Intervenção de

Rede viária nacional - Intervenção de Bruno Dias na AR

Declaração política sobre a privatização da rede viária nacional

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados

Realizaram-se nos últimos dois dias as Jornadas Parlamentares do PCP, centradas no tema da Educação, cujas conclusões foram publicamente divulgadas. Uma dessas conclusões versava sobre a necessidade de discussão e votação imediata do chamado "pacote da corrupção", há longos meses parado na 1ª Comissão.

Verificámos aliás que esta nossa proposta foi prontamente acolhida por outras bancadas, que propuseram o mesmo, incluindo a da maioria, que anunciou ontem a reactivação do grupo de trabalho que desde há muito se mantinha inactivo. Ainda bem que tomámos esta iniciativa.

As Jornadas Parlamentares do PCP abordaram ainda um processo que, a concretizar-se, representará um capítulo negro da linha privatizadora seguida por sucessivos governos do PS e do PSD, com ou sem o CDS-PP. Falamos do processo conducente à privatização da rede viária nacional.

Nesta matéria, importa sublinhar que a Constituição da República determina, no seu Artigo 84.º, que as estradas pertencem ao domínio público. Tal como as linhas férreas nacionais, as águas territoriais com os seus leitos e fundos marinhos, os cursos de água navegáveis, também a rede viária é componente fundamental, não apenas do património do Estado Português e do seu quadro de responsabilidades e deveres ao nível da gestão e defesa deste bem público.

Mais ainda do que isso, e também por essa razão, a rede viária constitui um factor absolutamente vital da soberania de um país, e do funcionamento da sua economia. Por estas razões, esta norma constitucional tem que ser entendida pelos princípios que consagra e pelos objectivos que prossegue - não pode ser encarada como uma barreira que se contorna para seguir um caminho de entrega do país aos grupos económicos.

É esse o caminho que este Governo está a tentar prosseguir a todo o custo, com vista à privatização das estradas nacionais. Um caminho que se iniciou com a "flor na lapela" da regulação estatal, que sempre acompanha as políticas de liberalização e privatização. Assim nasceu em Abril o Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, com a respectiva lei orgânica e estatutos.

O caminho prosseguiu com a publicação, em 11 de Julho, da Resolução do Conselho de Ministros que determinou o "modelo de gestão e financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias", abrangendo a totalidade da rede viária nacional. Aí se estabelecia o peregrino conceito da "solidariedade intergeracional", uma insólita solidariedade que não se dá mas que se exige às actuais e futuras gerações, deixando-lhes a factura deste escandaloso negócio.

É assim que a maioria PS nesta Assembleia da República impõe a aprovação de uma lei de financiamento da rede rodoviária (publicada a 31 de Agosto), determinando que este seja assegurado pelos respectivos utilizadores. Como? Com a aplicação da tal "contribuição de serviço rodoviário", que ainda por cima não é contrapartida nenhuma ao uso das estradas nacionais - porque é paga em função do combustível gasto.

Trata-se de uma clamorosa manipulação das contas do Orçamento de Estado, com a transferência (ou melhor dizendo, a consignação!) de receitas do ISP para a Estradas de Portugal, determinada pela obsessão do deficit - relativamente ao qual se pretende uma desorçamentação de cerca de 0,3%.

Mas o Governo e a maioria PS vão mais longe, e determinam que "a exigência da contribuição de serviço rodoviário não prejudica a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso pela Estradas de Portugal a outras formas de financiamento".

Entretanto, o Governo anuncia a aprovação em Conselho de Ministros de dois novos diplomas, respectivamente em 16 de Agosto e 27 de Setembro.

Com o primeiro decreto-lei, o Governo transforma a Estradas de Portugal em Sociedade Anónima, anunciando promover "maior aproximação ao mercado". Com o segundo decreto-lei, o Governo atribui a essa "nova" Sociedade Anónima a concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

O eufemismo da figura de "concessão" não esconde a efectiva privatização das estradas do País, patente no prazo da concessão - até 2099 - e na entrada do capital privado, para já, em 50% no capital social da nova empresa EP, SA.

Com esta política e estas decisões, o Governo põe em causa a concretização do Plano Rodoviário Nacional, já considerado pelo Governo como "excessivamente ambicioso", e entrega aos grupos económicos que já hoje controlam a Rede de Auto-Estradas, o resto da rede viária. Mas entrega também indirectamente às grandes empresas de construção civil a monopolização do mercado das obras das grandes infra-estruturas públicas.

A filosofia neoliberal que justifica tal decisão vê a rede viária nacional como uma estrutura que apenas interessa aos que nela circulam, subvertendo a sua importância estratégica e nacional. É mais uma vez o interesse nacional que é posto em causa, é mais uma vez o nosso futuro colectivo que é penhorado, ao sabor dos grandes interesses da alta finança.

É uma nova e gravosa peça na privatização de um conjunto de empresas públicas de serviços essenciais e redes de infra-estruturas únicas que correspondem a monopólios naturais, como a da REN, rede de cobre da PT, ANA, dos silos e infra-estruturas portuárias, a rede de Auto-Estradas e importantes pontes, preparando-se a já anunciada privatização da DOCAPESCA. Sobra (até ver!) a rede de caminhos-de-ferro da REFER e os CTT, ambos em acelerado processo de liberalização.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Em 1481, ano da morte do rei D. Afonso V, havia nobres que possuíam mais terras do que a própria Coroa. E as benesses dadas à nobreza ascendiam a tal monta que, o seu sucessor, D. João II, proferiu um desabafo que ficou para a história: "meu pai deixou-me rei das estradas de Portugal".

Com a política deste Governo, o povo português arrisca-se a dizer um dia que nem as estradas escaparam. Mas este submisso afã de entrega do património público - que é de todos! - às novas aristocracias do capital financeiro terá seguramente a resposta e a condenação dos trabalhadores e das populações. E a firme oposição do Partido Comunista Português.

 

 

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