Projecto de Resolução N.º 1340/XIII

Recomenda o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990, acautelando medidas de acompanhamento e transição, a realização de um relatório de balanço da aplicação do novo AO da língua portuguesa e uma nova negociação das bases e termos

Recomenda o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990, acautelando medidas de acompanhamento e transição, a realização de um relatório de balanço da aplicação do novo AO da língua portuguesa e uma nova negociação das bases e termos

Recomenda o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990, acautelando medidas de acompanhamento e transição, a realização de um relatório de balanço da aplicação do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa e uma nova negociação das bases e termos de um eventual Acordo Ortográfico

Em 12 de outubro de 1990, foram assinados em Lisboa dois documentos - o “Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1990)” e a “Introdução ao Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1990)” – que viriam a estar na origem do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
O AO90 foi aprovado na Assembleia da República em 4 de junho de 1991 por todos os partidos com assento parlamentar, contando apenas com a abstenção do Partido Comunista Português. Só Portugal e Cabo Verde ratificaram o novo acordo dentro do prazo estabelecido.

Após a ratificação inicial do primeiro Protocolo Modificativo do Acordo, o segundo Protocolo Modificativo foi aprovado pela Assembleia da República em 16 de maio de 2008, possibilitando a entrada em vigor, no nosso país, do AO90.

Desde o seu início, a aplicação do AO90 desencadeou um conjunto de reações muito vincadas e apaixonadas em diferentes setores da sociedade. Mais do que o confronto entre posições pró e contra AO90, torna-se importante avaliar todo o caminho que resultou no atual Acordo Ortográfico, caracterizado indubitavelmente por uma insuficiência da maturidade e da democraticidade de todos os processos conducentes à sua adoção, bem como avaliar o ponto em que nos encontramos ao nível do seu conhecimento e aplicação concreta.

Quanto a isso, é necessário reafirmar que o AO90 foi preparado em contextos alheios à população, distantes da comunidade académica e literária, sem acolher grande parte dos contributos que foram produzidos por setores vários da sociedade. Tal começou, aliás, pela própria Academia de Ciências de Lisboa, órgão consultivo do Governo português em matéria linguística, que admitiu apenas ter sido ouvida no início do processo, não tendo sido devidamente envolvida na ratificação. Aliás, dos 27 pareceres solicitados em 2005 a propósito do Acordo Ortográfico de 1990, 25 foram negativos.

É igualmente necessário relembrar que ficou por acautelar no AO90 a concreta definição da base de um Acordo Ortográfico, designadamente ao nível da necessidade de subscrição e depósito dos instrumentos de ratificação junto do Estado depositário por todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa para a sua vigência, bem como a previsão expressa de mecanismos de suspensão da aplicação e recesso consensual ou unilateral.

Facto é que o referido no preâmbulo do AO90, quando se afirma que «o texto do Acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos países signatários», não corresponde propriamente ao sentimento das mais variadas entidades. Faltam atas publicadas de encontros científicos promovidos pelo Governo, pelos organismos da Administração Central, pela Academia das Ciências de Lisboa ou pelas Instituições de Ensino Superior ou Centros de Linguística sobre esta matéria; faltam estudos prévios e relatórios elaborados, publicados e amplamente discutidos, envolvendo – saudavelmente – visões divergentes e convergentes sobre um tema tão complexo.

O período de transição, que estabelecia uma aplicação faseada da norma do novo Acordo, poderia ter cumprido o papel que um verdadeiro período de transição deve cumprir: permitir uma avaliação dos reais impactos, das insuficiências, das vantagens e desvantagens políticas, mas também da recetividade pública da nova norma. No entanto, não foi isso o que aconteceu no nosso país.

Foi desperdiçada a oportunidade de estudo e acompanhamento sistemático e científico sobre a perceção e a utilização do Acordo Ortográfico no seio da população, sobretudo da comunidade educativa.

Restam algumas perguntas ainda sem resposta: onde pode ser lida a avaliação dos efeitos da entrada em vigor do Acordo Ortográfico, em Portugal, tal como prevê o Acordo, nos planos linguístico, editorial e educativo? Que avaliação rigorosa foi feita por parte do Governo dos impactos que, do ponto de vista do sistema educativo, teve a entrada em vigor do Acordo Ortográfico? Que avaliação foi feita das consequências que, do ponto de vista científico e pedagógico, nos programas de Português, teve a entrada em vigor do Acordo Ortográfico?

