorar as condições dos serviços públicos de saúde na prestação de cuidados de saúde.
  3. A reversão do modelo de regime de parcerias público privadas na gestão de estabelecimentos de saúde, garantindo a sua gestão pública e pondo fim à promiscuidade entre público e privado.
  4. O investimento na modernização e na inovação tecnológica nos estabelecimentos de saúde que integram o SNS, através de:
    1. Criação das condições para assegurar 2,5% dos orçamentos dos estabelecimentos de saúde para a sua atualização tecnológica e funcional;
    2. Substituição dos sistemas de comunicações, informáticos e dos equipamentos para a realização de exames de diagnóstico;
    3. Internalização dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, reforçando a capacidade do SNS, nos cuidados de saúde primários e nos cuidados hospitalares;
    4. Harmonização dos sistemas de informação existentes nos estabelecimentos do SNS, de forma a assegurar a integração e a interoperabilidade dos sistemas, que permita a partilha de informação, salvaguardando a proteção dos dados pessoais em saúde.
    5. Criação do processo clínico único que centralize toda a informação clínica do utente, facilitando a comunicação entre os diferentes níveis de cuidados, bem como a prestação de cuidados de forma integrada no SNS.
  5. A elaboração de um Plano Plurianual de Investimentos no SNS, com vista ao alargamento da rede pública nos cuidados de saúde primários, nos cuidados hospitalares e nos cuidados continuados e paliativos considerando:
    1. A remodelação, ampliação e/ou construção de novas instalações nos cuidados de saúde primários e nos cuidados hospitalares;
    2. O alargamento da rede pública de cuidados continuados e de cuidados paliativos;
    3. A recuperação do número de camas de agudos perdido nos últimos anos, com a reposição de cerca de quatro mil camas nos hospitais públicos;
    4. O aumento de unidades públicas de hemodiálise em todas as regiões, associadas aos hospitais;
    5. A ampliação da capacidade pública na realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
    6. O reforço de valências nos cuidados de saúde primários em particular nas áreas da saúde mental, saúde visual, saúde oral, reabilitação, na alimentação saudável, entre outros.
  6. A criação de um gabinete dedicado ao planeamento das instalações e equipamentos do SNS junto da ACSS com a responsabilidade da identificação das necessidades de investimento, do planeamento, da programação e de projeto de construção de instalações, bem como de coordenação, de operacionalização e de estabelecimento de normas e procedimentos em engenharia de saúde, com a constituição de equipas técnicas que integrem arquitetos e engenheiros.
  7. A implementação dos sistemas locais de saúde que possibilite uma maior articulação entre os vários níveis de cuidados, a gestão integrada na prestação de cuidados aos doentes, o aumento da resolutividade dos casos, com maior proximidade e cooperação entre os estabelecimentos de saúde com as entidades locais.
  8. A capacitação dos cuidados de saúde primários, para que assumam uma maior relevância no acompanhamento dos utentes, na promoção de saúde e na prevenção da doença, com a atribuição de médico e enfermeiro de família a todos os utentes, o alargamento das valências, a reabertura de extensões e centros de saúde encerrados e que são essenciais para assegurar a prestação de cuidados de proximidade às populações e a criação e alargamento de serviços para responder à doença aguda, libertando os hospitais e as urgências hospitalares para a prestação de cuidados de saúde diferenciados.
  9. A contratação de profissionais de saúde necessários no SNS para garantir e aumentar a capacidade de funcionamento dos serviços públicos de saúde, dos médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais com vínculo público efetivo, para combater a epidemia do Sars-Cov-2 e para recuperar a atividade assistencial em atraso.
  10. O desenvolvimento do funcionamento dos serviços públicos de saúde assente em equipas multiprofissionais, envolvendo as diferentes áreas do conhecimento e experiências, o que potencia uma intervenção integrada, de maior qualidade e eficácia na prestação de cuidados.
  11. A adoção de medidas concretas para a redução dos tempos de espera para consultas, cirurgias, tratamentos e exames de diagnóstico e terapêutica, no âmbito do SNS, assegurando a qualidade dos cuidados de saúde prestados em tempo útil, assim como a segurança dos utentes.
  12. A eliminação definitiva das taxas moderadoras que constituem um obstáculo no acesso dos utentes aos cuidados de saúde, assegurando a gratuitidade do SNS, bem como a atribuição gratuita dos transportes de doentes não urgentes a todos os utentes que dele necessitem para aceder aos cuidados de saúde a que têm direito.