Projecto de Lei

Redes de Transporte de Electricidade em Muito Alta e Alta Tensão

 

Licenciamento das Redes de Transporte de Electricidade em Muito Alta e Alta Tensão

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A electricidade enquanto uma das formas de energia final continuará a ter um crescente protagonismo no desenvolvimento das sociedades, em todos os aspectos da vida: desde o sistema produtivo ao sistema urbano, passando pelas diversas infra-estruturas logísticas e de transporte e, ainda, no comércio serviços e lazer.

De facto, não é possível conceber a vida nas sociedades humanas sem utilização constante e progressiva de electricidade.

Por outro lado, a crise energética decorrente da incremental escassez de combustíveis fósseis, dará seguramente um acrescido protagonismo à electricidade.

O processo de utilização de electricidade reparte-se pelas fases de produção em centros produtores diversificados - em Portugal, actualmente, no fundamental, em centrais térmicas, em centrais hidroeléctricas e em centrais eólicas - no transporte - entre os centros de produção e a proximidade dos locais de consumo, normalmente em alta e muito alta tensão e na distribuição até aos locais de consumo.

Historicamente, a necessidade de responder às crescentes solicitações de energia eléctrica - as taxas de crescimento tem sido, em Portugal, significativamente superiores ao crescimento do PIB - e, por outro lado, à necessidade de optimizar condições de transporte no que às perdas em linha diz respeito, tem conduzido à necessidade de incrementar as tensões de transporte.

Também é conhecido, que o transporte de potências eléctricas elevadas origina radiações eléctricas e magnéticas de carácter não ionizante, cuja intensidade, grosso modo, varia na razão directa da tensão, da corrente e na razão inversa da distância a que nos encontramos dos cabos de transporte.

Existem estudos prosseguidos desde há bastantes anos, de forma continuada, sobre os eventuais efeitos de tais campos e radiações sobre os seres vivos, particularmente sobre os seres humanos.

De tais estudos e investigações, têm decorrido normativos técnico-legais com vista a proteger a saúde das populações e dos trabalhadores profissionalmente expostos, através de regras técnicas claras, para que a montagem das instalações e infra-estruturas de transporte de electricidade seja feita em princípio na salvaguarda da saúde das populações.

A gestão ineficiente do território, particularmente nas zonas de grande densidade populacional e a significativa descoordenação entre diversas entidades envolvidas - autoridades governamentais, regionais e locais e a empresa responsável pelo transporte da energia eléctrica -, entre outros aspectos, têm conduzido ao longo dos anos, a muitas situações inadequadas, algumas das quais, nos últimos tempos, têm levado a múltiplas manifestações públicas de descontentamento.

Foi o que recentemente aconteceu, entre outros, em Sintra, Almada, em Silves e Portimão, em Guimarães, na Batalha e em Pombal. Situações desastrosas e conflituais a que urge dar solução.

Os processos de preocupação, discordância e protesto litigioso das populações relativamente à instalação de novas linhas de muito alta tensão em determinados traçados, independentemente do seu grau de objectividade e razoabilidade, devem ser estudados e respondidos.

Por vezes, decorrem de insuficiente esclarecimento e negociação, devido ao carácter autoritário de entidades envolvidas que, embora desempenhando funções de interesse público, descuram a necessidade de haver rápidas e adequadas respostas.

O comportamento majestático das empresas que ao longo dos anos têm tido a responsabilidade da gestão das redes de transporte de energia eléctrica constitui também um dos problemas em presença.

Este comportamento ficou agravado pelos processos de privatização, que têm ilegitimamente transferido competências delegadas do Estado, antes na esfera do sector público, para entidades privadas, que, ilegitimamente, as usam como se estas constituíssem mais um mero de valorização bolsista.

Nuns casos, os traçados planeados para a instalação das redes desconhecem ou não têm em consideração instrumentos mais finos de planeamento e gestão do território em vigor, como sejam as Autorizações de Loteamento, e, noutros casos o crescimento urbano ou urbanístico irracional e desprogramado não têm tido em consideração as preexistências de infra - estruturas de transporte de electricidade, entrando em claro conflito com elas.

De facto, no actual quadro regulamentar, não existe uma ligação coerente entre os diversos níveis da gestão do território e as aprovações de traçados de redes pela administração central.

Muitos dos problemas actualmente existentes, resultam do desconhecimento e da não consideração da figura do Alvará de Loteamento com a força legal que, de facto, lhe é dada pelo decreto-lei 555/99, aliás reforçada com as recentes alterações legais introduzidas no RJIGT e no RJUE.

Actualmente os municípios têm uma escassa capacidade de intervenção neste domínio.

Ora convém que o passem a ter, assumindo os pareceres dos municípios um carácter vinculativo.

Do actual estado dascoisas têm resultado situações incorrectas sob os pontos de vista ambiental, urbanístico e paisagístico, com potênciais perdas económicas e sociais, e, porventura, nalgumas situações muito localizadas, mesmo problemas de saúde pública.

