Intervenção de

Redes de transporte de electricidade em muito alta e alta tensão

 

Licenciamento das redes de transporte de electricidade em muito alta e alta tensão

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Começo por saudar também o Movimento Nacional contra a Alta Tensão.

Os problemas que colocam a necessidade de novo enquadramento legislativo são suficientemente conhecidos e, em nossa opinião, as questões a que é necessário responder, também.

O projecto de lei que o PCP apresenta (projecto de lei n.o 6e 692/X) procura responder, de forma simples, concisa e clara, a essas questões, deixando para o Governo o que julgamos ser da sua competência fazer.

Assim, consideramos necessário um novo enquadramento legal que respeite o princípio da precaução, altere os actuais limites máximos de exposição aos campos electromagnéticos, conforme os níveis mais exigentes adoptados por vários países da União Europeia, seguindo indicações da Organização Mundial de Saúde.

Consideramos necessário, ainda, a intervenção dos municípios no planeamento e licenciamento de novas linhas, a reavaliação das situações existentes, nomeadamente em localidades como Serzedelo, Sintra, Almada, Silves, Batalha e Pombal e outras, onde as populações vêm contestando processos em curso e/ou a reavaliação da rede actual, a criação de um órgão arbitral para decidir das questões controversas.

Acolhemos favoravelmente, na generalidade, o conjunto dos outros projectos de lei, considerando que, apesar de algumas abordagens mais específicas, o resultado final de um trabalho em sede de comissão permitirá responder adequadamente aos problemas colocados. Srs. Deputados, o único facto político relevante nesta matéria é o comportamento do grupo parlamentar do partido do Governo, diga-se, inteiramente coerente com os procedimentos inaceitáveis dos Ministérios da Saúde e da Economia.

Aquando do debate de Fevereiro de 2008, o PS, pela voz do Deputado Renato Sampaio, em nome do «rigor e seriedade» com que «este tema deve ser tratado» e do combate à «demagogia e populismo» e ao «alarmismo nas populações», com que toda a gente está de acordo, referiu a existência de um grupo de trabalho, tendo dito que aguardavam «serenamente as conclusões desse grupo de trabalho para, finalmente, legislar com segurança e precaução» e que o PS, «em função do que resultar e dos consensos que forem possíveis», «apresentará uma iniciativa legislativa que resolva definitivamente o problema da instalação, em Portugal, de linhas deste tipo»!

Descontando-se o «definitivamente», o pequeno problema é que nem o trabalho do grupo de trabalho, de que o Deputado Renato Sampaio era coordenador, nem iniciativa legislativa, um ano passado sobre os compromissos assumidos!

Srs. Deputados, se dúvidas houvesse sobre a forma como a maioria e o Governo trataram este problema - insensibilidade política, ausência de diálogo, autoritarismo, muita tecnocracia e pouca política -, o acompanhamento da situação pelos ministérios mais directamente envolvidos é um desastre.

Restrinjo-me, tomando como exemplo a forma como foram tratadas as iniciativas do Grupo Parlamentar do PCP sobre a situação em Serzedelo. Mas, pelo que se sabe noutras situações, os procedimentos não foram melhores!... O Ministério da Saúde começa por se limitar, em Janeiro de 2007, a uma burocrática posição de desvalorizar o problema.

Após segundo questionamento, em Agosto de 2007, lá consegue dizer que o problema faz parte das preocupações do Plano Nacional de Acção Ambiente e Saúde e que se encontra prevista «a realização de um levantamento sistemático de todas as fontes emissoras de campos magnéticos», a que juntam o Relatório do Grupo Interministerial. Só à terceira insistência, em Outubro de 2007, somos informados de que, graças ao ofício do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães - talvez por ser da «cor»!... -, a Administração Regional de Saúde do Norte manda fazer um novo estudo! Mas, depois, foi preciso pedir o estudo, em Agosto de 2008, e da nova resposta do Ministério da Saúde constavam duas coisas: que as medições efectuadas em Serzedelo por empresa contratada pela REN cumprem os níveis da respectiva portaria e que o estudo não atribui qualquer excepcionalidade à mortalidade na freguesia. Esqueceram-se de referir um pequeno problema: as anotações críticas feitas pelos autores do estudo sobre a qualidade e a fiabilidade das estatísticas de mortalidade portuguesas. Como escrevem os seus autores: «Qualquer interpretação das taxas de mortalidade apresentadas deve considerar as limitações referentes aos dados utilizados na análise».

O Ministério da Economia consegue fazer pior: nada vê para lá do cumprimento da portaria, quando os problemas existentes deveriam traduzir-se na sua reavaliação e decisões consequentes.

O seu campo de visão ficou completamente tapado por aquilo que julga ser os interesses da REN, ou talvez a pensar na sua privatização, a sua valorização bolsista!

A tal ponto vai a miopia que, no último questionamento (Agosto de 2008) do Ministério, que deveria tutelar a REN, quem, de facto, responde é a REN!

Repare-se nesta «pérola»: quando se pergunta ao Ministro por «dados e informações que permitam certificar o Labelec como entidade idónea para efectuar os referidos estudos», medições em Serzedelo em torno da subestação da REN, informa esta entidade: «A REN pode testemunhar o elevado nível de competência técnica deste laboratório (...) para a execução das medições de campo eléctrico e de campo magnético».

E ainda antes de acusar o Grupo Parlamentar do PCP, que questiona a «certificação» do Labelec de «tentar introduzir um factor de confusão em torno da terminologia» e de fazer «a tentativa (...) de descredibilizar o Labalec enquanto laboratório competente para fazer medições», o Ministério da Economia, isto é, a REN, ordena, imperativamente, que «qualquer outro nível de inquirição relativo a uma empresa que age no mercado de serviços técnicos electrotécnicos, quanto às suas capacidades, deverá ser dirigido directamente à própria empresa»!

Isto é, o Estado demite-se da sua obrigação de isenção, do seu papel de garantia do interesse público, entregando-se nos «braços» dos interesses, certamente legítimos, mas privados! Este Governo não tem, claramente, qualquer capacidade para resolver o problema hoje em debate. Esperemos, pelo menos, que a sua maioria assuma o que afirmou em Fevereiro de 2008, neste Plenário, aprovando os projectos hoje em debate.

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