Projecto de Resolução N.º 286/XI/2.ª

Reduzir os acidentes mortais no meio rural

Reduzir os acidentes mortais no meio rural

Reduzir a sinistralidade do tractor e reduzir os acidentes mortais no meio rural

1. Morrem anualmente dezenas de agricultores e trabalhadores rurais em acidentes com tractores, e muitos outros ficam com graves sequelas. Não raras vezes são também vítimas os próprios familiares, enquanto ajudantes no trabalho ou acompanhantes a bordo das máquinas.

Um balanço sumário, feito através de um grande diário nacional (Jornal de Notícias) e de um jornal regional também diário (Correio do Minho), que habitualmente noticiam os acidentes com tractores, mostra que só nos primeiros nove meses de 2010, terão havido cerca de 25 acidentes, com 30 vítimas mortais, 15 feridos graves e 6 feridos ligeiros! Idades de algumas das vítimas (entre Abril e Setembro): 70, 60, 80, 83, 78, 8, 60, 55, 40, 60, 65, 80, 60 anos!

Um balanço certamente muito incompleto e com evidente subestimação, dado o número de acidentes não noticiados, e a reduzida cobertura noticiosa daqueles órgãos de informação, de regiões com grande actividade agrícola, como sucede no Alentejo. Os acidentes acontecem em duas tarefas em que o uso do tractor é hoje quase obrigatório no mundo rural: operações de transporte e lavouras (lavrar, gradar, semear, colher, etc.).

2. O tractor, nas suas diversas versões, incluindo aqui o motocultivador, é hoje uma ferramenta universal e imprescindível nos campos portugueses. A sua capacidade motriz, a aparente simplicidade no seu manejo, as suas versatilidade, flexibilidade e adaptabilidade aos mais diversos trabalhos e funções agrícolas e rurais, a variabilidade de modelos que foram crescendo, no tamanho, na potência, na tracção adequada aos solos (ver tractor vinhateiro de rastos para socalcos!), a sua função central na transmissão de força e movimento a um número infindável de alfaias, tornaram o tractor uma presença obrigatória nas diversas actividades produtivas – culturas temporárias e permanentes, pecuária, floresta – e máquina central do mundo agrícola e rural. Assumiu, assim, o papel simbólico de imagem dessas actividades, substituindo a enxada, o arado ou a foice, depois de ter destronado a força animal como energia motora.

Algumas daquelas características e potencialidades, e particularmente a sua evolução nos últimos 50 anos, tornaram-no também um instrumento adaptado à pequena e média agricultura, à agricultura familiar, à agricultura de pequenas leiras e de montanha, dominante no Norte e Centro do País, e também no Algarve. A sua enorme versatilidade como meio de transporte, ampliou a sua utilização, muito para lá da actividade especificamente agrícola, ao serviço de muitos outros usos, económicos e sociais nas aldeias portuguesas.
3. Há um conjunto de factores objectivos que favorecem a elevada sinistralidade do tractor, fazendo dele, de valioso instrumento de trabalho, de produção de riqueza, de máquina de paz, um «assassino» de centenas e centenas de agricultores e trabalhadores rurais, provocando perdas irremediáveis, e quantas vezes a pobreza, em tantas famílias desse mundo que resiste, apesar das políticas agrícolas desastrosas levadas a cabo no País. Entre esses factores avultam os seguintes:

(i) a orografia acidentada e «declivosa» dos terrenos, os acanhados espaços de manobra (leiras, socalcos), os caminhos estreitos, de piso irregular, muitas vezes «escondidos» por matos e silvas do olhar do condutor;

(ii) um nível etário extremamente elevado da população activa agrícola, reduzindo capacidades físicas e mentais (atenção, reflexos, visão, audição), agravado por insuficiente/deficiente acompanhamento médico, em geral sem exames de rotina regulares, e também por jornadas de trabalho de muitas horas – de sol a sol – particularmente nos períodos de Verão/Outono, longos períodos de trabalho consecutivo, sem paragens, com consequências inevitáveis de fadiga, na redução de atenção e nos automatismos rotineiros, pouco adequadas à condução e manejo de máquinas e alfaias e à potência dos motores!