O Partido Comunista Português não tem nenhuma conceção fixista ou conservadora em torno da ortografia. Valorizamos, isso sim, a participação política e científica, o incremento da robustez técnica da norma escrita e, simultaneamente, a inteligibilidade e democraticidade da escrita e da oralidade. Sendo a Língua, incluindo a etimologia, um importante instrumento do raciocínio e do pensamento humano, a sua preservação, promoção e defesa têm de ser objetivos fundamentais de uma verdadeira política da Língua, sem prejuízo da sua dimensão internacional.

No seu Projeto de Resolução N.º 965/XII/3.ª, o PCP referia que um eventual Acordo Ortográfico deve ser aceite com empenho por todos os falantes, porque a Língua não pode ser imposta por decreto. Pelo contrário, o decreto deve reflectir a natural evolução da Língua. Por isso mesmo, a redação de um Acordo Ortográfico deve convocar os contributos de todos e avançar apenas na condição de ser plenamente subscrito por todas as comunidades falantes, e de ser amplamente aceite por quem fala e escreve o Português.

A construção de uma proposta de Vocabulário Ortográfico Comum, a participação de todos e a concertação diplomática dos interesses dos vários países e povos, sem que se assuma uma fonética dominante ou um mercado livreiro mais importante como critérios, são condições para um Acordo Ortográfico que não fira quaisquer das formas escritas e a sua democraticidade.

Nesta ótica, o PCP considera que deve ser assegurada a participação da comunidade académica e da comunidade literária na definição de objetivos e princípios de parti-da para uma nova negociação das bases e termos de um eventual Acordo Ortográfi-co junto dos restantes países da CPLP.
Nas múltiplas audições realizadas e contributos recebidos no âmbito dos Grupos de Trabalho relativos à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 existentes nas XII e XIII Legislaturas, por bastas vezes foram suscitadas incongruências, insuficiências e dificuldades muito práticas da aplicação e uso concreto do AO90. As questões mais evidenciadas prendiam-se com dupla grafia em palavras de uso muito frequente e os casos de facultatividades, a discrepância entre formas da mesma família lexical, os fenómenos de hipercorreção, as frequentes utilizações indevidas do AO90 na Comunicação Social ou mesmo nos documentos de entidades oficiais do Estado. Ainda as-sim, uma das ideias que transpareceu foi a instabilidade que grassa decorrente de um processo mal ou inabilmente conduzido ab initio.

A realidade coloca ainda um aspeto determinante: chegados ao fim do prazo de transição constata-se que não existe, à data presente e volvidos 28 anos, um Acordo Ortográfico comummente aceite por subscrição e depósito dos instrumentos de ratificação junto do Estado depositário por todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Se a Língua é, simultaneamente, património cultural dos povos e organismo vivo, então cai por terra também a conceção determinista de quem defende ser o presen-te Acordo Ortográfico inalterável e irrevogável.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constitui-ção da República, recomendar ao Governo que:

1. Ative, face ao fim do prazo de transição e à inexistência, à data presente, de um Acordo Ortográfico comummente aceite por subscrição e depósito dos instrumentos de ratificação junto do Estado depositário por todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, os procedimentos de recesso do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), nos termos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados;
2. Acautele as necessárias medidas de acompanhamento e transição, com aceitação de dupla grafia, por forma a evitar maior desestabilização de quem aprendeu e utiliza diariamente a nova grafia;
3. Realize um relatório de balanço da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, com uma componente de diagnóstico à perceção da utilização do AO90 entre a população em geral, os órgãos de comunicação social, as escolas, a academia e a comunidade literária;
4. Assegure a participação da comunidade académica e da comunidade literária na definição de objetivos e princípios de partida para uma nova negociação das bases e termos de um eventual Acordo Ortográfico junto dos restantes países da CPLP;
5. Estabeleça como base de um Acordo Ortográfico a necessidade de subscrição e depósito dos instrumentos de ratificação junto do Estado depositário por todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa para a sua vigência e a previsão expressa de mecanismos de suspensão da aplicação e recesso consensual ou unilateral.

Assembleia da República, 16 de Fevereiro de 2018

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