Não sendo possível resolver a totalidade ou, mesmo a generalidade das situações de contradição entre a urbanização real do território, as imprescíndiveis infra-estruturas de transporte de electricidade e os valores sócio-ambientais que vêm do passado, há contudo que, de forma negocial equitativa resolver um máximo possível de muitas das situações mais gravosas diagnosticadas.

Por outro lado, há que atenuar e se possível até eliminar, para o futuro, as disfunções, descoordenações e falta de diálogo que estão na origem de muitas das actuais situações.

O presente projecto de Lei, pretende pois, conciliar as necessidades de electrificação do país com a segurança das populações e uma adequada e criteriosa gestão, urbanística, paisagística e ambiental do território.

Artigo 1.º

Objecto

O presente diploma enuncia o conjunto de princípios a que a instalação e manutenção de Redes de Transporte de Electricidade de Alta e Muito Alta Tensão deverão obedecer, no que se refere à sua interacção com a urbanização, o território, em particular com a sua urbanização, e com as populações nele residentes ou que nele desenvolvem as mais diversas ocupações sociais.

Artigo 2.º

Princípio da precaução, prevenção e responsabilidade partilhada

•1.    No cumprimento do princípio da precaução, prevenção e responsabilidade partilhada, cabe à Direcção Geral de Saúde desenvolver a monitorização das populações residentes nas áreas rurais e urbanas atravessadas pelas linhas de transporte de electricidade em alta e muito alta tensão.

•2.    Ao operador incumbe adoptar todas as medidas necessárias à imediata correcção de situações anómolas, eventualmente detectadas, à luz da regulamentação de protecção humana contra radiações e campos eléctricos e magnéticos

Artigo 3.º

Limites máximos de exposição

O Governo estabelece em portaria os limites máximos de exposição relativamente aos impactos das linhas de transporte de electricidade em alta e muito alta tensão, no quadro das orientações da Organização Mundial de Saúde e das melhores práticas da União Europeia.

Artigo 4.º

Planeamento e licenciamento de novas linhas de transporte de electricidade

•1.    Nos processos de planeamento e licenciamento de novas linhas de transporte de electricidade de alta e muito alta tensão é exigido o parecer dos municípios e suas associações, cujos territórios necessitem ser atravessados por aquelas infra-estruturas.

•2.    O parecer obrigatório previsto no número anterior tem que ser fundamentado e, no caso de existir conflito com direitos de urbanização já adquiridos, é vinculativo.

•3.    É vedado ao operador a utilização de terrenos integrados nos domínios público e privado do Estado e das Autarquias sem o acordo prévio destes.

Artigo 5.º

Recurso

É reconhecido ao operador o direito de recurso para organismo arbitral competente das decisões previstas no n.º3 do artigo anterior, devendo este encontrar com as partes em conflito e conciliar os interesses públicos de transporte de energia eléctrica com os interesses públicos representados pelo Estado e pelas Autarquias e suas associações.

Artigo 6.º

Acesso a terrenos privados

•1.    O acesso a terrenos privados, após o licenciamento das linhas de transporte, é concretizado prioritariamente através da figura da aquisição ou de arrendamento de longa duração por forma contratualizada.

•2.    No caso de não haver acordo no previsto no número anterior o acesso deverá ser concretizado através de expropriação no quadro de interesse público.

Artigo 7.º

Impactos das linhas existentes

•1.    As linhas de alta e muito alta tensão já existentes que tenham impactos notórios, comprovados por entidades sociais e científicas relevantes, sobre agregados urbanos legalmente estabelecidos, ou sobre territórios com valor natural ou paisagístico enquadrados por lei, serão avaliadas por organismo arbitral competente, com vista à alteração dessa situação.

•2.    Ao organismo arbitral cabe decidir a resolução dos impactos referidos no número anterior e as suas decisões obrigam as partes conflituantes.

•3.    No caso das decisões do organismo arbitral obrigarem à alteração dos traçados das linhas de transporte ou ao seu enterramento, os custos serão internalizados pelo operador, estando vedada a possibilidade de os transferir para os consumidores sob a forma de tarifa ou qualquer taxa ou comissão.

Artigo 8.º

Organismo Arbitral

•1.    A constituição do organismo arbitral previsto nos artigos 5.º e 7.º do presente diploma é da responsabilidade do Governo.

•2.    O organismo arbitral é composto por:

•i)                 Um juiz de direito, que será o seu presidente;

•ii)               Um representante da Direcção Geral deSaúde;

•iii)             Um representante da Direcção Geral de Energia e Geologia;

•iv)             Um representante do operador;

•v)               Um representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses;

•vi)             Um representante do município em que se verifica o conflito;

•vii)            Um representante das associações de consumidores.

Artigo 9.º

Medidas transitórias

•1.    Cabe ao Governo regulamentar no prazo de 90 dias as medidas previstas no presente diploma.

•2.    A constituição do organismo arbitral será nomeada pelo governo e constituída no prazo de 120 dias.

Assembleia da República, em 20 de Março de 2009

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