(iii) a idade e o estado de conservação e manutenção dos tractores e alfaias acopladas, que as dificuldades económicas da agricultura familiar levam a uma utilização muito para lá do seu tempo útil de vida, por impossibilidade da necessária renovação, e mesmo reequipamento; factor certamente agravado tantas vezes pelo uso de máquinas de potência, dimensão e formas desajustadas (para mais e para menos) das exigências do trabalho a realizar, adquiridas pela pressão e grau de convencimento do vendedor, do marketing e respectiva publicidade, de preços de promoção convidativos;

(iv) o estado da formação e informação dos motoristas, utilizadores e ajudantes das actividades agro-rurais. Este é sem dúvida um factor crucial na prevenção da sinistralidade. O uso e o manejo de um tractor por quem o conduz e de quem com ele trabalha, são uma questão muito séria, a exigir uma forte intervenção pública. Novas alfaias, por exemplo, exigem a realização de acções, mesmo breves, de formação. Acrescentando-se, igualmente, a necessidade de uma acção informativa e formativa destinada a dissuadir a presença de crianças na proximidade das máquinas!

Saliente-se que a ACT (o organismo público sucessor do IDCT), ao contrário do que acontecia anteriormente, não se tem aprestado, apesar de várias vezes solicitado, a estabelecer parcerias ou protocolos com Organizações Agrícolas, para a realização sistemática de campanhas de formação e sensibilização dos agricultores para a segurança no trabalho e, em especial, na utilização das máquinas agrícolas e, particularmente, do tractor.

5. Dir-se-á que existe todo um conjunto de factores muito subjectivos, de difícil resolução, muitos profundamente imbricados com elementos referidos anteriormente, como hábitos e comportamentos arreigados, rotineiros, dificilmente superáveis pela formação e informação. Problemas como o excesso de álcool, iliteracia, trabalho isolado, desrespeito sistemático por regras e equipamentos de segurança (casos do «arco de segurança«, do não uso do cinto de segurança em tractores com cabine, da não protecção do «cardan», rigidez do nó de engate/atrelamento dos reboques etc.), são bem conhecidos, como causas repetidas de acidentes graves com tractores.

6. Há outros acidentes de trabalho em meio rural, que se sucedem com muita frequência, mesmo se inferior à verificada com tractores. É o caso dos acidentes, em geral também com elevada mortalidade, na limpeza de vasilhas de vinho e outros líquidos (cubas, tonéis e outros depósitos) e na manutenção/limpeza de motores de combustão, colocados no interior de poços, provocados pela inalação de gases (CO e CO2)! Há aqui uma ignorância/falta de informação, sobre os riscos dessas operações, com um rol regular de vítimas mortais, não só dos que procediam aquelas operações, como de familiares que os procuram socorrer, e mesmo de elementos dos corpos de bombeiros chamados a intervir. Também aqui, e noutros acidentes de trabalho no mundo agrícola e rural, que devem ser tipificados e avaliados na sua actual dimensão, é necessário e possível desenvolver a sensibilização e desenvolver acções e campanhas preventivas.

A sociedade portuguesa, o País agrícola não podem continuar a assistir a esta grave sinistralidade nas nossas aldeias, sem procurar travá-la, reduzir o seu nível de mortalidade, atenuar os seus impactos negativos, morais e materiais, privados e públicos, inclusive os seus elevados custos económicos.

É procurando dar uma contribuição para que o problema tenha uma renovada abordagem na procura de respostas e acções públicas, com o objectivo de «Reduzir a sinistralidade do tractor e reduzir os acidentes mortais no meio rural», que o Grupo Parlamentar do PCP propõe nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da Constituição da República e do Regimento da Assembleia da República, recomendar ao Governo o seguinte conjunto de medidas e acções:

1. CAMPANHAS DE ALERTA E SENSIBILIZAÇÃO
Na base da reavaliação de uma informação actualizada, devem procurar tipificar-se e quantificar-se os acidentes em meio rural e nas actividades agrícolas, as suas causas e consequências, no sentido do desenvolvimento de fortes campanhas de alerta e sensibilização, recorrendo às formas sugestivas da publicidade, com uso privilegiado da televisão e rádio em horários adequados. As campanhas devem partir da auscultação e participação activas das associações agrícolas e entidades ligadas a operações de socorros e salvamento – Bombeiros Voluntários, INEM. A sua divulgação deveria contar com a intervenção das autarquias locais (Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais), e das próprias paróquias rurais. As campanhas devem incluir o combate pedagógico e persuasivo a hábitos e comportamentos individuais de risco.

