Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Reforçar e garantir direitos a todos os trabalhadores em regime de trabalho por turnos

Sr. Presidente,
Sr. Deputados,

No nosso país, diariamente, muitos milhares de trabalhadores sobrevivem sujeitos a um ritmo fortemente desgastante do trabalho por turnos.

São mães e pais que não vêm os filhos, crianças que crescem privadas de tempo de lazer e descanso, famílias construídas nos dias e nos afectos intermitentes.

É cada vez maior o número de trabalhadores sujeito a este regime de profundo desgaste físico e emocional.

E por isso mesmo, é inadiável reconhecer, reforçar e garantir direitos a todos os trabalhadores abrangidos pelo regime de trabalho por turnos.

É não só legítimo, como de elementar justiça, reconhecer o direito à antecipação da idade de reforma, devido ao desgaste e penosidade deste tipo de prestação de trabalho.

Assim como garantir o direito a sair do regime de turnos, passando para o horário diurno, após trabalhar 20 anos neste regime ou quando o trabalhador tiver 55 anos de idade de trabalho em regime de turnos, sem qualquer perda do subsídio que usufrui à data.

Sr. Presidente,
Sr. Deputados,

À boleia da dita urgência do aumento da competitividade, as sucessivas alterações à legislação laboral, resultaram sempre mas sempre em degradação dos direitos dos trabalhadores.

Novos conceitos e instrumentos como a adaptabilidade, bancos de horas individuais e grupais, horários concentrados foram impostos, mas na verdade apenas recuperam velhas ideias de desumanização do trabalho.

Os horários de trabalho, a sua fixação e cumprimento, o respeito pelos tempos de descanso, as respectivas condições de pagamento e de compensação, a articulação com a vida familiar, pessoal e profissional continuam, pelas piores razões, a assumir uma enorme actualidade.

Em pleno século XXI, a três dias da celebração dos 131 anos do 1º de Maio onde pela primeira vez se ergueu a bandeira das 8 horas de trabalho e a consigna 8 / 8/ 8 (oito horas para trabalhar, oito horas para descansar e oito horas para lazer), o horário de trabalho continua a constituir, a par dos salários, o alvo do maior ataque por parte do patronato e por consequência a mais firme e corajosa luta e reivindicação dos trabalhadores.

Ao avanço civilizacional da consagração das 8 horas de trabalho diário, o Capital foi resistindo e respondendo com instrumentos ardilosos para tornear e afastar a lei.

Transformou todo o período normal de trabalho em tempo de trabalho efectivo, eliminando pausas, inventando as mais diversas “flexibilizações” e aumentando por esta via a intensidade e ritmos de trabalho.

Depois do percurso histórico de lutas que conquistaram as 8 horas diárias de trabalho e 40 horas semanais em cinco dias, os trabalhadores enfrentam desde há vários anos o desafio de resistir à regressão de direitos.

Sr. Presidente,
Sr. Deputados,

É incontestável que o trabalho diurno é o trabalho adequado ao ser humano, e que o trabalho nocturno, de uma maneira geral, é causa de graves danos.

Porque o organismo funciona em estado de desactivação, investigações científicas mostraram já que o trabalho nocturno exige um esforço suplementar;

Que o sono em estado de reactivação diurna é um sono mais curto (cerca de 2 ou 3 horas a menos do que o sono de noite) e de uma qualidade menor;

E que o trabalho nocturno provoca perturbações de sono, vigílias frequentes e outras perturbações neuro-psíquicas, irritabilidade agressividade, esgotamentos, astenia, tendências depressivas. Vários são os estudos que confirmam que o risco de desenvolvimento de cancro da mama é muito superior nas mulheres que prestam trabalho nocturno.

Não há qualquer dúvida:

O princípio e a lei devem partir da afirmação da excepcionalidade do trabalho nocturno.
Propomos que o conceito de trabalho nocturno deve ser clarificado, fixando esse período das 20h às 7h do dia seguinte;
Propomos a garantia de que, relativamente ao trabalho nocturno, não exista a prática da adaptabilidade dos horários de trabalho.
A média para as actividades que não envolvam especial penosidade deve ser apenas semanal.
Na organização do trabalho por turnos é fundamental fixar algumas regras que impeçam abusos na aplicação do sistema de turnos 3x8;
É igualmente importante estabelecer para este sistema a redução semanal do horário de trabalho, bem como nos casos de dias de descanso rotativos definir a periodicidade no seu gozo ao sábado e domingo;

Estabelecer ciclos curtos para a equipa nocturna e criar para os trabalhadores nocturnos mais um intervalo de descanso, além do já consagrado, no período de especial sonolência.

Para além destas propostas, entendemos que sem prejuízo da reposição das condições de pagamento das indemnizações por despedimentos anteriores ao Código do Trabalho de 2012 que facilitou e embarateceu os despedimentos, importa garantir condições mais favoráveis aos trabalhadores e por isso mesmo, propomos que no imediato passe a ser contabilizado para efeitos do cálculo de compensação por despedimento, o subsídio de turno.

Outra dimensão incontornável que exige uma resposta especial é relativa às normas que garantam a saúde e a segurança dos trabalhadores.

Propomos que se determinem exames necessários, com uma periodicidade de 6 meses.

Por todas as consequências de desgaste físico e emocional anteriormente citadas para além das regras especiais que protegem os menores e a maternidade, é muito importante assegurar exames e garantias especiais para as mulheres, nomeadamente através do rastreio do cancro da mama.

Sr. Presidente, Sr. Deputados,

Com este projecto de lei, o PCP não se fica pelo reconhecimento e confirmação das características penosas específicas do regime de trabalho.

Vamos mais longe e propomos medidas de limitação, salvaguarda e reparação dos efeitos do trabalho por turnos:

- Limitamos o trabalho nocturno e por turnos às situações que sejam, técnica e socialmente justificadas;
- Propomos a garantia de condições de segurança, de protecção da saúde, de garantia de protecção da maternidade e paternidade, bem como a existência de infraestruturas e serviços sociais compatíveis com este tipo de horários de trabalho;

Assim como a fixação, em sede de negociação e contratação colectiva, de subsídios e compensações adequadas aos trabalhadores abrangidos;

- Propomos a clarificação do conceito de trabalho nocturno retomando a sua fixação com início às 20h e até às 7h;
- Salvaguardamos da não aplicação de mecanismos de desregulamentação do horário de trabalho relativamente ao horário de trabalho nocturno e por turnos;
- Avançamos com a necessidade de definir periodicidade no gozo dos dias de descanso rotativos mesmos ao sábado e domingo;
- Estabelecemos a obrigatoriedade de realização de exames médicos necessários, cuja periodicidade dever ser semestral;
- Apontamos para a definição do valor mínimo de subsídio de turno;
- Garantimos o reconhecimento do direito a sair do regime de turnos, passando para o horário diurno, após trabalhar 20 anos neste regime ou quando o trabalhador tiver 55 anos de idade de trabalho em regime de turnos,

Sem qualquer perda do subsídio que usufrui à data, sem prejuízo das condições mais favoráveis consagradas nos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho.

Gostaria de novamente destacar uma proposta que responde a uma reivindicação muito importante para milhares de mulheres e homens deste país:

O direito a uma antecipação da idade de reforma, devido ao desgaste e penosidade deste tipo de prestação de trabalho.

Este é um combate central na valorização do trabalho, condição essencial para o desenvolvimento do país e o PCP estará profundamente empenhado na sua vitória.

Disse.

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