2. PROGRAMA DE RENOVAÇÃO E REEQUIPAMENTO DAS EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS

À semelhança do que acontece em Espanha, deve ser criado um regime de ajudas para a renovação do parque de máquinas agrícolas das explorações agrícolas familiares, com o objectivo de retirada de tractores e máquinas mais antigas, substituindo-os por novos equipamentos que possam, em primeiro lugar, melhorar as condições de trabalho e segurança, a par de ganhos na eficiência energética e redução dos impactos ambientais. A ajuda devia ser adequada à dimensão económica da exploração, e estabelecida na base de 150 euros/CV (cavalo vapor), de acordo com a informação constante de registo oficial de tractores e motocultivadores (deve prever-se, para o efeito, o registo dos motocultivadores até aos 300 kg, hoje não obrigatório).

Tendo o Ministério da Agricultura aberto a reprogramação do PRODER, deve integrar-se como elegível, e nas condições referidas, a renovação do parque de máquinas agrícolas das explorações familiares.

3. PROGRAMA DE FORMAÇÃO E ACONSELHAMENTO

Bem articulado com as campanhas de alerta e sensibilização, deve ser criado, ou especificado, um Programa para a formação na condução e manejo de máquinas agrícolas, com prioridade para tractores e motocultivadores, e respectivas alfaias, a desenvolver pelas estruturas associativas, e acompanhamento dos serviços do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

No quadro do Programa de Aconselhamento Agrícola do PRODER, devem ser consideradas medidas e acções especificamente dirigidas à visitação e debate, em cada exploração agrícola, com os utilizadores de máquinas, com o objectivo de avaliar e ajudar a ultrapassar problemas detectados no seu uso. Visitas que devem ser realizadas e certificadas por documento de uma estrutura associativa. Deve acrescentar-se, como área temática, a mecanização agrícola, na vertente da segurança, às cinco áreas do Aconselhamento Agrícola.

Contrariando a tendência dos últimos anos, de redução dos cursos de operadores de máquinas agrícolas e de outra formação ligada à mecanização agrícola, devem, no âmbito do POPH/QREN, ser reforçadas e dada prioridade a estas acções, nomeadamente na vertente higiene e segurança.
Estes programas de formação e aconselhamento devem associar, na sua elaboração e desenvolvimento prático, as empresas industriais e comerciais que constroem, montam ou comercializam as máquinas, ou as suas associações empresariais.

4. CAMPANHA DE RASTREIO E ACOMPANHAMENTO MÉDICO DE CONDUTORES E AJUDANTES

No contexto das acções de Saúde Pública da responsabilidade das unidades de cuidados de saúde primária públicos (centros e extensões de saúde/ACE), deve ser desencadeado uma campanha de rastreio e avaliação do estado e condições físicas e psíquicas para a condução e manejo de máquinas agrícolas, que permita abranger o maior número possível de motoristas e ajudantes. Devem ser igualmente avaliados hábitos e comportamentos de risco.
Deveria ser considerado, integrado na campanha e registado como tal, o rastreio e avaliação desses agentes, no contexto das suas idas de rotina à unidade de saúde e consulta com o seu médico de família.

A campanha poderia iniciar-se a título experimental em Concelhos com uma elevada percentagem de população activa agrícola, e em que tivessem sido detectados níveis preocupantes de acidentes de trabalho.

5. PROGRAMA DE INFORMAÇÃO e PREVENÇÃO DE OUTROS ACIDENTES

Outros acidentes de elevada sinistralidade, como os causados por inalação de gases em operações no interior de depósitos de líquidos ou no interior de poços, o manuseamento pouco cuidadoso de produtos químicos, etc., devem ser igualmente seriados, avaliados e determinadas as medidas de prevenção e socorro, pela sensibilização, informação e formação, susceptíveis de reduzir comportamentos de risco.

Também nestas respostas públicas deve ser incentivada e apoiada a participação e o envolvimento das estruturas associativas.

6. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DOTAÇÃO ORÇAMENTAL PARA CONCRETIZAÇÃO E SUPORTE DESTAS MEDIDAS E ACÇÕES

O Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas deve assumir a tutela e direcção, cabendo aos seus serviços (DGADR e DRA), em articulação com serviços de outros ministérios, casos do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (ACT/ Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho) e Ministério da Saúde, a concretização e acompanhamento das diversas medidas e acções. O desencadeamento deste processo poderia começar por reunião específica da Comissão de Aconselhamento da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, destinada a um primeiro delineamento e envolvimento das estruturas associativas.

Em sede do Orçamento do Estado devem ficar inscritas as dotações nacionais e comunitárias com este objectivo, independentemente de medidas a serem suportadas no quadro de programas já existentes, como o PRODER.

Assembleia da República, em 13 de Outubro de 2010

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